terça-feira, 24 de maio de 2011

O acesso ao conhecimento é um direito universal!


Entrevista que dei ao jornal on-line "Boas Notícias" a propósito do meu novo livro "Caminhos de Ciência"

Qual é o papel e a importância do comunicador de ciência?
O papel é o de tentar traduzir para uma linguagem acessível e dirigida a um determinado público-alvo, o conhecimento científico escrito inicialmente numa linguagem estruturada e codificada, própria de cada domínio científico.
A importância reside no dever em satisfazer uma necessidade que é comum a todos os seres humanos: a do querer saber. Sem alguém que conte a história, que faça a ponte entre as duas linguagens, não é possível uma comunicação efectiva. Por outro lado, conhecer o que está a ser descoberto pelos nossos cientistas é um direito consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Assim, o papel do comunicador de ciência é da máxima importância para contribuir para uma cidadania livre e esclarecida.

Muitas descobertas cientificas não chegam a ser compreendidas pelo público em geral. Porque pensa que isso acontece e como se pode contornar?
Começo por responder que muitas das descobertas científicas não chegam a ser compreendidas por cientistas de áreas diferentes. Por isso, o problema da divulgação do avanço do conhecimento fica míope se não se for colocado como algo que tem de ser feito entre todos.
Cientistas de áreas diferentes comunicam entre si utilizando linguagens diferentes. Esta complexidade da formatação da mensagem científica é, em parte, responsável pela dificuldade na sua vulgarização (no bom sentido). Não só tens de saber comunicar, como tens de conhecer os códigos utilizados em cada área do conhecimento científico e traduzi-los para uma linguagem comum a todos, neste caso a língua portuguesa.
Por outro lado, o dia-a-dia de todos nós está tão preenchido de ciência e a tecnologia que estas se tornam, paradoxalmente, quase invisíveis! Invisíveis no que diz respeito ao seu conteúdo, ao conhecimento implícito que as torna possíveis.
Esta “invisibilidade” também dificulta a compreensão e a transmissão do conhecimento que está na sua base. Torna-se mais difícil racionalizar o conhecimento tácito, algo que recebemos primeiro quase que intuitiva e empiricamente. Basta-nos que funcione. Não interessa como, nem porquê. Utilizamos conhecimento e tecnologia sem nos apercebermos, por exemplo, que só conseguimos enviar um e-mail por causa de alguém ter descoberto há cem anos determinadas propriedades quânticas que descrevem transições electrónicas em materiais semicondutores, como seja os que compõem os transístores, os micro e nano chips dos circuitos integrados. Que só desenvolvemos a tecnologia do GPS porque Einstein e outros investigaram e desenvolveram o conhecimento contido na teoria da relatividade!

Como se ultrapassa essa "invisibilidade" da ciência e da tecnologia?
Para resolver a dificuldade inerente à comunicação de ciência é necessário criar massa crítica, aumentar o número e a qualidade dos comunicadores de ciência em língua portuguesa, aumentar o espaço dedicado ao conhecimento científico e suas aplicações não só nos meios de comunicação social, mas também nas actividades lúdicas que a sociedade coloca ao dispor das famílias. É que, como diz Carlos Fiolhais, entre outros, a ciência é divertida. Porquê? Porque o ser humano tem prazer em descobrir, em conhecer mais, em compreender o mundo que o rodeia.

Como é que um homem da ciência, como o António que é formado em bioquímica, começa a “traduzir” descobertas cientificas para a linguagem comum?
Sempre gostei de escrever, de contar histórias. Não só por prazer ou necessidade própria, mas por uma espécie de espírito de missão pública e de cidadania.
Tive a sorte de ter tido excelentes professores no liceu João de Deus, em Faro. Entre eles, uma professora de físico-química que, tendo sido aluna, entre outros, de Rómulo de Carvalho e de José Régio, me transmitiu o fascínio pela cultura humana independentemente do seu espartilho disciplinar. Ensinou-me que sem rigor e trabalho não há boa comunicação.
Saber comunicar é uma componente da actividade enquanto cientista. Investigamos, descobrimos ou não, e depois temos de contar aos outros o que encontramos. Somos autênticos exploradores. Se não contarmos aos outros o que descobrimos não existe, para além de não poder ser validado, aceite como útil. Se a descoberta não for partilhada ela não é útil a ninguém.
Por outro lado sou parte daquilo a que já alguém chamou de geração Gradiva. Esta editora galvanizou a divulgação de ciência em Portugal e permitiu que cada um, com o seu jeito ou dom, apreendesse a divulgar. Aliás, só lendo os melhores, quando bem traduzidos para português, é que podes aspirar a comunicar bem. E foi isso a editora do Guilherme Valente permitiu.

Quais são os textos que lhe dão mais entusiasmo escrever?
Todos. Apesar disso, confesso que escrever para crianças permite-me expandir os territórios da imaginação. Mas gosto muito de conseguir escrever, num registo mais literário, qualquer assunto real de natureza científica e tecnológica.

O feedback do público é importante?
Escrevo para comunicar. Só sei se comuniquei bem se houver alguma maneira de saber se a mensagem foi bem recebida e entendida, o que são coisas distintas.
Deste modo, só poderei melhorar e corrigir-me se tiver retorno (feedback) do público. Na ausência de retorno, fico como se estivesse a falar ou a cantar para uma parede.
Sem retorno do destinatário, do ouvinte, do leitor não perceberemos se comunicámos. Só ouviremos silêncio sem conteúdo ou eco narcísico.

Gosta mais de escrever para adultos ou para crianças?
Gosto mais de escrever bem e de conseguir comunicar. As crianças são mais genuínas e também mais atentas. Por isso até é mais fácil comunicar e ter retorno delas. Como disse Saint-Exupery, as crianças gostam de ser cativadas. Os adultos não gostam de dizer o que pensam, para não se comprometerem…

A sua filha inspira-o para alguns textos?
As minhas filhas são “as notas da partitura que é a sinfonia da minha vida”, como escrevi na nota introdutória de “Caminhos de Ciência”.

Alguma vez pensou em escrever ficção?
Já. Mas, por questões de disciplina, a ficção está, por enquanto, inibida.

Qual é o “António” que prevalece: o investigador ou o comunicador?
Uma vez perguntei ao professor Rómulo de Carvalho (o poeta que escreveu sob o pseudónimo de António Gedeão) isso mesmo. Ele respondeu-me que era um só. Que não mudava de atitude consoante a actividade em que estivesse envolvido. Mas o que se passa, digo eu, é que nós ao longo do dia, dependendo das actividades a que estamos dedicados, utilizamos recursos, conhecimentos, métodos diferentes consoante as necessidades. E isso pode aparentar que há uma faceta que prevalece em detrimento de outras. A investigação é muito solitária, pouco comunicativa. A comunicação não pode ser solitária, tem de ser pública. Numa actividade professoral temos de ensinar, o que é simultaneamente uma tarefa solitária e pública.
Respondendo noutra perspectiva. Para comunicar tenho de investigar. Uma coisa não existe sem a outra. E a experiência, enquanto professor, fortaleceu as competências na compreensão da natureza humana, o que é indispensável para comunicar bem.

O que podem os leitores encontrar neste novo livro?
Um diálogo transdisciplinar entre ciência e arte, uma ponte entre as fronteiras do conhecimento e sua utilidade para o nosso dia-a-dia. Bons momentos de leitura, desejo eu.

6 comentários:

Anónimo disse...

O que lhe vale, Dr. António Piedade, é ser Poeta sem escrever... em verso: caso contrário, iria para a guilhotina! JCN

Anónimo disse...

Do que se livrou o Gedeão! JCN

Anónimo disse...

Faltou-lhe dizer, caro Dr. António Piedade, que o acesso ao conhecimento é realmente "um direito universal"... seja qual for o seu meio de expressão, que pode até não ser escrito. JCN

Pedro disse...

Se o Fiolhais já comprovadamente sabe pouco de Arte e de Ciência só se for da sua, isto é, a da produção e divulgação de texto de divulgação da sua autoria, então o que esperar deste livro? Bom, precisamente o que próprio refere:
"Um diálogo transdisciplinar entre ciência e arte, uma ponte entre as fronteiras do conhecimento e sua utilidade para o nosso dia-a-dia"

Diálogo transdisciplinar? quais são as disciplinas? A Ciência e a Arte? São disciplinas e o Fiolhais acha que as vai pôr a dialogar? Talvez tenha sido por isso que acabaram com as poesias espontâneas neste blog. Como diria alguém - que o Fiolhais não deve saber quem foi - Arte é aquilo que eu disser que é Arte. É a única forma que eu vejo que num livro de divulgação exista um "diálogo" entre as "disciplinas" Ciência e Arte. E como a coisa não fosse pouca o homem ainda se arroga de fazer pontes entre as fronteiras do conhecimento. Que conhecimento? O científico? E que mais? E onde ficam essas fronteiras do conhecimento? No Barreiro? Será esta terceira travessia sobre o tejo, ou será o novo terceiro milagre de fátima?
E claro, já que estamos aqui a vender a coisa, vamos dizer que estas pontes e estes diálogos são úteis para o dia-a-dia. Será principalmente em situações de aperto em sanitários.

Pedro disse...

Respeitosamente, mude-se o Carlos para António, tal como se mudam as moscas. O resto é igual. A propósito: muito útil o link directo para a loja on-line!

joão boaventura disse...

A propósito da frase:

"(...)Os adultos não gostam de dizer o que pensam, para não se comprometerem (...)"

Está a falar do "homo clausus", do homem encapsulado que dialoga consigo mesmo, porque tem direito à sua intimidade, ao corte com o "homo socius", ao homem que comunica, como aliás refere mais adiante

"A investigação é muito solitária, pouco comunicativa."

E sabe-se que as descobertas científicas resultam quando o homem se isola, quando se fecha ao mundo "socius", o que o entrevistado confirma quando assevera que:

"Investigamos, descobrimos ou não, e depois temos de contar aos outros o que encontramos."

Ora isto só é possível no isolamento, no isolamento frutífero (ou não), no "homo clausus", para depois quebrar-se e transformar-se no "homo socius", no homem que transmite os resultados da sua descoberta e o partilha, como expressa o entrevistado:

"A comunicação não pode ser solitária, tem de ser pública."

Quando Rómulo de Carvalho assevera que "investigador e comunicador" são uma e a mesma pessoa, está a explicar que o "homo" é "clausus+socius". porque nele residem as duas propriedades.

Cordialmente

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