domingo, 1 de maio de 2011

Entrevista a um investigador da educação finlandês

Catarina Gomes, jornalista do Público, entrevistou Jouni Välijärvi (na fotografia ao lado, da autoria de Ricardo Silva), investigador em Educação na Finlândia.

Pelo interesse de que esta entrevista, publicada na edição de hoje do jornal, se reveste, transcrevemo-la integramente. Não para seguirmos o "modelo finlandês", como este investigador refere no final, mas para pensarmos no nosso.



Defende que um dos segredos do sucesso finlandês é a qualidade do ensino primário. Por que é que os professores da primária têm tanta popularidade? Tem muito a ver com a nossa história. A Finlândia só é independente há 100 anos e os professores primários eram colocados por todo o país para espalhar a identidade nacional. É umas razões que explicam uma popularidade tão alta. Ser professor primário é tão prestigiado como ser médico ou advogado: os pais querem que os filhos sejam professores primários e, quando perguntam aos miúdos que acabaram o secundário que carreira querem seguir, a profissão surge nos dois primeiros lugares. E muitos dos que têm essa ambição não a conseguem alcançar, porque é muito difícil entrar para o curso.

A popularidade estende-se aos professores do secundário? Depende das áreas. No secundário, muitas vezes ir para professor não é uma primeira escolha, é um recurso, e isso tem reflexos na motivação dos professores e na aprendizagem.

Por que é que ser professor primário é tão apelativo? Uma das coisas mais importantes é a autonomia, em que cada professor organiza o trabalho como entende, por isso a questão da avaliação é muito sensível. As aulas estão muito fechadas sobre si mesmas, o que é uma força do sistema mas também uma fraqueza. Mas o facto é que os pais confiam nos professores e nas escolas.

Na Finlândia, o ensino primário prolonga-se por seis anos, as crianças ficam durante este período com o mesmo professor. Isso é importante? Sim, é a base de tudo. Costuma ser um professor que trabalha com eles ao longo dos seis anos, mas há escolas que dividem os anos por dois professores e pode haver outros professores que ajudam nalgumas matérias, por exemplo, em Matemática ou Desporto. Fica ao critério da escola.

Os poucos chumbos que existem são na primária... Analisando os alunos do 9.º ano, constata-se que só 2,6 por cento chumbaram e a grande maioria foi na primária. É mais eficaz reter um aluno um ano no início do que este ter que repetir um ano mais tarde, porque é uma altura em que estão a ser dadas as bases. Os professores finlandeses têm expectativas muito altas em termos académicos, incluindo os primários, mais até do que noutros países nórdicos. Por exemplo, na Dinamarca o ensino está mais centrado no bem-estar e felicidade das crianças do que nos resultados académicos. O modelo finlandês mistura os dois factores, preocupa-se com a felicidade e com a parte cognitiva, o que se traduz na aquisição de certos níveis na Escrita, Leitura e Matemática, algo que também já é importante na pré-primária.

O que faz com que um professor seja bom?
Perguntámos isso a alunos e concluímos que é quando sentem que percebe do tema que ensina e também, e este aspecto é interessante, quando sentem que se interessa por eles e está disposto a ter conversas que lhes dizem algo e que não têm necessariamente a ver com a cadeira que lecciona.

Questões como a sexualidade?
Sim, mas também quando o professor os ajuda a escolher o caminho que vão seguir, que está disposto a discutir com eles o porquê das suas escolhas.

As escolas finlandesas têm turmas pequenas. Este poderá ser outro factor de sucesso? São pequenas e os professores defendem que devem ser ainda mais pequenas. Eu sou céptico em relação à utilidade de reduzir as turmas. Actualmente, na primária, em média, temos 21 alunos por turma, no secundário 19. Eu acho que não é possível chegar a um número óptimo, que a dimensão das turmas deve depender dos alunos, do que se ensina. Até porque ter turmas mais pequenas significa ter mais professores e isso implica aumentar gastos. Penso que o dinheiro pode ser usado para criar mais apoios de acordo com o contexto de cada escola: há escolas em que 15 por cento são imigrantes.

Uma das conclusões da OCDE é a de que pagar bem a professores resulta em melhores resultados, porque aumenta a sua motivação.
Até certo nível. O importante são as condições de trabalho como um todo, o salário é um sinal. O mais importante é os professores sentirem que, quando têm dificuldades, não estão sozinhos, o que não é o caso em muitos países.

A Finlândia é um dos países onde se passa menos tempo na escola
.Quando se está na escola está-se concentrado na escola, quando se sai vai-se fazer outras coisas, são tempos perfeitamente separados. Na Coreia [outro país bem classificado no PISA], os alunos levantam-se às 6h00 e voltam a casa às 21h00, e ainda têm que fazer trabalhos de casa. Para estes jovens, a escola e a educação são tudo na vida. Os finlandeses, entre tempo na escola e trabalhos de casa, passam um total de 30 horas por semana, face a 50 horas da Coreia.

Moral da história?
A forma como os países conseguem bons resultados é completamente diferente. Esse é o reverso da medalha destes estudos internacionais que incentivam a imitação. Os países podem aprender uns com os outros, mas tem que se ter muito cuidado em transplantar modelos.

7 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

As coisas que este senhor diz parecem-me muito racionais (e óbvias...) e sensatas.
Mas no nosso país nunca fazemos as coisas racionalmente. E muito menos com sensatez.
É assim como se fôssemos alérgicos, a uma e outra coisa.
Daí os resultados...

Anónimo disse...

Dois pontos essenciais.

Primeiro, falta-nos exigência e coragem para as decisões difíceis.

Tive bastantes colegas na faculdade que desistiram a meio do curso porque não tinham um mínimo de bases de matemática. As cábulas só chegavam para as outras cadeiras. Feitas as contas, dois, três e quatro anos desperdiçados, muito dinheiro gasto em propinas e exames, e a auto-estima de rastos.

A culpa não era dos alunos, mas de quem não os chumbou muito mais cedo. Entre outros, os pais.

Segundo, enquanto se está na escola está-se a estudar e a aprender. É uma disciplina que não temos e era importante que começasse na escola primária e chegasse até à actividade profissional. Vemos nas notícias que somos dos que mais horas trabalhamos mas só porque se assume que horas passadas no local de trabalho significam produzir alguma coisa.
No texto fala-se da Finlândia. Tive oportunidade de trabalhar numa empresa norueguesa. Quando lá estive, cumpriam horário à risca, o almoço eram 30 minutos e às 17:01 já não conseguiamos que ninguém nos atendesse o telefone. O fim da tarde era ocupado com diversas actividades, em vez de saltarem da cadeira do escritório para o sofá da sala.

Se queremos mudar, temos de começar pelas bases, na escola primária. É claro que tal só é possível se todas as partes com responsabilidades participarem e contribuirem para se trocar a cultura do facilitismo pela da meritocracia. Na escola e não só.

Sara Raposo disse...

Ora, aqui está uma evidência: o bom professor é aquele que ensina bem. Mas a competência científica e pedagógica é alcançável se esse professor tiver, por exemplo, tempo para estudar e se actualizar, para conceber bons materiais didácticos e ainda se leccionar aulas a um número reduzido de turmas (não serão 5 a 7 turmas como em Portugal, além dos cargos, cheios de exigências burocráticas, onde se consumem horas em tarefas inúteis).

Portanto, dois dos aspectos fundamentais que distinguem Portugal do país do entrevistado são: as condições de trabalho dadas aos professores e a valorização da educação e do conhecimento por parte da população, em geral. Estas duas condições não se verificam em Portugal. Por isso, sem uma análise racional e objectiva das causas dos problemas educativos, não adianta transpor modelos, pois estes não se adaptam à nossa realidade e assentam em pressupostos inexistentes no nosso país.

Assim, a questão é, então, perguntar: as entidades que fazem investigação na área da educação em Portugal(institutos ou universidades) não deveriam fazer um balanço - com dados rigorosos recolhidos no terreno - das políticas que têm sido implementadas nos últimos anos?

Essa responsabilidade deve caber a alguém. Não será?

Cumprimentos.

Anónimo disse...

Como se vê o prestígio da profissão é muito importante. No Japão os professores eram equiparados a marechais.

Fartinho da Silva disse...

Assino por baixo o que escreveu o anónimo das 21:47.

Fartinho da Silva disse...

"Por exemplo, na Dinamarca o ensino está mais centrado no bem-estar e felicidade das crianças do que nos resultados académicos."

Esta frase diz alguma coisa... é que não é só na Dinamarca!! Em Portugal até se inventou a "escola a tempo inteiro", não para se aprender mais, mas para se ganhar eleições!

Anónimo disse...

Duas notas : como se chegou a professor em portugal?

Há professores que nunca estudaram para ensinar ,na sua maioria foi a ultima opção.

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