quarta-feira, 11 de maio de 2011

O "go-between"

Texto na continuação de outro aqui divulgado, da autoria do sociólogo Philippe Perrenoud. sobre a comunicação entre a escola, a família e os alunos. Nele se podem perceber aspectos relacionais de fundamental importância que não são visíveis numa primeira abordagem...

(…) Duma escola ou duma turma para outra há grandes diferenças na forma, na substância e na densidade de comunicações directas entre os pais e os professores. Alguns pais frequentam as reuniões, lêem todas as circulares, examinam com atenção cadernos e cadernetas escolares, controlam a correcção das provas, encontram‑se com o professor tão frequentemente quanto lhes seja possível, escrevem‑lhe ou telefonam‑lhe a pretexto de qualquer incidente, enquanto outros nunca põem os pés na escola e parecem não se interessar pelo que se passa na aula, condescendendo apenas em acusar a recepção das circulares e em assinar o caderno do filho.

Neste último caso, a comunicação parece aproximar‑se do grau zero. Mas isso não passa de uma ilusão, porque os contactos directos são apenas a relação mais visível (…). Na mais participativa das escolas os professores e os pais encontram‑se, na melhor das hipóteses, uma dezena de vezes no decurso de um ano escolar, muitas vezes em circunstâncias que só permitem uma conversa superficial. E mesmo que as comunicações escritas ou telefónicas sejam mais frequentes, não se podem comparar com a densidade de comunicações que se estabelecem através da criança (…) .

Família e escola são duas instituições condenadas a cooperar numa sociedade escolarizada (…). Crianças e adolescentes são, em geral, o centro das suas conversas. São aqueles de quem se fala, para quem se quer a felicidade ou o sucesso, aqueles que procuram instruir e educar, havendo menos o hábito de os considerar como os artesãos da sua própria educação.

Pais e professores nem sempre se dão conta que é através daqueles de quem falam que também comunicam. E têm ainda menos em consideração que, muito longe de ser um dócil mensageiro, o go-between é o árbitro das relações (…), que pode tornar possível ou esvaziar de sentido as comunicações directas entre ambos. É por isso que é inútil trabalhar para melhorar as relações directas se se ignora o que está em jogo através da criança, simultaneamente mensageira e mensagem. Generalizando, para melhor compreender tanto a génese dos insucessos escolares como o destino das reformas, é indispensável conhecer no seu conjunto o sistema de comunicação que funciona entre a família e a escola (…)

Muitas das minhas observações dizem respeito a crianças entre os 9 e os 12 anos. Mas uma parte da análise parece-me que é possível de transpor para os adoles­centes, pelo menos para os que frequentam os primeiros anos do secundário.

O go-between, uma figura sociológica

Através da família, qualquer criança pertence a uma classe social, a uma colecti­vidade (…) e a diversos grupos. Mas, a partir de uma certa idade, (…) pode tornar-se membro de grupos, de organizações, de relações de que nem todos os membros da sua família fazem parte (…). Filiações múltiplas são muitas vezes garantias de uma certa liberdade. Mas (…) cada grupo [faz certas] exigências aos seus membros, por vezes, difíceis de satisfazer simultaneamente (…).

A dupla filiação de um go-between só constitui um desafio se parecer, por exemplo, ameaçar ou servir os interesses dos respectivos grupos (…), pode então ser tido como emissário ou refém do outro grupo e pode, por momentos, ser considerado como mais identificado ou mais depen­dente com um dos grupos que com o outro. Se os dois grupos estabelecem relações de cooperação, o go-between pode tornar-se um "agente de ligação" (…): simboliza uma aproximação, através da qual há intercâmbios benéficos para os dois grupos. Em caso de conflito, rapidamente suspeito de ser um "agente duplo", o go-between será intimado a tomar partido, a dar penhor de lealdade a uma e outra parte (…) ele não é um simples médium inerte mas um actor, consciente de ser o objecto e a aposta das comunicações entre professores e pais e decidido, se puder, a controlar a comunicação em seu proveito.

Uma liberdade vigiada

A criança escolarizada não é livre de gerir a seu gosto a sua dupla filiação. Os pais e os professores desejam controlar o seu go-between (…) na nossa sociedade, a criança está socialmente definida como um ser dependente, imaturo e irresponsável (…). Desta definição da infância, parcialmente extensível à adolescência, provém a legiti­midade de uma educação e de um controlo dos jovens pelos adultos.

A criança (…) é facilmente concebida como um satélite, que não pode deixar o campo de atracção de um astro sem cair na órbita de um outro! Só muda a sua dependência, apenas enfraquecida entre os dois, nessa no man's land que podem oferecer a rua, o bairro, os campos de jogos, os centros de recreio. Mesmo assim, não é totalmente livre, visto que outros adultos (comerciantes, transeuntes, vizinhos, agentes de polícia ou condutores de autocarro) tomam muitas vezes o lugar dos pais e dos professores. Contudo, estas chamadas de atenção não são constantes nem coordenadas (…). Mas de regresso a casa ou à escola é de novo objecto duma atenção intensiva (…).

Interdependências

Muito sensíveis ao que acontece à criança quando ela lhes escapa, tanto a família como a escola aprendem a contar com as exigências e as iniciativas do "outro" (…) embora nenhuma domine, por si só, a situação. Os pais sabem que os seus esforços de educação e de controlo podem ser reforçados, ou, pelo contrário, neutralizados pela acção da escola e dá-se o inverso com os professores (…). Os apelos para uma colaboração harmoniosa entre a família e a escola sublinham os riscos que correm os adultos que não chegam a funcionar como um verdadeiro team (Besozzi, 1976).

Quando reconhecem, pelo menos no seu foro íntimo, que a equipa não funciona muito bem, é em geral para o deplorar (…). O estudo de Sermet (1985) sugere que professores e pais não têm a mesma imagem do poder e do direito de uns e de outros de decidirem o que é bom para a criança. Em caso de conflito, os mais lúcidos poderão admitir que as culpas são mútuas. Mas cada um será tentado a alijar a responsabilidade sobre o outro, acusando-o de "não fazer jogo limpo". Se a influência da escola não vai ao encontro dos valores dos pais, serão tentados a estigmatizar a incompetência dos professores ou as suas iniciativas abusivas, infelizes, autoritárias, desastradas ou, ainda, laxistas. Por seu lado, alguns professores atribuirão culpas à família quando os alunos não correspondem às sua expectativas (…).

A divisão do trabalho educativo cria entre a família e a escola um sistema de interde­pendência e de comunicação muito (…) denso e complexo (…) Pais e professores vigiam-se mutuamente. Por vezes, concertam as atitudes educativas; outras (…) ignoram-se ou praticam um diálogo de surdos (…).

Referência completa:
- Perrenoud, Ph. (1995). Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar. Porto: Porto Editora, 87-113.

3 comentários:

joão boaventura disse...

Infância

Passa lento o tempo da escola e a sua angústia
com esperas, com infinitas e monótonas matérias.
Oh solidão, oh perda de tempo tão pesada...
E então, à saída, as ruas cintilam e ressoam
e nas praças as fontes jorram,
e nos jardins é tão vasto o mundo —.
E atravessar tudo isto em calções,
diferente de como os outros vão e foram —:
Oh tempo estranho, oh perda de tempo,
oh solidão.

E olhar tudo isto à distância:
homens e mulheres; homens, homens, mulheres
e crianças, tão diferentes e coloridas —;
e então uma casa, e de vez em quando um cão
e o medo surdo trocando-se pela confiança:
Oh tristeza sem sentido, oh sonho, oh medo,
Oh infindável abismo.

E então jogar: à bola e ao arco,
num jardim que manso se desvanece
e por vezes tropeçar nos crescidos,
cego e embrutecido na pressa de correr e agarrar,
mas ao entardecer, com pequenos passos tímidos,
voltar silencioso a casa, a mão agarrada com força —:
Oh compreensão cada vez mais fugaz,
Oh angústia, oh fardo!

E longas horas, junto ao grande tanque cinzento,
ajoelhar-se com um barquinho à vela;
esquecê-lo, porque com iguais
e mais lindas velas outros ainda percorrem os círculos,
e ter de pensar no pequeno rosto
pálido que no tanque parecia afogar-se — :
oh infância, oh fugazes semelhanças.
Para onde? Para onde?

Rainer Maria Rilke,
in "O Livro das Imagens"
Tradução de Maria João Costa Pereira

Anónimo disse...

Que doce foi minha infância
sonhando impérios de fumo,
barcos à vela à distância
navegando em mar sem rumo!

JCN

Anónimo disse...

Que doce foi minha infância
sonhando impérios de fumo,
barcos à vela, à distância,
navegando em mar sem rumo!

JCN

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