
Com a devida vénia publicamos aqui mais um excerto (já publicámos um) do livro "A Nossa Vez" de Hugo Penedones, que se pode ler na íntegra aqui:
Quando me perguntam se sou de Direita ou de Esquerda, respondo sempre: “Não sei. Eu quero é andar para a frente!”.
Depois de algumas gargalhadas, a pessoa em face começa a mostrar uma expressão de perplexidade: “Como assim? Existe mais alguma coisa?”.
Passo a explicar: ser de Direita ou de Esquerda é como ser médico e prescrever sempre a mesma receita, independentemente do doente. “Tem uma infeção? Tome antibióticos. Doem-lhe as costas? Tome antibióticos. Vê mal ao longe? Tome antibióticos. Está deprimido?”.
O corpo humano é um sistema muito complexo, constituído por dezenas de órgãos diferentes. Cada órgão pode ter milhares de milhões de pequenas células e cada célula tem ainda inúmeros componentes e mecanismos de regulação. Compreensivelmente, quando uma pessoa se sente mal, o diagnóstico médico e a escolha de um tratamento são tarefas muito difíceis. Por essa razão é que os médicos passam anos a aprender a fazer isso.
As sociedades não são menos complexas do que o corpo humano. Existem indivíduos, famílias, empresas, partidos, religiões, países, federações, etc. Tudo isto tem de ser coordenado e o bom funcionamento da sociedade é um equilíbrio difícil e instável. Por vezes corre mal e há pobreza, há desemprego, há guerras, há crime, há conflitos sociais, e por aí fora.
Portanto, como é que alguém minimamente realista e pragmático, pode esperar que uma ideologia política ou económica cure todos os males? Os problemas têm de ser diagnosticados caso por caso e as soluções têm de ser adaptadas ao “paciente”.
Vou dar-vos um exemplo. No parágrafo seguinte, sem nunca me contradizer, vou dizer bem e mal sobre a revolução socialista Cubana.
Em 1959, Cuba era fundamentalmente uma pequena ilhota dominada por interesses americanos. Era essencialmente um destino para gente rica ir jogar a casinos e ficar em hotéis luxuosos. Ao mesmo tempo, a população local era muito pobre e não tinha acesso a serviços essenciais como a educação ou sistema de saúde pública.
Façamos o seguinte exercício: dadas as condições sociais, o contexto histórico e as ferramentas ao dispor, o que é que um bom médico poderia receitar para esse doente em 1959? “Façam uma revolução socialista, nacionalizem os centros de produção, comecem programas de alfabetização e criem cooperativas agrícolas.” Ótima receita, dadas as condições de partida. Talvez o medicamento, mesmo na altura, não tivesse sido perfeito, mas fizeram o que estava ao seu alcance.
Mas, tal como o paciente que toma um antibiótico para eliminar bactérias ou fungos que causam uma infeção, se ele continuar a tomar antibióticos por muito tempo, vai fazer mais mal do que bem. Vai talvez matar a flora intestinal que lhe é benéfica e o paciente vai sentir-se muito fraco.
Do mesmo modo, a Cuba da atualidade já tomou antibióticos de mais. Muitos cubanos pedem desesperadamente por mais liberdades e maior abertura dos mercados. Querem criar pequenos negócios para combater a pobreza. Em Cuba, a quase totalidade da população tem acesso à educação (mesmo superior) e à saúde. Isso é ótimo. O problema é que depois de estudarem, as pessoas não têm a liberdade para aplicar aquilo que aprenderam na Universidade aos problemas reais. O empreendedorismo é castrado (será que a palavra deriva de “Castro”?). Numa visita que fiz à ilha em 2007, conheci um jovem que tinha estudado Engenharia Civil, mas o Estado alocou-o a um trabalho burocrático sem interesse, onde não usa o que aprendeu. Ao mesmo tempo, Havana cai de podre. As casas estão quase todas muito degradadas, com a exceção do pequeno centro histórico, essencialmente feito para os turistas. Que pena, que desperdício de potencial humano!
Da próxima vez que lhe perguntarem: “É de Direita ou de Esquerda?”, pense se quer andar às voltas, ou se prefere andar para a frente.
Hugo Penedones
Leitura recomendada:
- “The End of Poverty”, de Jeffrey Sachs, 2006. O autor é professor de Economia e dirige o “Earth Institute” na “Columbia University” nos EUA. Foi um dos propulsores das metas de desenvolvimento do Milénio, programa das Nações Unidas para o desenvolvimento.
As soluções radicais nunca funcionam bem numa sociedade, pela exclusão e discriminação extremas que criam, mesmo que em pequenos grupos.
ResponderEliminarEu costumo dizer que sou mais de direita do que de esquerda. Mas concordo com o ensino público gratuito, o SNS, e não só.
Todas as sociedades têm políticas de direita e de esquerda. Por exemplo, nos EUA, uma sociedade maioritariamente de direita, o serviço telefónico residencial tem um preço abaixo de custo que é subsidiado por um preço mais elevado do serviço empresarial. A bem da igualdade de oportunidades.
A classificação esquerda-direita está talvez um pouco ultrapassada ou a perder importância. Há quem se choque quando partidos de esquerda têm políticas de direita e vice-versa. Eu, digo "ainda bem".
Preocupemo-nos mais com que tipo de sociedade queremos construir e menos com o "como". Sejamos mais pelos valores dos direitos humanos do que os de esquerda ou direita.
Eu gosto mesmo deste blogue quando se dedicam a falar apenas das ciências naturais...
ResponderEliminarEste artigo é apenas a demonstração de que quem o escreveu nunca deve ter lido uma linha que fosse sobre economia ou sobre teoria política.
As coisas não surgem por acaso. A Direita e a Esquerda não são como clubes de futebol. São duas formas distintas de ver as coisas e para as quais, infelizmente, não existe um meio termo.
Existem umas soluções hibridas, mas que devem àquilo que é a direita e àquilo que é a esquerda a sua génese.
Ir em frente?Pois, eu também quero ir em frente, mas isso implica perguntar se o sistema de saúde deve ou não ser público, se a escola deve ou não ser pública, se devemos apostar mais em polícia ou mais em assistentes sociais, se o governo deve ou não apoiar a indústria, etc...
Se cada caso é um caso? É verdade...mas até isso é uma ideia política que se insere mais numa ideologia do que noutras. (Sim, porque depois existe mais do que esquerda e direita, o que complica ainda mais as coisas).
De inteiro acordo consigo, caro Tiago Santos. Isto anda cada vez mais infestado por analfabetos e ... ingénuos. Se calhar quem escreveu o artigo estudou nas Novas Oportunidades.
ResponderEliminarTambém me parece que não faz sentido nenhum essa ideia do "andar para a frente" e mais nada. A questão é: como ir para a frente? Porque é que autor acha que o socialismo foi o melhor no início e agora é preciso corrigir? Será que no início não teria sido melhor seguir logo por outro caminho?
ResponderEliminarÉ na altura de tomar decisões que se segue pela esquerda ou direita! Também há quem pense hoje em dia que o melhor continua a ser mais socialismo e, para esses, esse é que é o caminho para "andar para a frente"...
Enfim, há que ver as coisas como elas são e não como gostaríamos que elas fossem.
"A questão é: como ir para afrente". Claro é aí que está o ponto bem como na definição do que é frente e trás nestas matérias. O que para uns é frente para outros é trás. É que há valores, mesmo que se finja que não ou se pretenda esconder isso. Como fazem os ideólogos do "já não há ideologias". E como pretende, desajeitadamente, fazer o post acima.
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