terça-feira, 3 de maio de 2011
DIABETES: NOVA DESCOBERTA NA REGULAÇÃO ENERGÉTICA
Crónica semanal no "Diário de Coimbra".
“Quer açúcar?” “Não. Quero adoçante, se faz favor”, responde um senhor generosamente obeso. “Não tarda chega o Verão e é preciso perder uns quilitos...Olhe hoje até é o Dia Internacional do Sol” acrescenta, cúmplice, o funcionário. Enquanto despeja o edulcorante no café matutino, o cliente responde-lhe resignado: “Era bom se conseguisse. Mas não consigo. Sabe, sou diabético. E o medicamento que ando a tomar para controlar o açúcar no sangue, faz-me engordar. Estou melhor da diabetes, mas estou mais gordo do que antes.” “Eu não percebo nada disso…” responde-lhe o funcionário, “Mas já é muito bom se o medicamento lhe controla a diabetes.”
Na década de 90 do século passado foi introduzida uma classe de fármacos designados por tiazolidinedionas (TZDs) na terapia da diabetes mellitus tipo 2. Estes fármacos (ver aqui uma actualização dos farmacos actualmente usados no tratamento da Diabetes mellitus tipo 2), de toma oral, melhoram a sensibilidade de alguns tecidos à insulina, o que potencia a assimilação de glicose. Isto contribui para a redução de níveis altos de glicose (açúcar) crónicos no sangue. Contudo, a terapia com as TZDs causa um aumento considerável de peso e apetite. Isto faz com que a adesão a este tipo de terapêutica (que pode substituir a injecção de insulina) seja difícil, uma vez que muitos dos doentes com diabetes tipo 2 combatem uma obesidade instalada que potencia outras complicações.
As TZDs actuam num receptor localizado na membrana nuclear das células adiposas conhecido pela sigla PPAR-γ (do inglês peroxisome proliferator-activated receptor γ). Este receptor tem sido positivamente relacionado como tendo um papel integrador em vários processos metabólicos patológicos como a já citada diabetes, mas também a obesidade, a aterosclerose, e outras genericamente englobadas na síndrome metabólico.
De facto, sabe-se que o PPAR-γ é activado por lípidos (gorduras) para induzir a expressão de genes envolvidos nos metabolismos lipídico e dos hidratos de carbono (açúcares). É uma espécie de tradutor de sinais provindos da nossa nutrição em respostas metabólicas, via activação da expressão de determinados genes. A compreensão do seu papel transporta o nosso enfoque no entendimento das doenças metabólicas para dentro do núcleo celular.
A acção das TZDs é a de “estimular” o PPAR-γ e a resposta metabólica é a de aumentar a assimilação de glicose para dentro das células do tecido adiposo, através de um aumento de sensibilidade à acção da insulina. Contudo, verifica-se um aumento concomitante na síntese de lípidos o que leva ao aumento da massa gorda armazenada. A hiperglicémia diminui, mas o paciente engorda! Para além disso, um aumento no apetite é verificado em pacientes tradados com TZDs o que não ajuda nada na vontade de perder ou pelo menos não aumentar de peso!
Mas há boas notícias. Num estudo publicado a 1 de Maio na revista Nature Medicine investigadores da Universidade norte-americana de Cincinnati, liderados pelo endocrinologista Randy Seeley, desvendaram o papel, até agora desconhecido, de receptores nucleares PPAR-γ existentes em neurónios do sistema nervoso central, na regulação do balanço energético do organismo. Descobriram que a sua activação por TZDs está envolvida na manutenção do apetite. Ao bloquear os recetores PPAR-γ, ou ao diminuir a sua expressão no sistema nervoso central, os investigadores conseguiram restaurar a sensibilidade à leptina (uma hormona responsável pelo controlo do apetite no cérebro) e modelar um balanço energético negativo em ratos sujeitos a uma dieta rica em gorduras.
Os resultados agora divulgados têm implicações positivas na utilização clínica de drogas derivadas das TZDs e vem permitir também racionalizar a etiologia da obesidade induzida pela dieta.
Segundo os autores do estudo, a acção diferencial do receptor PPAR-gama no tecido adiposo e no cérebro, quando activado por TZDs, produz efeitos aparentemente paradoxais. Este estudo pode melhorar quer as terapias existentes para a Diabetes mellitus tipo 2 baseadas nas TZDs, quer a dieta recomendada para modelar a acção do PPAR-γ a nível cerebral.
António Piedade
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2 comentários:
Manuel Martins ALMEIDA RUAS
Endocrinologista
É apenas um complemento ao que foi escrito. Até hoje foram comercializados três fármacos do grupo das glitazonas ou (TZDs): troglitazona proíbida por provocar insuficiência hepática grave com algumas mortes e alguns transplantes hepáticos;rosiglitazona retirada,ainda, há pouco tempo do mercado por provocar fracturas, insuficiência cardíaca e enfarte do miocárdio em número significativo;resta a pioglitazona que além dos efeitos colaterais já apontados à rosiglitazona parece provocar cancro da bexiga. Estão a decorrer estudos a esse respeito, e tanto na América a FDA e na Europa a AEM clamam para cuidados ao ser prescrito tal fármaco. Alguns grupos nunca chegaram a utilizar as glitazonas no tratamento da diabetes tipo 2. Há outros fármacos mais recentes e aparentemente sem efeitos secundários indesejáveis: os derivados das incretinas,a insulina e a metformina. O mecanismo de acção das glitazonas é muito complexo e ao se envolver com receptores nucleares tornava o grupo à partida perigoso. É um grupo farmacológico a esquecer.
Muito Obrigado pelo seu complemento muito esclarecedor. De facto, as complicações com os fármacos do grupo das TZDs está bem documentado na literatura. O interesse neste artigo incide mais no facto de ter sido dado, aparentemente, mais um contributo para perceber as complexas interacções que envolvem, neste caso, o receptor PPAR-gama, no já de si complexa homeostase energética.
A respeito da interacção com as hormonas incretinas remeto para uma outra cronica minha sobre esse assunto aqui: http://dererummundi.blogspot.com/2010/02/as-hormonas-incretinas-e-diabetes.html
António Piedade
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