quarta-feira, 6 de agosto de 2025

DIÁLOGOS CRUZADOS: QUE EDUCAÇÂO PARA O SÈCULO XXI?


 Meu contributo para o livro com o título acima que saiu na Edições Esgotadaa, cvom coord. Luísa Paolinelli e Mário Santos, em 2024.  Documento um diáloigo on-line intitulado «Contra a Indiferença" no tempo da Covid, com a coordenadora e com José Eduardo Franco:

O que é que a educação permite – ou pode permitir – hoje? 

 A educação sempre se apropriou da tecnologia existente em cada tempo, não é só hoje que o faz. Isso é uma coisa maravilhosa se permite melhorar a educação. É possível, agora, por exemplo, que professores e alunos estejam próximos mesmo quando distantes. A intervenção do José Eduardo Franco foi tão inspiradora, que retomo a questão básica do dever da educação: porque é que devemos educar, porque é que temos a responsabilidade de educar, porque é que não podemos passar sem educar? Há também a questão dos conteúdos e dos dilemas de escolha, de que falarei a seguir. 

Seja-me permitido reafirmar o básico. Como cientista, gosto sempre de começar por aí. A educação existe desde que a humanidade existe. A humanidade inventou a educação e a educação trouxe-nos até aqui. Sem educação a humanidade regride, definha. A educação é um elemento essencial da humanidade. Num certo momento da nossa história, quando Luísa Antunes Paolinelli e Mário Fortes108 o conhecimento construído pela humanidade, em virtude da educação, começou a ser extenso e complexo, já não podia ser todo transmitido pela comunidade. Então, algum desse conhecimento passou a ser transmitido por aqueles que o dominavam, formando progressivamente uma nova organização social, que veio a designar-se por “escola”. Na Grécia Antiga, a escola – não tendo uma única concretização, mas diversas –, já apresentava, no essencial, a configuração que lhe reconhecemos hoje. Por exemplo, a relação mestre-discípulo, que entendo ser o fundamental da escola, ocupa aí um lugar central, o mesmo acontece na Idade Média, ainda que com características diferentes, e no Renascimento, quando se deu a recuperação de alguns dos valores da Antiguidade Clássica. No Iluminismo, no séc. XVIII, há uma afirmação muito forte do valor de educação. Devemo-la a um dos maiores filósofos de sempre, Immanuel Kant. Num pequeno livro intitulado Sobre a Pedagogia, que continua atualíssimo neste tempo global, Kant, disse, de forma lapidar, o que deveria ser a educação moderna. Todos saberão que o filósofo foi um homem global sem nunca ter saído da sua cidade, Königsberg, quer dizer, ele tinha o mundo dentro da sua cabeça sem nunca o ter visitado. Considero que não podemos pensar o mundo sem o pensamento que ele nos deu dele. Ele escreveu o que passo a ler: “O homem só consegue ser homem através da educação [quer dizer, não há homem sem educação]. Não é mais do que aquilo que a educação faz dele [repito porque tem de soar aos ouvidos de hoje: o homem não é mais do que aquilo que a educação faz dele]. É importante sublinhar que o homem é sempre educado por outros homens, os quais por sua vez também foram educados.” Por outras palavras, e estou agora a comentar Kant, a educação é uma prática continuada: a essência humana está lá, sempre esteve, mas a educação acrescenta, modifica. Continua Kant: “A educação é uma arte cuja prática deve ser aperfeiçoada ao longo das gerações”. É isso que, com pontos altos e baixos, umas vezes bem e outras vezes mal, tem sido feito; o resultado é o estado civilizacional em que nos encontramos. Educar é fácil? Não é. Kant disse, na mesma obra: “a educação é o problema maior e mais difícil que se pode colocar ao homem. Com efeito, as luzes dependem da educação e a educação depende das luzes.” Quer dizer, há aqui uma dupla implicação: nós não podemos ter certos conhecimentos sem a educação e não podemos ter educação sem ter certos conhecimentos. A educação escolar é a condição mais importante do conhecimento a que damos valor. Sobretudo a partir do tempo das Luzes, nunca mais deixámos de poder abdicar desta implicação básica entre a educação e o conhecimento. A humanidade nunca mais deixou de ter a questão da educação. É uma questão do nosso destino humano. 

Vou saltar por cima do séc. XIX e mencionar dois filósofos do séc. XX, que uma pedagoga minha amiga me recomendou, também alemães, e que têm para o tema aqui em debate especial importância. Os dois viveram a experiência trágica da Segunda Guerra Mundial. Uma é Hannah Arendt, que passou por Portugal a caminho dos Estados Unidos, onde produziu boa parte da sua obra. Num dos seus grandes livros – A Condição Humana – consta o texto A crise da educação, onde, desassombradamente, diz: “A educação é o ponto em que decidimos se amamos suficientemente o mundo para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fossem a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é também onde decidimos se amamos as nossas crianças o bastante para não as expular de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as, em vez disso, com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum.” Por outras palavras, a educação é a maneira – a única maneira – que temos de levar cada ser humano a integrar a herança da humanidade e, assim, poder expressar-se de modo único no mundo e, também, de manter e melhorar o mundo. O mundo já existia antes de as crianças nascerem, mas, para elas, o mundo é sempre novo, e é no mundo que elas descobrem que devem ser desafiadas a pensar. O imperativo de Kant que marcou a era iluminista era “atreve-te a pensar”. A educação deve propiciar esse atrevimento que é colocar questões sobre o mundo, que incluem também questões sobre nós, porque somos parte do mundo, sempre numa perspetiva de gradual autonomia de pensamento dos educandos. É muito claro que Arendt estudou Kant, bem como outro grande mestre muito anterior: Santo Agostinho

 Um outro filósofo alemão do tempo da Segunda Grande Guerra, que era judeu como Arendt e que, como ela, fugiu do nazismo, foi Hans Jonas. Jonas publicou em 1979 (na altura em que eu fui para Alemanha fazer o doutoramento, o que explica o meu lado da cultura alemã), o livro O Princípio da Responsabilidade. Ele diz aí que a educação, para ser consequente, tem de levar à ação. Repare-se que a expressão de Arendt “se amamos suficientemente o mundo” vai no sentido de amor mundi, de “amar o mundo”, de Santo Agostinho. Este doutor da Igreja declarou a necessidade de estarmos numa boa relação com a Terra, que é a parte do Universo que habitamos. Por sua vez, Jonas falou da necessidade de agirmos de forma responsável nela; inspirando-se no imperativo moral de Kant, afirmou o seguinte: “Age de tal maneira que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a preservação da vida humana genuína.” Quer dizer, nós temos a responsabilidade da continuação da espécie, porque somos, que saibamos, os únicos no mundo que conseguem pensá-lo: se, por qualquer razão, desaparecêssemos, deixaria de haver consciência do mundo, isto é, o mundo não teria quem o pensasse. Temos, portanto, a obrigação de sobrevivência não apenas perante nós próprios, como seres individuais e coletivos, mas perante a própria vida, que inclui a vida animal e vegetal. É uma questão muito atual educar para respeitar o mundo: ao contrário do que se passou outrora, neste tempo em que o mundo está a sofrer o impacto das nossas ações, temos de pensar empenhadamente como podemos não comprometer as condições para que a vida continue sobre a Terra. Este é um problema que não podemos adiar, um problema que temos de resolver a breve trecho. 

Quanto à questão que me foi colocada sobre a eventual oposição ciência-humanidades, não considero que seja muito pertinente. Tal como está expressa, é uma falsa questão, porque dá a entender que as ciências não são parte das humanidades. Ora a ciência é um empreendimento humano. É tão humano como outra atividade humana qualquer. Não há nada de desumano em fazer matemática e ciência. Já os antigos gregos, os mesmos que faziam filosofia, cultivavam a ciência – Aristóteles não se sentiria menos humano quando escreveu a sua Física do quando escreveu a sua Poética; e o mesmo se pode dizer de qualquer autor renascentista com uma vasta mundivisão, como Leonardo da Vinci;  ou Voltaire, o filósofo do Iluminismo que levou a física de Newton da Inglaterra para França. A pergunta não faz muito sentido. Fernando Savater, o filósofo espanhol, que está vivo felizmente (para não falar só de filósofos mortos), salientou que o grego e o latim são importantes já que permitem uma agilidade de pensamento, mas acrescento que a matemática e a física também o são. O que têm o latim e o grego que possam excluir a matemática e a física? Pelo contrário, a matemática usa caracteres gregos e a nomenclatura da física recorre a raízes gregas e latinas… 

Por outras palavras, a educação tem de ser completa no sentido de que tem de incluir as ciências físicas e naturais  e as ciências humanas, sem esquecer as artes e a expressão física. Percebo, porém, a origem da pretensa dicotomia. Vivemos numa sociedade que faz a apologia do utilitarismo, orientada para a produção e consumo, pelo que as questões da vida prática são tratadas por uma “filha” da ciência, a tecnologia. Então, confunde-se ciência com tecnologia. De facto, atualmente, não se pode fazer tecnologia sem ciência, mas as duas não se identificam. A confusão entre as duas deve ser evitada. Eu posso produzir pensamento sobre o Universo, por exemplo sobre a matéria escura e a energia escura (dois dos maiores enigmas atuais), sem nenhuma intenção – nem sequer possibilidade – de ter qualquer tipo de intervenção técnica. Todavia, numa sociedade dominada pelo fazer, numa economia que se baseia na produção e no comércio, identifica-se muito apressadamente ciência com tecnologia. Ora, os grandes espíritos, quer os antigos, quer os atuais, sabem que ciência e tecnologia se tocam – não estou a dizer que não se tocam – mas tocam-se de uma maneira que não é essencial. Quando se diz que a tecnologia está a prejudicar as humanidades, tenho alguma dificuldade em concordar, pois isso significaria uma grande debilidade das humanidades. Acho que as humanidades permanecem e permanecerão, aproveitando para seu benefício o que a tecnologia lhes oferece. Se vemos no mundo contemporâneo sinais de que o latim ou o grego, a filosofia e a história, etc. estão a ser preteridas, deve também reparar-se que a minha disciplina – a física teórica – não o está menos. Eu, físico teórico, estou do lado das humanidades, estou do lado do saber abstrato, do saber inútil. E também me junto àqueles que cultivam o saber pelo saber, o saber desinteressado, o saber que é capaz de avançar questões sem pensar em aplicações. 

Para abreviar, o que é que a educação permite – ou pode permitir – hoje? A educação permite dar às pessoas que povoam o mundo o melhor do nosso passado, o melhor da tradição, o melhor da nossa herança para que haja um futuro melhor. Só podemos dar o passado para ter esse futuro. Vamos ter futuro, mas este terá de ser construído por nós. E não poderemos ter futuro se não conhecermos o passado, se não tivermos munidos do melhor do nosso passado. Temos de saber quem foi Galileu e temos de saber quem foi Montaigne. E temos de saber também quem foi Descartes, que estava com os pés nos dois lados, tanto era matemático e físico, como filósofo e teólogo. Portanto, a escola onde se estudam esses e muitos outros génios da humanidade, continua a ser essencial, como sempre foi. Diria até que é cada vez mais relevante, porque cada vez há mais questões para resolver, algumas das quais muito complexas, em particular nesta altura a questão da sustentabilidade do planeta. O que temos de fazer? Temos de dar o melhor de nós na educação, dar o melhor de nós no dia-a-dia da escola, porque a escola é o modo que a sociedade instituiu para  implementar a educação do que é sofisticado e difícil. A escola continua imprescindível, porque continua a ser a instituição por excelência da humanidade para fazer humanidade.


O futuro das sociedades modernas 

 Quando me pedem para comentar as possibilidades que podem acontecer, sei que corro sempre alguns riscos. Aliás, qualquer pessoa que fala do futuro arrisca-se a errar, quer dizer, adivinhar o futuro é impossível. Nós não sabemos o que vai acontecer. Quem diria, no final do ano passado, que este ano estaríamos a viver a situação de pandemia? As pessoas, com base na pandemia, estão agora já a projetar cenários. Esses cenários são, em geral, desejos das próprias pessoas. Essa atitude é bastante natural. Nós projetamos aquilo por que ansiamos, mas o certo é que ninguém sabe como será o mundo daqui a um ou dois anos e muito menos daqui a dez ou vinte anos. Não fazemos ideia nenhuma. Apesar dessa incerteza ou mesmo por causa dessa incerteza, a educação escolar continua a ter um papel. E é um papel muito forte. 

Permitam-me que seja crítico de algum rumo deste mundo cuja economia, com a ajuda da técnica, se globalizou muito rapidamente. O dinheiro circula muito mais rapidamente do que as pessoas. Ganha-se, aliás, dinheiro só com a circulação de dinheiro, por vezes sem acrescentar nada, sem prestar quaisquer serviços: ganha-se dinheiro simplesmente ao movê-lo de um lado para o outro. A economia do mundo decorre sem grande controlo. Ora, a economia está relacionada com a educação e nem sempre da melhor maneira. Não é por acaso que o Banco Mundial, por exemplo, trata de problemas de educação e estabelece objetivos para a educação. Não é por acaso que as métricas (a Luísa falou  da questão das classificações) comparativas da educação dos vários países sejam criadas pela OCDE – a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico – que anda a par com o Banco Mundial. Isto significa que, de uma maneira ou de outra, por vezes de maneiras muito subtis, a educação escolar pública – noto o carácter “público” – é colocada ao serviço da economia, podendo nós ter dúvidas acerca dos princípios de justiça social subjacentes. E podendo nós ter dúvidas se o desenvolvimento de que se fala é apenas para uns e não para todos. Vivemos num mundo ferido por profundas desigualdades. Daí que apareçam esses sentimentos da falta de consciência e moral.

Curioso, nesse processo de domínio da educação pela economia,  é que os professores tenham perdido boa parte da autoridade que tinham. Uso aqui a expressão “autoridade” no sentido que Arendt lhe deu: ser “autor”, por ter dado uma interpretação única ao conhecimento de que beneficiou, e que oferece aos mais jovens para que eles construam a sua “autoridade”. Os professores, dizia eu, têm de cumprir objetivos, que são embrulhados em frases bonitas, onde consta destacada, por exemplo, a palavra “humanismo”. Por vezes não há nada de humanista nos objetivos que são determinados e que parecem estar afinados para excluir o pensamento abstrato, aquele pensamento que nos conduz ao que de melhor há na condição humana. Esses objetivos, a que agora se chamam “competências transformadoras”, estão por todo o lado do mundo, incluindo em Portugal.

A estrutura pretensamente teórica que é invocada desvaloriza o conhecimento, o que interessa já não é o saber, mas o fazer. Nessas competências – definidas de uma forma muito equívoca, de modo que ficamos sem saber o que realmente são –, os conhecimentos estão lá, mas como ingredientes práticos para resolver problemas do quotidiano, tendo perdido a dignidade que tinham. Incluem ou remetem para as emoções, os afetos, o trabalho de grupo, a aprendizagem ativa... coisas que fazem um belo ramalhete, mas julgo que não serão relevantes sem um conhecimento sólido das ciências, das humanidades, das artes, da motricidade. Quando se fala, por exemplo, de passarinhos da Primavera, temos de ter uma ideia sobre aves e sobre estações do ano, o que não nos deve impedir de gozarmos os chilreios. E não estou apenas  a falar de conhecimento científico. Por vezes, fala-se em passarinhos na Primavera sem conhecer o que a grande literatura já disse sobre isso. Por outras palavras, há um apagamento do saber em nome de outras coisas que não conseguimos perceber bem o que são, mas do que percebemos podemos conjeturar que não contribuem nem apara o  bem dos mais jovens, nem do mundo. Um responsável do PISA – Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes –, da OCDE, disse em Portugal, como diz noutros países, que não é necessário dar conhecimento aos alunos, pois lhes bastará usar o Google, que tem respostas para tudo. A ideia é que agora está tudo nos telemóveis, está tudo nos computadores e, portanto, só temos de os consultar. Ora o Google é um grande “burro”, não sabe nada, quer dizer, se eu quiser saber alguma coisa o Google poder-me-á ajudar, mas tenho primeiro de saber alguma coisa. Se eu não souber nada, o Google será absolutamente inútil. O Google não pode levantar as questões por mim, não pode antecipar nenhuma das minhas questões… 

As orientações da OCDE estão cheias de metas, uma noção que tem muito a ver com a economia, à qual está subjacente a questão da produtividade. Trata-se, no fundo, de fazer uma escola – ou algo parecido com ela – que não pense nem leve a pensar. Os professores não são chamados a pensar e os alunos muito menos. Como é que os alunos vão, com essa escola, conseguir pensar? 

Portanto, estamos perante perigos vários, e alguns deles estão relacionados com a globalização económica. Há aspetos positivos na globalização – partilho dos ideais do José Eduardo Franco sobre um melhor mundo global -, mas temos de encontrar, entre os diversos conceitos de globalização, o que está de acordo com os princípios éticos que assistem à educação. Agora a questão é como vamos afirmar esses ideais na vida, em particular, como  vamos incorporá-los na escola? Voltando a Hannah Arendt – cuja vida, como a nossa, teve as suas contradições: sendo judia perseguida pelo nazismo teve um caso amoroso com Martin Heidegger, um reputado nazi (mas atenção, não deixou de ser um grande filósofo por ser nazi) – no ensaio que referi – A Crise da Educação – escreveu: “O papel da escola consiste em ensinar às crianças o que é o mundo e não lhes inculcar a arte de viver. Dado que o mundo é velho, sempre mais velho do que eles, o facto de aprender  está inevitavelmente voltado para o passado, sem ter em consideração a proporção da nossa vida que se dedicará ao presente.” O que quer isto dizer? Nós falamos de futuro – é essa a tónica da educação – quando não sabemos nada do futuro. Isto não quer dizer que a escola negue a preparação para o futuro, efetivamente tem de a assegurar, e sabemos que, nesse futuro, seja ele o que for, precisamos de pessoas razoáveis, sensatas, dialogantes, que não tenham uma atitude rígida, dogmática, mas isso não significa que as tornemos mão-de-obra servil, não pensante. A escola devia ter o propósito iluminista, kantiano, de “ter o atrevimento de pensar”. Temos de ter o atrevimento de pensar a escola, a escola nos seus fundamentos e propósitos. A escola está, neste momento de globalização, ameaçada pelo grande perigo de afastar o pensamento; compete-nos evitar as suas consequências mais funestas. 

A escola ideal 

A escola, a educação que desde há milénios lhe está confiada, é um problema que temos de enfrentar. Não há uma solução para ele que seja imediata e definitiva. Há um princípio da escola, um propósito da escola, que eu considero intemporal, que é a garantia do humano. Os seres humanos constroem-se com a ajuda da escola. Os seres humanos não seriam os mesmos, não serão os mesmos sem a escola – eu, em particular, não seria o que sou se não tivesse andado na escola. Eu sou eu, claro, mas isso resulta em primeiro lugar dos meus pais (que me deram os genes), em segundo lugar dos meus professores (que me deram o conhecimento do mundo, que não estava nos genes) e só em terceiro lugar de mim próprio (que procurei o conhecimento do mundo). Em cada momento histórico, temos de construir a escola que é melhor para construir o ser humano e para a odisseia da humanidade. Não consigo imaginar como será a escola de amanhã. E o que eu critico é o facto de algumas pessoas hoje quererem alinhar a escola por um projeto de sociedade a que chamam “Quarta Revolução Industrial”, um conceito que é mais ou menos quimérico. Não digo que o mundo de amanhã não vai ser diferente. Claro que vai. Mas eu não sei quais vão ser as diferenças e a escola tem de ter guardiã da tradição que permite enfrentar o futuro. A escola tem de ser, eu vou arriscar dizer – espero que esta seleta audiência não me crucifique por dizer isso –, conservadora. Arendt disse isto e não foi bem vista nos Estados Unidos há seis décadas. Se a escola deixar de ser conservadora, deixará de cumprir a sua função essencial. A escola tem de dar o melhor do passado para termos um futuro melhor. Na escola ideal vamos sempre colocar a questão de melhorar a escola. Daqui a dez anos vão-me colocar de novo essa questão e não haverá ainda uma solução, mas os princípios que estou agora a enunciar, os princípios de uma escola que seja uma garantia da história humana, poderão ser repetidos. 




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