quinta-feira, 14 de julho de 2011

Livros antigos de Astronomia existentes no acervo da Biblioteca do Colégio Militar


Novo artigo de Guilherme de Almeida, que foi profesor de Física no Colégio Militar em Lisboa:

Fundado em 1803, o Colégio Militar (CM) já tem 208 anos de actividade. Ao longo de todos estes anos, mercê de alguns espíritos mais esclarecidos, a sua Biblioteca acumulou obras de grande valor, embora a existência de muitas delas seja desconhecida dos estudiosos desta temática e de outro público interessado. O CM localiza-se no Largo da Luz, em Lisboa.

O actual acervo da Biblioteca do CM é constituído por livros entrados em diferentes épocas e sabe-se que os primeiros volumes chegaram por iniciativa de Cândido José Xavier, um dos mais antigos directores. Mais tarde, por volta de 1834, o acervo da Biblioteca cresceu substancialmente com a chegada de muitas outras obras, algumas bastante antigas, resultantes da extinção de ordens religiosas e do posterior encaminhamento de muitos desses livros para o Colégio. A estes acrescentaram-se as obras oferecidas por bibliotecários, por ex-alunos e também as de instituições culturais. No que se refere especificamente aos livros de Astronomia, a obra mais antiga (com data impressa) que consegui encontrar remonta a 1755, ano que curiosamente coincide com o do terramoto que assolou a cidade de Lisboa e arredores.

O leitor interessado em livros antigos de Astronomia tem na Biblioteca do Colégio Militar uma quantidade e variedade consideráveis de obras sobre esta temática. Devido à passagem de muitas décadas, ou até de alguns séculos, grande parte da informação contida nestes livros é datada: estava correcta à data da impressão mas os progressos da ciência revelaram novos resultados, outras interpretações e diferentes maneiras de ver. Isso não lhes tira mérito, pois quem folheia essas páginas com prazer não está certamente à procura das últimas novidades astronómicas, mas delicia-se com as estampas características da época, encanta-se com a beleza da exposição dos assuntos (alguns ainda actuais) e até com o toque especial daquele papel envelhecido. Algumas obras estão em estado precário. O Colégio Militar faria bem em disponibilizar ou requerer as verbas e os apoios técnicos para que lhes sejam prestados os merecidos cuidados de restauro por mãos profissionais.

Para os leitores interessados indico as referências (cotas) que permitem a localização das obras pelos funcionários bibliotecários: o primeiro número é uma referência da Biblioteca e a segundo designa a estante correspondente onde o livro se encontra (a indicação “dep.” significa “depósito”). Agradeço ao Sr. Manuel Marcelino Nunes (Bibliotecário do CM) a eficiência manifestada na localização das obras, escolhidas a meu pedido, bem como a informação sobre as origens dos livros existentes na Biblioteca.

As obras que a seguir se referem vão indicadas por ordem cronológica, mas decidi colocar logo no início os livros sem indicação de data, presumindo-se que esta omissão poderá corresponder a maior antiguidade. Farei uma descrição geral (muito resumida) das diversas obras, tecendo comentários mais pormenorizados a duas delas. Como é evidente, a Biblioteca possui diversos livros de Astronomia muito mais recentes, que não referirei nestas linhas por não se enquadrarem no âmbito deste artigo.

Notions d’Astronomie, de Eugène Catalan (sem data), é uma exposição elementar interessante, com poucas ilustrações (referências: 2275; I8/D2).

O livro Astronomie Populaire à l’Usage des Gents du Monde et des Familles, de F.R. Braun (sem data), contém uma exposição elementar, de leitura muito agradável e atraente; foi elaborado para servir de guia ao Atlas du Monde Céleste que referirei seguidamente (referências: 126; E5 dep).

A obra Atlas du Monde Céleste (autor e data não mencionados) ostenta apenas a indicação "Aug. Schnée Éditeur à Bruxelles", mas merece uma referência especial pela forma como está elaborada. É um livro cativante, interessantíssimo do ponto de vista estético e também pela sua originalidade, mas precisa de restauro urgente. O autor faz as representações de 30 constelações por meio de um sistema engenhoso de cartões perfurados—um por constelação—onde marca as silhuetas das figuras correspondentes. A representação das estrelas mais brilhantes obtém-se por meio de furos de diferentes formas e tamanhos proporcionais aos brilhos das diferentes estrelas. Observando estes mapas contra a luz, as "estrelas " parecem brilhar literalmente, simulando o aspecto visual de cada constelação (estas figuras têm fundo azul e não resultam nas reproduções a preto e branco, pelo que não incluí nenhuma neste artigo). Este livro não tem páginas de texto e apresenta-se no formato 24 cm x 32 cm, com 30 estampas e um mapa celeste de grandes dimensões (48 cm x 57 cm), também elaborado com perfurações (referências: 126; E5).

Passando às obras com data impressa, a Histoire Générale et Particulière de l’Astronomie, de Estève, em 3 volumes (1755) é um livro com muito interesse documental, sem figuras e com informação datada (referências: 313; E7).

Abregé d’Astronomie, obra do famoso astrónomo francês Joseph Jerôme Lalande (1732-1807), publicada em 1774, faz uma abordagem concisa e diversificada da Astronomia da época, de uma forma resumida mas eficaz. A sua exposição é agradável e abrangente; o capítulo sobre alinhamentos de estrelas merece uma chamada de atenção especial (referências: 539; E6).

Merece especial destaque o Atlas Céleste de Flamsteed (do famoso astrónomo real inglês John Flamsteed, contemporâneo de Newton); o original foi publicado postumamente em 1725 e o volume disponível na Biblioteca é a 3.ª edição (1776), corrigida e aumentada, da tradução francesa levada a cabo pelos astrónomos franceses Lalande e Méchain. Trata-se de uma obra de grande valor, que deverá ser considerada uma relíquia de grande interesse estético, histórico e documental (precisa de restauro urgente). Apresenta-se no formato 16,5 cm x 23 cm, com um total de 170 páginas. Contém 29 gravuras magníficas, tabelas com as posições de 762 estrelas (equinócio 1800), conversão de unidades de arco em unidades de tempo, indicações para a localização das constelações no céu e até alguns problemas resolvidos. As ilustrações são excelentes, não é de mais repeti-lo, e folhear este livro encantador é um prazer impossível de descrever por meio de palavras (referências: 7556; F4d).

Leçons Élémentaires d’Astronomie Générale et Physique, do astrónomo francês Nicolas Louis Lacaille (1713-1762), publicado em 1812. Informação textual clara e concisa (referências: 260; E7).

Ainda da primeira metade do século dezanove, a Biblioteca possui a obra A Treatise on Astronomy, de Sir John, Herschel, publicada em 1835. Aborda aspectos fundamentais da Astronomia, pela mão de um astrónomo de grande renome, filho de outro astrónomo não menos famoso: William Herschel (informação datada). Trata-se de um livro de grande valor documental, ainda em bom estado de conservação (referências: 2794; F7d).

Elaborada por um autor português, Astronomia Spherica e Nautica, de Mattheus V. do Couto (1839) é uma obra interessante, versando a Astronomia de posição e as suas aplicações à arte de navegar (referências: 974; E6).

Escrita com o intuito de fazer divulgação, já em 1857, a obra Astronomie Populaire, do astrónomo francês Dominique François Arago (1756-1853), em 4 volumes, é hoje um livro de grande de interesse histórico, com valor documental extraordinário, e uma exposição cuidada das matérias; contém algumas estampas desdobráveis, diversos mapas e pequenas figuras com interesse (referências 35; E7). Encontra-se em bom estado de conservação.

Histoire de l’Astronomie, de Hoeper, publicado em 1873, é um livro essencialmente documental, recheado de maravilhosas descrições textuais, mas pouco ilustrado (referências: 2212;E2d).

Outra obra interessante Les Soleils, ou les Étoiles Fixes, de Delaunay (1878), contém uma exposição muito clara, acompanhada por algumas figuras (referências: 2289; F8d).

De l’Origine du Monde—Théories Cosmogoniques des Anciens et des Modernes, de H Faye, é outra obra que vale a pena consultar, embora a informação nele contida seja de validade estritamente histórica. Esta edição é de 1885 e contém aspectos representativos do pensamento do século XIX (referências: 4923; dep).

Initiation Astronomique, de Camille Flammarion (1908), contém noções fundamentais em linguagem clara, cativante e acessível, ao nível da iniciação como o título sugere, pelo punho de um astrónomo e divulgador de primeira água. Possui algumas ilustrações de pequena dimensão, bem características da época e encontra-se em óptimo estado de conservação. É uma obra datada mas importante, porque nos revela mais uma vez que a intenção de divulgar os conhecimentos científicos já existia no princípio do século (referências: 687;1 D8). A Biblioteca possui uma tradução portuguesa deste livro: Iniciação Astronómica (1910), vertida para a língua portuguesa por Manoel Ribeiro (referências: 6209; D7).

Ainda no plano da divulgação científica, Comment Étudier les Astres (1908), de Lucien Rudaux, descreve as observações astronómicas de amador, numa linguagem viva e atraente, que trespassa e quase faz esquecer os mais de cem anos decorridos desde a sua edição (é óbvio que os instrumentos descritos e alguns procedimentos são antigos). Descreve as técnicas de observação astronómica de uma forma atraente, ilustrada com figuras muito interessantes (referências: 6092; D6).

Mars et ses Canaux, ses Conditions de Vie (1909), de Percival Lowel, é outro livro-relíquia, em estado de conservação razoável. Trata-se de uma descrição documental e monumental (informação datada) das observações e registos de Marte, por uma figura ímpar na história da Astronomia. Note-se que o autor foi um dos observadores que pensaram ver canais na superfície do planeta Marte (referências: 6778; G3d).

De outro autor português, P. da Silva, Astrolábios Existentes em Portugal (1917) é uma compilação interessante e com boas ilustrações (referências: 7481; Pasta 5).

Este artigo dá uma ideia da riqueza da Biblioteca do CM e permitirá que os leitores interessados acedam por si mesmos a este tesouro inestimável. As pessoas menos atraídas pelas subtilezas da antiga Astronomia encontrarão gravuras de grande beleza, que certamente verão com agrado. A consulta é possível aos estudiosos, mediante marcação e autorização prévias. Espero que quem venha consultar estas obras o faça com tanto prazer como o que estas relíquias me proporcionaram.

Guilherme de Almeida

1 comentário:

João Pedro Calafate disse...

Caro Professor Guilherme de Almeida,

gostaria de entrar em contacto consigo, para lhe falar de um projecto relativo à divulgação da Ciência que tenho em mente, mas não consigo encontrar o seu endereço de e-mail na internet.

Se puder e estiver interessado, deixo-lhe aqui o meu e-mail: jpcalafate@gmail.com

Peço desculpa aos restantes leitores do blog pelo meu comentário, que de nada tem a ver com o "post"!

Os meus parabéns ao autor do artigo, por este e outros artigos e pela divulgação de Ciência que tem feito em Portugal.

Os melhores cumprimentos,

João Pedro Calafate (Professor de Ciências da Natureza do Ensino Básico)

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