sábado, 2 de julho de 2011

O Memorando da Troika, a Doença e o IRS


“O Estado é um ogre filantrópico” (Octávio Paz, 1914-1973).

De quando em vez, somos colhidos por “novidades” que nada anunciam de novo. Ou seja, são uma espécie de fatos velhos virados do avesso que tempos de crise, ainda mesmo em meados do século passado, faziam passar por novos.

Por andar, de há muito, nas bocas do mundo, assim sucede com um estudo - apresentado hoje pela Visa Europe e pela A.T Kearne, intitulado “A economia paralela em Portugal representa quase 20% do PIB” (ou seja, 33 milhões de euros anuais) - de que se transcrevem pedaços de prosa:

Os sectores mais afectados são a venda de automóveis, restaurantes e bares, táxis, lojas com serviços não especializados e cantinas e serviços de catering. De acordo com o estudo, o valor está dentro da média europeia, representando no total 2,1 biliões de euros. No conjunto europeu, os países do leste são aqueles em que a economia subterrânea tem maior peso. Exemplo da Bulgária, em que o peso é de 33% do PIB. No sul da Europa, a Grécia tem os piores valores, com 25% e pela positiva, destaca-se a Suíça que tem uma economia fantasma de apenas 8% do PIB "(“Diário Económico”, Paula Cravina de Sousa, 30. Set. 2011).
Aqui chegado, não posso deixar de formular duas perguntas. Em Portugal, são só estes os fugitivos detectados no referido estudo? Que é feito dos outros? Ou há moralidade…

Este polémico tema social, está longe de só agora me despertar atenção crítica por me ter merecido três posts neste blogue. De um deles, “Os velhos, os doentes e os reformados que paguem a crise” ( 18/03/2010), transcrevo passagens:
“Recupero do meu post 'Francisco Louçã, o pregador' (10/09/2009), os parágrafos iniciais:

O recente debate televisivo entre José Sócrates e Francisco Louçã (RTP1, 8/09/2009) fez-me recuar aos tempos da minha juventude. Mais precisamente aos saudosos filmes de 'cowboys' em que aparecia a personagem de um pregador que, na praça pública, tentava convencer os ouvintes da bem-aventurança que aguardava as suas almas no paraíso que ele defendia com a convicção da sua inabalável fé.

Neste caso, o pregador da coboiada nacional que passou nos ecrãs televisivos foi personificado por Francisco Louçã, o festejado líder do Bloco de Esquerda, quando no referido debate defendeu que as despesas com a saúde - consequentemente, as consultas médicas em consultórios privados - deixassem de contar para efeitos de desconto no IRS’.

Esta tomada de posição pública de Francisco Louçã, perante o olhar e audição atentos dos telespectadores, obrigou-me a escalpelizar, com paciência de Job, as cento e doze páginas do 'Programa Eleitoral do Bloco de Esquerda' para me deparar, na respectiva página 22, com a seguinte medida: 'Diminuição das deduções com seguros e despesas de saúde para os escalões mais elevados'.

Surge-nos agora o Partido Socialista, em medida draconiana, a fazer-se defensor desta ideologia do Bloco de Esquerda quando, no respectivo 'Plano de Estabilização e Crescimento', defende um tecto de dedução de despesas com a saúde em função do escalão de IRS. Aliás, o Partido Socialista demonstra até 'mais coragem polític´' que o Bloco de Esquerda, por não se limitar à diminuição das deduções em seguros de saúde. Ou seja, o PS propõe, pura e simplesmente a sua abolição”.

Para espanto meu, se possível, ainda maior, surge agora o Governo recentemente empossado, apesar de no respectivo “ Programa Eleitoral” não constar esta medida, a ir recuperá-la ao baú das medidas aparentemente por si criticáveis quando era oposição ao estabelecimento de um tecto para as despesas com a saúde para efeitos de IRS. Facto me faz recordar Pessoa: “Dizem? /Esquecem. /Não dizem? /Disseram”.

Mas porque o assunto é demasiado sério, detenhamo-nos nos prós e contras que subjazem a esta medida, ainda que mesmo inscrita no exigente e doloroso Memorando da Tróika.

Por norma, os médicos são o cepo das marradas dos que se queixam desse cancro social que é a fuga aos impostos. Mas nem sempre em acusação justificada por pertenceram a uma classe profissional que mais recibos passa por poder ser descontada parte das consultas comparticipadas, por exemplo, pela ADSE, para efeitos de IRS.

Sem atender aos respectivos prejuízos em complicados e complexos cálculos matemáticos, ainda que só em simples contas de merceeiro que numa mesma gaveta deposita o dinheiro que entra e o dinheiro que sai, discuto um tecto máximo de descontos para IRS a recair em velhos e doentes, por vezes, com patologias crónicas e dores insuportáveis, a exigiram contas pesadas de farmácia, como se a velhice fosse um crime e a doença pudesse ser erradicada ao sabor do freguês. Para alem de imoral e injusta, esta medida carece de bom senso, de princípios humanitários e de massa cinzenta por parte dos respectivos responsáveis por levar a que se poupe na farelo para se gastar na farinha. Ou seja, o Estado poupa no IRS dos doentes da classe média (sempre ela a pagar a crise) e é perdulário no que respeita aos impostos deixados de pagar pela classe médica. Até comove ter quem zele, com tanto desvelo, pelos doentes e pelos velhos...

Aliás nada digno de espanto e muito menos de coragem política. Se o poder reivindicativo dos reformados pouco pesa (quando se não tem em conta a sua massa eleitoral), menos pesa a fragilidade dos que sofrem em silêncio, em adaptação de “Os Lusíadas” (Canto I) e desculpa minha ao vate pelo arrojo, tentando adiar a lei da morte que só poupa aqueles que por obras valorosas dela se vão libertando. Como escreveu Jean-Baptiste Colbert, no século XVII: “O acto de tributar é idêntico ao depenar de um ganso, procurando obter o máximo de penas com a menor gritaria”.

5 comentários:

Pinto de Sá disse...

Tal corte de deduções fiscais nas despesas de saúde é sem dúvida doloroso, especialmente para os pobres reformados. O meu sogro, por exemplo, professor de Francês reformado, teve anos, nos últimos que viveu, em que gastou no Hospital (particular) quase toda a reforma do ano, e com o novo IRS não poderia reaver 30% disso nos impostos.
Porém, por doloroso que seja, vejo na medida um desígnio alheio à moral do BE: criar uma pressão de mercado que obrigue a medicina particular a baixar preços, quiçá reduzindo-lhe os exorbitantes lucros que hoje em dia tem, precisamente graças a estas deduções fiscais, ou seja, à custa do Orçamento do Estado...
Baixar preços porque obviamente esta medida fiscal irá reduzir a procura dessa medicina privada onde se pagam os tais custos que depois de deduziam no IRS!
Lembro-me que o Hospital Particular apresentava umas facturas cheias de itens que incluíam das toalhas às escovas de dentes, quando na verdade o meu sogro apenas passava lá uma semana na sequência dos (ligeiros) AVCs que tinha. Faziam-lhe a barba, punham-lhe uma loção na cara para ele ficar rosado e de pele brilhante, com aspecto de novo, e cobravam milhares! Como as oficinas de automóveis fazem, em que lavam sempre o automóvel para dar uma sensação de novo ao cliente e este assim aceitar o preço...

Rui Baptista disse...

Caro Professor Pinto de Sá: O seu comentário levou-me a reflectir, a perspectivar e a tentar clarificar este meu post tendo em atenção as pertinentes questões nele levantadas.

Para o efeito, encontro-me a redigir um novo post sobre este mesmo assunto que publicarei assim que o tiver completado.Se possível, ainda hoje.

Cordiais cumprimentos,

Rui Baptista disse...

Adenda: Para uma melhor compreensão, acrescento à frase do meu comentário anterior, última linha do 1.º§ , "pertinentes questões nele levantados" por si.

Anónimo disse...

Onde se lê "ou seja, 33 milhões de euros anuais", deve ler-se "ou seja, 33 mil milhões de euros anuais".

Ou não?

Rui Baptista disse...

Caro Anónimo (8.Julho; 15:12):

Como anunciei no início do meu post, os 33 milhões de euros anuais reportam-se a un estudo da Visa Europe por mim, apenaas, transcrito.

A questão pertinente levantada pelo seu comentário (que agradeço), se se trata ou não de gralha, só poderá ser respondida por alguém que domine estas questõe económicas. Está lançado, portanto,o desafio.

Cumprimentos cordiais

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