segunda-feira, 23 de maio de 2011

NOVAS OPORTUNIDADES E EXAMES NACIONAIS

”Entre nós, a mentira é um hábito público. Mente o homem, a política, a ciência, o orçamento, a imprensa, os versos, os sermões, a arte, e o País é todo ele uma grande consciência falsa. Vem tudo da educação” (Eça de Queiroz, 1495-1500).

Pode dizer-se que alguns altos responsáveis pelo indisfarçável descalabro do sistema educativo nacional se dividem em duas classes: os que teimosamente não reconhecem publicamente as suas culpas e os que só tardiamente as reconhecem.

Estão no primeiro caso Valter Lemos, secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, com a sua carta oficial laudatória endereçada, em 18 deste mês, “com um abraço solidário”, a Luís Capucha , presidente da Agência Nacional para a Qualificação, que pode ser “qualificada” como um elogio que elogia o próprio elogiador. No segundo caso, numa atitude conjunta de espoleta retardada em assumir culpas do próprio cartório, o actual ministro do ensino superior Mariano Gago e a antiga ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues.

Assim, em notícia do "Expresso" (primeiro caderno, p. 22, 21/05/2011)), intitulada “Ministro admite injustiças e muda regras de acesso ao ensino superior”, lê-se a determinada altura:

“Até este ano, qualquer jovem que tivesse concluído o ensino secundário através do programa Novas Oportunidades podia concorrer ao superior beneficiando de regras mais fáceis no acesso, nomeadamente dispensando vários exames nacionais. A partir de agora, continuará a ter a mesma possibilidade, mas vai deixar de poder tirar o lugar a candidatos que tenham feito o seu percurso no ensino regular e completado todas as disciplinas do secundário”. Seja como for, a justiça não passou de pôr um remendo em pano roto de um sistema educativo em que, nas palavras de Maria Filomena Mónica, “devido à irresponsabilidade dos governos, ao populismo dos parlamentares e à cobardia dos docentes, a universidade degradou-se para além do razoável” ("Público", o8/12/2003).

Aliás, ainda segundo a supra citada notícia do "Expresso", “o 20 que Tomás tirou no único exame que fez (de Inglês) passou a valer como nota de todo o secundário”. Com o espírito de justiça que nele perpassa que nem sempre colhe exemplo nos responsáveis por este statu quo, transcrevo, do meu último post “Novas Oportunidades e Estigma Social” (19/05/2011), o depoimento corajoso e de grande hombridade de um dos seus beneficiários:

“Numa esclarecedora peça jornalística de Isabel Leiria e Joana Pereira Bastos (“Expresso”, 18/09/2010), foi-nos dado o testemunho de Tomás Bacelos, ele próprio beneficiário das Novas Oportunidades: “Para mim foi óptimo. Mas é claro que é bastante injusto porque os outros [do dito ensino regular] passam anos a esforçar-se para terem boas médias. Com as Novas Oportunidades, uma pessoa que só tem o 7.º ano pode fazer o 9.º em seis meses e a seguir, em ano e meio, consegue tirar o 12.º ano” ”.

Mas vamos ao cerne da questão! Perante a polémica gerada pela Novas Oportunidades, ressuscita para a ribalta da sua acalorada defesa a antiga ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues em mais um testemunho rosa sobre as suas excelsas virtudes que Passos Coelho teve o arrojo e a feia atitude de criticar publicamente, como arma de arremesso de natureza política! Refiro-me concretamente a um artigo de opinião de Maria de Lurdes Rodrigues que tenho como um tiro no próprio pé de quem tanto se esforçou em fazer o panegírico do chamado ensino regular no tempo em que se sentava no cadeirão da 5 de Outubro. Do texto, retenho que, segundo ela, “a avaliação externa do programa da Novas Oportunidades é mais exigente do que a de outros segmentos do sistema de ensino e formação”. Plenamente de acordo, se essa referência englobar certos diplomas da extinta Universidade Independente que outorgou licenciaturas a altos quadros da vida política e económica portuguesa em tempo recorde e facilitismo que deu brado na imprensa portuguesa.

Mas, mesmo sem subir ao cume da montanha do ensino superior, mantendo-me apenas no seu sopé, escrevi há uma década: “Em termos estatísticos, deixar passar os alunos nos três ciclos do ensino básico, sem testar devidamente os seus conhecimentos, poderá colocar Portugal ao nível de alguns países europeus mais desenvolvidos. Mas, por outro lado, em termos de alfabetismo funcional, corremos o risco de nos situarmos a par de países do terceiro mundo” ("Diário de Coimbra", 26/07/2001).

Acha, porventura, o leitor exagerada esta minha crítica que não envolveu o ensino secundário por ser o último bastião de um ensino sério e exigente como tenho escrito várias vezes? Para evitar mal entendidos, apresento exemplos de sete pecados da mais crassa ignorância, retirados de provas de exames nacionais 2008/2009:

1. “O nosso sangue divide-se em glóbulos brancos, vermelhos e verdes”.
2. “O pai de D. Pedro II era o D. Pedro I e o de D. Pedro I era o D. Pedro O”.
3. “O verme conhecido como solitária é um molusco que mora no interior mas que está muito sozinho”.
4. . “Na II Guerra Mundial toda a Europa foi vítima da barbie”.
5. Lenini e Satalone eram grandes figuras do comunismo na Rússia”
6. “O hipopótamo comanda o sistema digestivo e o hipotálamo é um bicho muito perigoso”.
7. “O teste de carbono 14 permite-nos saber se antigamente alguém morreu”.

Todavia, as dezanove e honrosas excepções de personagens da vida académica que, como se lê no "Expresso”, de 21 deste mês, foram, no passado sábado, distinguidos com os Óscares da ciência nacional” (de entre elas o próprio Mariano Gago pelo papel no desenvolvimento da ciência portuguesa) confirmam a regra de que, no pântano da ignorância, podem florescer cientistas, académicos ou simples técnicos que muito honram o país. Assiste-se aqui, uma vez mais, ao consagrado princípio de que as excepções confirmam a regra de um sistema educativo que se satisfaz com dados estatísticos sobre a quantidade de diplomados sem ter em conta a respectiva qualidade, deixando, como tal, de transmitir ao aluno a noção fundamental de valores como o trabalho, o sacrifício e o mérito.

Ou seja, em nome de uma pretensa democracia, que anula toda e qualquer diferença e posterga todo e qualquer valor, fomenta-se uma sociedade que não distingue indivíduos totalmente diferentes na formação académica obtida com sangue suor e lágrimas em escolas da rede escolar regular ou num percurso de óbvio e criticável facilitismo em centros das Novas Oportunidades com a apresentação de relatórios com percursos de vida. Como diria sobre os livros, o velho Vitorino, criado de Eça de Queiroz, puxando o seu colete de riscadinho: “Isto ou aquilo são coisas de letra redonda!”

9 comentários:

Francisco Domingues disse...

Uma coisa é certa: as novas oportunidades deram mais conhecimentos a muitas pessoas. Resta saber com quanto dispêndio dos dinheiros públicos! "Canudos" injustos por não corresponderem aos conhecimentos equivalendo-os aos regulares, não deixam de ser uma fraude, sobretudo se neles não vier mencionada a cláusula: "Obtido nas novas oportunidades". Maior fraude ainda se dão acesso ao ensino superior, sem mais exames! Assim sendo, temos mais uma vez uma amostra de um país de toscos e estúpidos: governantes e governados!

Sílvia disse...

Outro problema que se coloca é que deixou de haver outra alternativa a quem quer concluir o secundário e que não conseguiu fazê-lo pela via regular. Há quem chegue às escolas à procura de alternativas às Novas Oportunidades, mas... não as há!

Rui Baptista disse...

Prezado Francisco Domingues:

Obrigado pelo seu comentário.

Segundo notícia do semanário “SOL” (23/05/2011), com o sugestivo título “Novas Oportunidades falha metas”, “ em cinco anos, as Novas Oportunidades vão custar 528 milhões de euros, 178 dos quais ao Orçamento do Estado” [o que quer dizer, preto no branco, aos bolsos dos contribuintes portugueses!]. Ainda segundo esta notícia, “o restante vem de fundos comunitários”.

Quanto à duração média [donde haverá casos de bem menor duração) de certificação de um aluno de nível básico é de sete meses e o do secundário é de 10 meses, segundo dados fornecidos por Luís Capucha ao “SOL”, presidente da Agência Nacional para a Qualificação.

Rui Baptista disse...

Prezada Sílvia: Diga-se em abono da verdade,o facilitismo que se verifica no ensino pós-abrilino não recaiu exclusivamente sobre as Novas Oportunidades.

Vejamos um caso concreto: antes dessa data um diplomado pelas antigas escolas do magistério primário que quisesse aceder a uma licenciatura (e muito o fizeram com enorme sacrifício, nomeadamente em Letras e Direito) tinha que fazer dois anos de ensino secundário (antigos 6.º e 7.º anos do antigo liceu) e respectivo exame de aptidão à faculdade. Depois de 25 de Abril, o indivíduo habilitado com o mesmo curso médio do magistério passou a dirigir-se a uma escola privada (dita) superior onde adquiria em meia dúzia de meses uma licenciatura.

Objectivando o exemplo que apresenta, hoje com as Novas Oportunidades o candidato viaja comodamente num TGV virtual enquanto o aluno do dito ensino regular se desloca num comboio com bancos de pau com incómodas paragens em todas as estações e apeadeiros. Se isto não é facilitismo que nome lhe dar?

Na aquisição de habilitações para estudantes trabalhadores havia os cursos nocturnos de competência reconhecida, mas que foram extintos com o aparecimento das Novas Oportunidades. Espero que venha longe o tempo do fechamentos das escolas de ensino regular passando todo o ensino a ser feito em centros de Novas Oportunidades. Ou melhor que não tarde esse tempo porque, como diz o povo, “ou há moralidade ou comem todos!”

E se, para lugares da actividade particular, chega a ser considerada, pela entidade empregadora, a escola dos formandos e o respectivo ano de formatura, no caso de empregos do Estado a nota do diploma (venha ele donde vier) é, por vezes, o único critério de selecção. Isto sem entrar em linha de conta com a velha cunha partidária que transforma qualquer burro num verdadeiro génio. Sinais de um tempo de descarado facilitismo para uns, e dificuldades sem fim para outros…

joão boaventura disse...

Filipa Subtil, além de ter publicado um trabalho que pode ser lido na revista "Análise Social", n.º 181, de 2006, com o título de A comunicação entre a utopia e a tecnocracia: para uma fundamentação teórica das tecnologias da informação, também participou como formadora num Centro de Novas Oportunidades, o que lhe permitiu opinar verbalmente, sobre as mesmas.

Recorda-se uma vez mais que as Novas Oportunidades, a cujo nome apocalíptico melhor caberia o de “velhas oportunidades”, constituem rescaldos das velhas educações para adultos do século XX, destinadas a cobrir as deficiências ou ineficiência do sistema escolar, e que chegaram ao ponto de os jogadores de futebol não poderem jogar à bola sem a 4.ª classe do ensino primário. Os bens posicionados dirigentes dos clubes logo se apressaram a obter a qualificação.

Acresce que o 25 de Abril se apressou a acabar com as escolas industriais e comerciais consideradas discriminatórias em relação aos liceus, e para igualar o desigual, meteu as três instituições numa só “escolas secundárias”, fazendo escassear a mão de obra necessária para a indústria e o comércio, aumentando a desistência escolar, a fuga das escolas, a violência nas escolas.

Este problema durou trinta anos a revelar-se, e havia que resolver rapidamente o desastre que se avolumava. Único recurso foi acelerar os cursos, as formações, facilitar, encurtar tempo de estudo, e adoptar aceleradamente o processo Bolonha. Chama-se a isto “estado de pânico”, e de como não resolver os problemas, porque resulta deste panorama que triplicámos o trabalho futuro para repor a cultura e a civilização ocidentais.

De resto, a velha Europa da Civilização Ocidental, com as duas grandes guerras, entraram em desnorte, e ainda hoje – não é apenas Portugal – 14 países, entre eles a Alemanha e a Finlândia, que tem servido de exemplo, no caso em apreço, procuram recuperar a cultura e a civilização através do programa Enabling the low skilled to take one step up, conforme testemunham os “Case Study Reports” nele ínsitos. De resto já deve ser a 3:º ou 4.ª vez que dele faço referência.

Isto significa que toda a Europa se apressa a recuperar a sua Ocidentalidade, com os pergaminhos perdidos, e parece que com os métodos menos aconselhável, porque depressa e bem, há pouco quem.

Acabou o tempo das meias verdades, ou o tempo das meias mentiras.

باز راس الوهابية وفتواه في جواز الصمعولة اليهود. اار الازعيم-O FLUVIÁRIO NO DESERTO disse...

ou simples técnicos....essa dos simples

clive tombaugh era um auto-didacta

o papel de simples técnicos e de curiosos na construção do conhecimento científico foi enorme

Anónimo disse...

NOVAS OPORTUNIDADES:
foi a melhor decisão
das nossas autoridades
no sector da educação!

JCN

joão boaventura disse...

Por inépcia minha acabei por não inserir a opinião de Filipa Subtil como formadora dos inscritos à força nos Centros de Novas Oportunidades, a qual nos permite ajuizar sobre os milhares de desempregados por má qualificação.

As minhas desculpas.

Anónimo disse...

Acho que é preciso ter lata para fazer comentários destes em análise do contexto, mas afinal qual a dificuldade dos exames nacionais do secundário?
Aquilo são perguntas muito baratas!
Fazer um curso nas Novas Oportunidades ou no Secundário é quase a mesmo coisa, o conhecimento adquirido é o suficiente para se conseguir vingar na faculdade!

CONTRA A HEGEMONIA DA "NOVA NARRATIVA" DA "EDUCAÇÃO DO FUTURO", O ELOGIO DA ESCOLA, O ELOGIO DO PROFESSOR

Para compreender – e enfrentar – discursos como o que aqui reproduzimos , da lavra da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Ec...