Minha última crónica no JL:
Sou leitor fiel do JL-
Jornal de Letras, Artes e Ideias desde o primeiro número, que já saiu há 44
anos. Recebi esse número por correio aéreo, pois estava a fazer o doutoramento
na Alemanha. Lembro-me das extraordinárias capas dos primeiros números, da autoria
de João Abel Manta (guardo esses números na minha biblioteca, embora já não tenha
a colecção completa, dado o prodigioso volume do papel que foi impresso). E
lembro-me do extraordinário leque de colaboradores, para além do artista
gráfico. Se durante tantos anos foi publicado este jornal, único em Portugal,
com a qualidade que é reconhecida por todos, isso deve-.se, sem qualquer dúvida,
ao seu director desde o primeiro número, o jornalista e escritor José Carlos
Vasconcelos (JCV), à frente de uma pequena, mas muito competente equipa. A ele
devo também ter participado na escrita desta publicação, de início com crónicas
ocasionais (lembro-me, em particular, de uma em 1996, não sei se foi a primeira,
sobre António Gedeão, a quem chamei «o alquimista»). Mas, a partir de certa
altura, e por um convite irrecusável do JCV, feito por via telefónica, passei a
escrever regularmente na secção do jornal dedicada às ideias.
Não sei quantas minhas
crónicas saíram. Mas sei que havia sempre um lembrete amável do director para evitar
que eu faltasse com o costumado texto, coisa que, julgo, nunca aconteceu. Os
temas tratados sempre foram de minha livre escolha, tendo eu estabelecido como
linha de rumo unir as ciências com as letras e as artes. A ciência faz parte da
vasta cultura humana e, no meu entender, seria bom que a tradicional dicotomia entre ciências e humanidades
se dissipasse, ou, pelo menos, que fosse um pouco aliviada. É o velho problema
das «duas culturas», que o cientista e
romancista inglês Charles P. Snow abordou no final dos anos de 1950, talvez não
da melhor forma. A ciência é, afinal, uma forma de humanismo, conforme fez
notar Rómulo de Carvalho, o professor de Ciências Físico-Químicas que usava o pseudónimo
de António Gedeão na sua produção literária e artística (sim, ele também
desenhava para além de escrever).
Tenho acompanhado
com mágoa as vicissitudes do grupo de publicações em que o JL se integra, da empresa
Trust in New, não só devido à minha antiga relação com este jornal, mas também
pela minha condição de leitor da revista Visão, um magazine que se seguiu ao
O Jornal, semanário que acompanhei noa anos em que
existiu. Estou bem ciente que os tempos são difíceis para a imprensa, dada a inexistência
de um modelo de negócios que permita compatibilizar a edição tradicional com os
modernos meios digitais que as ciências e tecnologias proporcionaram. O digital
está por todo o lado e muitos ainda têm a ilusão que podem ter serviços noticiosos
gratuitos. De facto, a concorrência que as redes sociais e a Internet em geral
fazem ao jornalismo profissional é difícil de contrariar, mas há bons exemplos,
pelo mundo, da complementaridade entre o papel e o digital, aproveitando as
vantagens de cada um.
Estou certo de que não sou só eu que desejo a
continuação do JL. Mas dizem-me que parece não haver maneira, dada a situação
do grupo e a necessidade de um grande investimento que salvaguarde o futuro da
publicação com pelo menos a mesma qualidade que até agora.
O JCV comunicou-me
que o JL que o leitor tem em mãos será possivelmente o último número do título.
As coisas são como são e não com nós gostaríamos que fosse. Sinto uma amarga sensação
de impotência. E, assim, pouco mais posso fazer agora do que agradecer.
Agradecer ao JL tudo o que me deu e agradecer ao JCV por mo ter dado. Foram
muitos anos, em que a leitura do JL me alimentava a mente. Sem ele, a cultura portuguesa,
espalhada pelo mundo fora graças à difusão da língua portuguesa, fica mais
pobre. Também eu, como outros, fiz, de vez em quando, críticas ao JL, pois julgava
que aqui e ali podia ser melhor, que podia prestar mais atencão a este ou
aquele autor ou a este ou aquele assunto.
Mas lembro-me de uma frase do meu amigo Onésimo Teotónio Almeida, que escreveu no
JL durante bastante mais tempo do que eu: «Quando não houver mais Jl, então é
que iremos ver a falta que ele nos fará». Por mim, dispensava perfeitamente
esta verificação experimental. Imagino já a falta que me vai fazer pela falta
que me fazia quando chegava atrasado pelo correio (nos últimos tempos
demasiadas vezes, o que eu compensava com a compra no quiosque logo que lá via
uma nova edição).
Foi o mesmo Onésimo
que comparou o JL com o norte-americano New York Review of Books (NYRB).
Leio os dois. Sei, por isso. que há grandes semelhanças e grandes diferenças
entre os dois. Nas semelhanças destaco o facto de ambos tratarem a cultura de um modo livre, abrangente e qualificado.
Além disso, nos dois, as ciências são tratadas a par com as letras, artes e outras
ideias (a ciência assenta obviamente em ideias, mas apenas as ideias para as
quais hã um critério de validação, que é a correspondência com a realidade). Nas
diferenças está o facto de o NYRB, escrito em inglês, ser mais internacional e constar
maioritariamente de extensas recensões de livros, dedicando menos espaço às artes
plásticas e às artes performativas. Cada vez que receber uma nova edição do NYRB
(durante anos recebi-o em papel, mas agora contento-me com o digital, dada a enorme
acumulação de papel), vou-me lembrar do Jl . Ainda não saiu o último número e
já sinto saudades. Em todo o mundo lusófono vai haver saudades do JL!
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