Excerto, em pré-publicação, de um livro que está por estes dias a sair na Gradiva "A Professora, os Porcos e os Cisnes. O pântano da educação em Portugal" de Manuel Nunes:
“A essência do professor, o ser professor, situa-se num plano tão elevado de dignidade, que transcende infinitamente qualquer pessoa que tente
concretizar essa essência — era mais ou menos assim que tu dizias, não
era, meu mestre?
Eu, professora, sou infinitamente mais do que a pessoa que eu sou. Eu, professora, sou, sobretudo, aquilo que
eu represento. E aquilo que eu represento reveste-se de uma dignidade de tal
elevação e de tal transcendência, que exige de mim uma nobreza de carácter que, por si mesma, se tem de constituir como referência moral para os outros.
Já não sei bem onde é que li isto, mas quem
quer que o tenha escrito viu muito bem o segredo do ofício do professor na sociedade:
— Os professores são as colunas que
sustentam o edifício social. Se estas colunas ruírem, todo o edifício se desmoronará
irremediavelmente!
É isto mesmo: os professores são as colunas interiores do edifício. Porque são interiores, quase ninguém se dá conta da sua existência. As pessoas
olham para as partes exteriores do edifício
(Olhem, que linda
fachada!... Olhem, que paredes robustas!... Olhem, que belas
janelas!... Olhem!...), mas esquecem que toda aquela beleza exterior existe porque há, por dentro e por baixo, colunas e alicerces a servirem-lhe de
suporte...
Mas as pessoas não vêem isto. Não vêem nem querem ver. E muitas daquelas que deviam ver e que deviam ajudar as
outras a ver estão, infelizmente, na primeira fila da multidão
que despreza as colunas do edifício. Neste país, o vulgo, que se tem vindo a empanturrar da ignorância cozinhada e
servida nas tascas rascas da mesquinhez e da malvadez, tem sido assanhado pelo rancor de alguns políticos, jornalistas e outros
fazedores da opinião públicacontra os professores!... O rancor cega-os a
tal ponto que nem sequer conseguem ver esta evidência: que eles
estão onde estão, na escala do edifício social, porque houve professores a prepará-los para chegarem aonde chegaram! Sem
os professores, desde os do primeiro ciclo (e anteriores aos do primeiro ciclo)
até aos universitários e pós-universitários, eles nunca teriam chegado ao ponto
a partir do qual hoje, inchados de arrogância boçal, se julgam no direito de desprezar
aqueles a quem precisamente mais devem!
— Porcos! Porcalhões!
Porcos e porcalhões, sim, porque, focinhando no estrume onde chafurda o vulgo, dão a entender ao vulgo, que se refastela de gáudio em grunhidos de fealdade torpe e atroz, que o
professor não é, em si mesmo, digno de respeito, dando assim azo a que a vulgaridade social o considere um vulgar qualquer!...
E o problema é que há professores que são
mesmo vulgares, porcos entre os porcos, alguns deles porcos de qualidade inferior!
Estes estão a mais. Estes não são dignos de ostentar o título de professor. Porque só tem o direito de ser professor quem, tendo
aprendido e continuando a estar disponível para aprender a viver e a respirar nas
atmosferas leves e belas do alto, está em condições de
assumir a tremenda responsabilidade de atrair para o alto os que subvivem e respiram nas atmosferas pesadas e insalubres dos pântanos
baixos.
Como tu dirias, meu mestre, só tem o direito
de ser professor quem está em condições de assumir a tremenda responsabilidade
de ajudar os porcos a transfigurarem-se em cisnes.
É por isso que eu lamento dolorosamente o
facto de, naquela aula, me ter deixado cair no lodo da vulgaridade suína.”
Manuel Nunes
Manuel Nunes
1 comentário:
Aguardo a publicação do livro para me poder pronunciar pelo seu conteúdo, e não apenas por um seu pequeno excerto. Mas, desde já, tendo a chancela da "Gradiva" me parece dar a garantia da sua qualidade.
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