Meu prefácio para o recente livro «Conhecer o Eucalipto, O que importa saber», da Navigator:
O papel dos Chineses era feito principalmente de tecidos, embora pudesse incorporar resíduos
vegetais. Foi só com a Revolução Industrial, na viragem do século XVIII para o XIX, que se
inventaram no Reino Unido máquinas que usavam madeira para fabricar papel. Depressa
se verificou que as árvores vindas da Austrália forneciam ótima madeira para essa finalidade.
Datam de 1829 as primeiras plantações de eucalipto em Portugal, que tiveram lugar na Quinta
da Formiga, em Vila Nova de Gaia. O nosso país teve um papel pioneiro na produção de papel
a partir de madeira de eucalipto. Em 1920, na fábrica de Caima, em Albergaria, Aveiro, já se fazia
pasta de papel a partir de madeira de eucalipto pelo método do sulfito. No ano de 1956 em Cacia,
ainda em Aveiro, a Companhia Portuguesa de Celulose, precursora da atual The Navigator
Company, fazia pasta de papel a partir de eucalipto por um processo mais eficiente
que o do sulfito, denominado kraft, que significa forte. Foi uma inovação mundial: tratava-se
de “cozinhar” as fibras da madeira de um modo que se revelou extremamente fecundo. Essa
inovação ajuda a explicar o lugar saliente que Portugal tem hoje no mundo na produção
industrial de papel. A espécie dominante em Portugal no fornecimento da indústria do papel
é o Eucalyptus globulus: dá um senhor papel, branco e resistente.
Quando olho para um altaneiro eucalipto (a árvore mais alta da Europa está na Mata de Vale
de Canas em Coimbra, perto da minha casa) não posso deixar de pensar nas resmas de papel
que ele potencia, seja para livros, seja para periódicos seja ainda para outros dos múltiplos fins
do papel. Sou um obsessivo leitor de papel, muito mais do que de ecrã. Aprendi a ler pelos
jornais e formei-me, para além dos manuais escolares, com a ajuda dos livros de bibliotecas,
bem antes de proliferarem computadores pessoais entrelaçados na Internet. Uma das maiores
honras que tive na vida foi a de ter sido responsável pela Biblioteca Geral da Universidade
de Coimbra, que inclui a Biblioteca Joanina, uma das mais belas do mundo, que guarda
desde 1728 numerosos livros antigos, alguns dos quais remontam ao século XII. No vizinho
Departamento de Física da Universidade, onde ensinei durante mais de quatro décadas, criei
de raiz o Rómulo, uma biblioteca de cultura científica que tomou o nome de Rómulo de Carvalho,
o professor de Ciências Físico-Químicas que foi também poeta com o nome de António
Gedeão. E, recentemente, a Câmara Municipal de Coimbra presenteou-me com a concessão
da antiga Estação Elevatória de Coimbra, situada no Parque da Cidade, para albergar a minha
biblioteca pessoal, que doei ao município. Essa coleção de mais de três dezenas de milhares
de volumes ficará num espaço público à disposição de toda a comunidade. Os livros alinhados
nas bibliotecas, feitos de papel, são extraordinários meios de garantir memória, de ligar gerações
separadas no tempo, de construir coletivamente o nosso futuro. Inspiram-nos a fazer melhor
do que foi feito. Não estamos certos acerca de quanto durarão os suportes digitais, mas sabemos
que os livros de papel existem há muitos séculos, estando carinhosamente guardados nas nossas
bibliotecas. Fico feliz por ter guardado uma biblioteca multicentenária e criado outras duas
que espero se tornem longevas.
Deve para o leitor estar nesta altura clara a minha alta consideração pelo Eucalyptus globulus.
Sem ele não teria aprendido o que aprendi, nem escrito o que escrevi, procurando retribuir
um pouco do muito que recebi. É-nos muito útil o papel que essa árvore nos dá para lermos
e escrevermos livremente o que nos aprouver, manuscrito ou impresso. E a essa utilidade
acresce a das embalagens, que são hoje a principal aplicação do papel no mundo: por exemplo,
os sacos de papel substituem com vantagem os de plástico. Mas o uso do eucalipto na nossa
vida vai muito para além do papel, em sentido literal: a madeira, do eucalipto como
a de outras árvores, serve para biomassa combustível, para a construção civil e para o mobiliário.
Por exemplo, para fazer as estantes onde colocamos os livros.
Apesar de serem bem conhecidos os méritos do eucalipto, que acima resumi, há toda uma série
de acusações que sobre ele pendem. Por exemplo, que secam solos ou que favorecem
os incêndios. Algumas delas serão injustas, como sustenta este livro. Uma certa opinião pública
fez do eucalipto um bode expiatório de muitos males que acontecem nos campos em vez
de culpar a nossa incúria da Natureza. A floresta plantada, que é mais de dois terços da floresta
portuguesa, quando bem gerida, permite fornecer todo um conjunto de produtos, como os acima
referidos. Colhida a madeira, as árvores voltam a crescer, como acontece com qualquer outra
cultura agrícola. E nessa floresta tem de estar a de eucalipto.
Para além dos seus produtos materiais, as florestas plantadas fornecem-nos benefícios
inestimáveis: sequestram o carbono (um processo precioso num tempo de aquecimento global),
garantem condições de biodiversidade, protegem os solos da erosão e proporcionam-nos locais
aprazíveis de recreio. É inefável o prazer de passear numa floresta, como em Coimbra a de Vale
de Canas, enchendo os pulmões de ar puro e sentindo aqui e ali o odor de óleos essenciais (que
também podem ser aproveitados). Assim como o prazer de ler um bom livro sentado a sombra
de uma vetusta árvore.
Muito se tem escrito acerca do eucalipto. Há verdadeira e falsa ciência no que se diz sobre essa
árvore. A delimitação entre as duas, que nem sempre é fácil dados os vários mitos arreigados,
deve ser procurada. As ciências florestais têm feito um bom caminho e têm ainda um longo
percurso à sua frente - infelizmente têm sido impulsionadas pelos fogos que têm consumido
partes de um planeta sobreaquecido. Se hoje não temos mais benefícios das florestas,
os culpados somos nós, que não temos sido capazes de gerir bem as extensas manchas verdes
do nosso território. Quando a população trocou as serras pelas cidades, ficaram grandes áreas
do interior ao abandono.
Neste livro, baseado num manancial de literatura científica, o leitor encontrará informações
em linguagem simples dadas por um conjunto de peritos, que foram congregados no Fórum
do Eucalipto que decorreu em Lisboa em 2024. O debate sobre o eucalipto foi oportuno e deve
continuar, na comunidade científica e no público em geral, tentando sempre aproximar a primeira
do segundo. Espera-se que, escorado por este livro, esse debate fique mais esclarecido.
Carlos Fiolhais
Professor emérito de Física da Universidade de Coimbra
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