quarta-feira, 4 de maio de 2011

O fim da Nature e da Science?


Já aqui elogiei o sistema de peer-review, ou de revisão pelos pares, que serve de base à publicação de artigos científicos. Tal como a democracia é o pior sistema à excepção de todos os outros. Tem permitido um progresso notavel, filtra as ideias que não têm sustentação e é um dos grandes pilares da credibilidade da ciência. É incomparavelmente melhor do que o iluminismo auto-ajuda de algum guru alternativo ou que as alegações interesseiras dos marketeers (que gostam muito de ir ao dicionário "pescar" termos científicos por arrasto).

Mas o sistema de publicação científica actual é kafkiano, de acesso restrito e de algum modo do velho mundo editorial do século XX. É absolutamente irracional que os investigadores por vezes paguem para publicar (muitas vezes acontece, por exemplo para incluir figuras), paguem para ler os artigos (as suas instituições ou os seus países) e que uma parte muito significativa do conhecimento publicado não seja de acesso livre. É um absurdo que os resultados de investigação fundamental, feita com dinheiro público, não estejam livremente disponíveis. Isso é algo que as agências de financiamento deveriam exigir.

Muitas vezes os cidadãos têm que pagar para conhecerem os resultados da investigação que é feita com o dinheiro dos seus impostos. Quando há notícias nos jornais sobre grupos portugueses que publicam artigos na Science ou na Nature, se o leitor os quiser ler terá que pagar!

Uma projecto financiado pela UE, chamado LiquidPublication, propõe um modelo de divulgação dos resultados mais parecido com o mundo das redes sociais. O peer-review no sentido clássico iria desaparecer, ou seja não seriam dois ou três revisores convidados pelo editor da revista a avaliar o artigo, mas sim uma comunidade relevante (cientistas da área). As escolhas editoriais ("este artigo interessa e deve ser publicado", "este não é suficientemente inovador") deixariam de existir e a (ir)relevância seria atribuída também pela própria comunidade (tal como em última análise acaba por acontecer com os artigos científicos actuais).

A ideia é que publicação seja mais rapida ("Post, don't publish") e que os cientistas passem menos tempo a escrever artigos (já que são avaliados pelo número que publicam, o que induz algumas perversões) e a rever artigos para satisfazer as exigências dos revisores. E que tenham mais tempo para fazer investigação e eventualmente para interacções mais informais e construtivas com os seus pares. E que os resultados da investigação cheguem mais facilmente a outros intervenientes sociais, como as empresas, e que estes possam dar algum retorno aos cientistas.

Pode ser que seja isto, talvez seja outra coisa. Mas o processo de disseminação dos resultados científicos está a mexer, tal como todo o mundo editorial. Cada vez mais algoritmos que funcionam com base na reacção dos utilizadores substituem os editores. A publicação científica também não vai ficar na mesma. Vamos ver para onde vai.

5 comentários:

Anónimo disse...

O mundo da publicação científica só fica a ganhar com estas e outras atitudes. Concordo totalmente com a ideia de que é necessário mais transparência e que realmente não faz muito sentido que os contribuintes paguem duas (às vezes até pagam três!!!) vezes para ter acesso ao conhecimento por eles finaciado

Sílvia Castro disse...

Para tal pode contribuir o "post-review by peers", ao jeito do que faz a Faculty of 1000

E agora para algo con pateta mente diferencial disse...

a nature a science e outras similares já estava mais na fase do pague e publique

a revisão por pares....tendo em conta alguns dos artigos de portugueses e não só que conseguiram entrar e ter credibilidade graças a uns trocos...

e nem falo da fusão fria....nem daquele artigo Eborense creio sobre o papel (ou falta dele) da erosão no aquecimento global ( acho que nem sequer falava muito dos trade off's do carbono)

mas refiro-me a artigos muito piores

ou demasiado atrofiados para servirem para mais do que colar na porta de um gabinete
para dizer tenho um...

espero que o acetato de uranilo tenha posto fim à carreira de um ou dois desses coisos

mas infelizmente são rádio resistentes

Homo radiodurans creio

resumindo teria toda a vantagem a sua substituição por um sistema mais eficiente

JAC disse...

Se por um lado acho a iniciativa interessante, não sei até que ponto tornaria o sistema de avaliação de um cientista ainda mais enviesado.

Sem peer-review e a avaliação ser aberta, o efeito Mateus ainda seria mais pronunciado sendo desviado para os cientistas que tem mais "amigos/colaboradores".

É claro que concordo que pagar para publicar e ler ciência é algo negativo para o desenvolvimento científico. Mas o peer-review, como todos os problemas que tem (incluindo a corrupção que todos sabem que existe mas ninguém gosta de falar, sobretudo nas revistas de alto impacto) é provavelmente o melhor sistema de avaliação.

Anónimo disse...

A tendência (do ponto de vista de quem patrocina - no U.K.) é para o n. de artigos publicados se tornar mais ou menos irrelevante. O importante é cada vez mais o impacto da produção científica, não só na comunidade científica mas também na economia.

Quanto ao acesso a publicações, alguém tem que pagar às editoras. Quanto aos contribuintes pagarem 2 ou 3 vezes, porque é que não contactam os autores?

Guna

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