Já aqui elogiei o sistema de peer-review, ou de revisão pelos pares, que serve de base à publicação de artigos científicos. Tal como a democracia é o pior sistema à excepção de todos os outros. Tem permitido um progresso notavel, filtra as ideias que não têm sustentação e é um dos grandes pilares da credibilidade da ciência. É incomparavelmente melhor do que o iluminismo auto-ajuda de algum guru alternativo ou que as alegações interesseiras dos marketeers (que gostam muito de ir ao dicionário "pescar" termos científicos por arrasto).
Mas o sistema de publicação científica actual é kafkiano, de acesso restrito e de algum modo do velho mundo editorial do século XX. É absolutamente irracional que os investigadores por vezes paguem para publicar (muitas vezes acontece, por exemplo para incluir figuras), paguem para ler os artigos (as suas instituições ou os seus países) e que uma parte muito significativa do conhecimento publicado não seja de acesso livre. É um absurdo que os resultados de investigação fundamental, feita com dinheiro público, não estejam livremente disponíveis. Isso é algo que as agências de financiamento deveriam exigir.
Muitas vezes os cidadãos têm que pagar para conhecerem os resultados da investigação que é feita com o dinheiro dos seus impostos. Quando há notícias nos jornais sobre grupos portugueses que publicam artigos na Science ou na Nature, se o leitor os quiser ler terá que pagar!
Uma projecto financiado pela UE, chamado LiquidPublication, propõe um modelo de divulgação dos resultados mais parecido com o mundo das redes sociais. O peer-review no sentido clássico iria desaparecer, ou seja não seriam dois ou três revisores convidados pelo editor da revista a avaliar o artigo, mas sim uma comunidade relevante (cientistas da área). As escolhas editoriais ("este artigo interessa e deve ser publicado", "este não é suficientemente inovador") deixariam de existir e a (ir)relevância seria atribuída também pela própria comunidade (tal como em última análise acaba por acontecer com os artigos científicos actuais).
A ideia é que publicação seja mais rapida ("Post, don't publish") e que os cientistas passem menos tempo a escrever artigos (já que são avaliados pelo número que publicam, o que induz algumas perversões) e a rever artigos para satisfazer as exigências dos revisores. E que tenham mais tempo para fazer investigação e eventualmente para interacções mais informais e construtivas com os seus pares. E que os resultados da investigação cheguem mais facilmente a outros intervenientes sociais, como as empresas, e que estes possam dar algum retorno aos cientistas.
Pode ser que seja isto, talvez seja outra coisa. Mas o processo de disseminação dos resultados científicos está a mexer, tal como todo o mundo editorial. Cada vez mais algoritmos que funcionam com base na reacção dos utilizadores substituem os editores. A publicação científica também não vai ficar na mesma. Vamos ver para onde vai.
5 comentários:
O mundo da publicação científica só fica a ganhar com estas e outras atitudes. Concordo totalmente com a ideia de que é necessário mais transparência e que realmente não faz muito sentido que os contribuintes paguem duas (às vezes até pagam três!!!) vezes para ter acesso ao conhecimento por eles finaciado
Para tal pode contribuir o "post-review by peers", ao jeito do que faz a Faculty of 1000
a nature a science e outras similares já estava mais na fase do pague e publique
a revisão por pares....tendo em conta alguns dos artigos de portugueses e não só que conseguiram entrar e ter credibilidade graças a uns trocos...
e nem falo da fusão fria....nem daquele artigo Eborense creio sobre o papel (ou falta dele) da erosão no aquecimento global ( acho que nem sequer falava muito dos trade off's do carbono)
mas refiro-me a artigos muito piores
ou demasiado atrofiados para servirem para mais do que colar na porta de um gabinete
para dizer tenho um...
espero que o acetato de uranilo tenha posto fim à carreira de um ou dois desses coisos
mas infelizmente são rádio resistentes
Homo radiodurans creio
resumindo teria toda a vantagem a sua substituição por um sistema mais eficiente
Se por um lado acho a iniciativa interessante, não sei até que ponto tornaria o sistema de avaliação de um cientista ainda mais enviesado.
Sem peer-review e a avaliação ser aberta, o efeito Mateus ainda seria mais pronunciado sendo desviado para os cientistas que tem mais "amigos/colaboradores".
É claro que concordo que pagar para publicar e ler ciência é algo negativo para o desenvolvimento científico. Mas o peer-review, como todos os problemas que tem (incluindo a corrupção que todos sabem que existe mas ninguém gosta de falar, sobretudo nas revistas de alto impacto) é provavelmente o melhor sistema de avaliação.
A tendência (do ponto de vista de quem patrocina - no U.K.) é para o n. de artigos publicados se tornar mais ou menos irrelevante. O importante é cada vez mais o impacto da produção científica, não só na comunidade científica mas também na economia.
Quanto ao acesso a publicações, alguém tem que pagar às editoras. Quanto aos contribuintes pagarem 2 ou 3 vezes, porque é que não contactam os autores?
Guna
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