quarta-feira, 25 de maio de 2011

Pré-história da Física Nuclear


aqui esbocei a aventura da Física Nuclear antes do anúncio da descoberta do núcleo atómico, há cem anos, por Ernest Rutherford. Eis também em resumo o que se passou antes, isto é, a pré-história da Física-Nuclear (na imagem retrato a óleo de Madame Curie):

A Física Nuclear começou no fim do século XIX por um duplo acaso feliz. O primeiro acto de "seripendidade" (do nome do príncipe Seripe da ilha de Ceilão, um indivíduo a quem a sorte repetidamente vinha ter sem ele fazer nada por isso!) consistiu na descoberta dos raios X, pelo alemão Wilhelm Roentgen, na cidade bávara de Wuerzburg. Quando um dia trabalhava com um tubo de raios catódicos, Roentgen verificou que um ecrã um pouco distante ficava fluorescente: era o choque do feixe de electrões no tubo com as paredes deste que dava origem a uma radiação invisível que se tornava visível no ecrã. O acontecimento deu-se no ano de 1895, tendo devido a ele Roentgen recebido o primeiro Prémio Nobel da Física, no ano de 1901.

O segundo acto aleatório ocorreu no ano seguinte, em 1896, com uma questão que se debateu volta dos raios X. Na Academia Francesa de Ciências, o grande matemático Henri Poincaré (velhos tempos, quando os matemáticos metiam a sua colher na sopa da Física!) sugeriu que se analisasse a relação dos fenómenos de fluorescência com a radiação X. Se o tubo de raios X ficava fluorescente, talvez outros materiais com a mesma propriedade fossem capazes de emitir a mesma radiação misteriosa. Um físico e académico francês - Henri Becquerel -, cujo pai tinha sido também académico, tentou avaliar da correcção da conjectura de Poincaré. Um sal de urânio era conhecida por ficar fluorescente sob a acção da luz solar. Tratava-se agora de saber se era também emissor de raios X. Quis o acaso que ele tivesse deixado o sal de urânio dentro de uma gaveta juntamente com uma chapa fotográfica. Aconteceu então que a amostra, mesmo não exposta aos raios solares, impressionou a chapa fotográfica. Em questões de acaso, não basta ser alvo dele, sendo necessário recebê-lo dignamente: Becquerel deduziu logo que havia uma nova radiação, proveniente do urânio, ainda mais misteriosa que os raios X, e, com tal conclusão, mereceu o Prémio Nobel de 1903.

Os raios X vinham, sabe-se hoje, dos electrões do átomo. Os raios de Becquerel, por sua vez, provinham do interior do núcleo atómico, objecto de que nessa altura não se suspeitava a existência. Começou então a Física Nuclear, ainda que apenas na sua fase pré-histórica. A história iniciou-se apenas 15 anos mais tarde, quando se identificou sem margem para dúvidas o pequeno núcleo no centro do átomo.

Foi um personagem típico do século passado aquele que pela primeira vez entreviu o núcleo, objecto central da Física do século XX. Becquerel, com barba e bigode farfalhudo e ligeiramente calvo, foi contemporâneo de Joule e Kelvin na Física, e de Darwin, na Biologia.

A pré-história da Física Nuclear ficou marcada, além de Becquerel, por duas outras personagens principais, que com ele privaram por várias vezes: o casal Pierre e Marie Curie. Pierre Curie fez nome na Física antes da sua esposa, que hoje talvez seja mais conhecida do grande público. Tinha trabalhado em piezoelectricidade e em magnetismo, antes de se virar para a radioactividade. A sua consorte, uma jovem estudante de origens modestas que tinha vindo da Polónia cursar Física em Paris, interessou-se pela radioactividade de Becquerel, tendo sido assistente deste. O casal Curie conseguiu identificar os vários elementos químicos que eram responsáveis pela radiação misteriosa. A origem da radioactividade natural residia nos elementos químicos urânio, tório, polónio e rádio. Se o urânio e o tório já eram conhecidos antes, o polónio e o rádio dó foram reconhecidos e baptizados pelos Curie (a síntese do rádio foi completada em 1898). O nome do polónio surgiu como homenagem ao país natal de Marie Sklodoswka Curie e o nome de rádio veio do termo latino para raio (este elemento forneceu a raiz do neologismo "radioactividade"). Hoje sabe-se que estes núcleos são a origem das chamadas séries radioactivas de elementos pesados, que têm todas um fim no chumbo, praticamente o mais pesado dos elementos estáveis. Foi um trabalho difícil, demorado e exigente aquele que os Curie efectuaram num barracão, em condições precárias: para isolar um mísero miligrama de rádio tiveram de tratar toneladas de minério, proveniente de minas austríacas. Essa proeza ainda hoje serve de exemplo de perseverança e devoção à causa científica sem atender a quaisquer compensações de ordem material. Uma referência única sobre Madame Curie é a comovente biografia escrita pela sua filha Eva Curie, nascida em 1900. Em 1903, o casal Curie recebeu, em conjunto com Becquerel, o Prémio Nobel da Física e, em 1911, Madame Curie recebia o seu segundo Prémio Nobel, desta vez da Química (muito poucas pessoas haveriam de repetir essa façanha e nenhuma outra voltou a ter um Prémio Nobel em duas disciplinas científicas).

Madame Curie sucedeu na cátedra da Sorbonne a seu marido, falecido em 1906 num estúpido acidente de caleche numa rua parisiense. O "Tratado de Radioactividade" de Madame Curie, editado em 1910 pela Gauthiers - Villars e que sumariava o conhecimento da época sobre o assunto, tinha significativamente uma fotografia de Pierre no frontispício.

A senhora Curie teve uma ligação particular com Portugal. Com efeito, Mário Silva, professor de Física da Universidade de Coimbra, efectuou o doutoramento no Instituto do Rádio em Paris, tendo aí estagiado de 1925 a 1929. Foram ainda alunos de Marie Curie Manuel Valadares e Branca Marques, sendo esta uma das primeiras mulheres cientistas em Portugal.

Em finais de 1910 realizava-se num laboratório de Manchester a descoberta do núcleo. Esse resultado, embora obtido na prática pelas interpostas pessoas de Geiger e Marsden (o primeiro assistente e o segundo estudante), foi obra do Professor Ernest Rutherford, um neo-zelandês grande e truculento, que tinha trabalhado antes na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e depois na Universidade de McGill, no Canadá. Quando descobriu o núcleo, Rutherford já tinha nome feito na física dos fenómenos radioactivos, tendo recebido o Prémio Nobel da Química em 1908. Em particular, contribuiu decisivamente para o esclarecimento da natureza da radioactividade. Um campo eléctrico permitia dividir a radiação em raios alfa, carregados positivamente (e que, segundo concluiu Rutherford em 1909, mais não eram do que núcleos de hélio), raios beta (que mais não eram do que electrões como aqueles no tubo de raios catódicos de Roentgen) e raios gama, uma forma de radiação muito parecida com a de Roentgen mas muito mais penetrante. A descoberta de Rutherford foi finalmente apresentada na Manchester Literary and Philosophical Society, em 7 de Março de 1991. Estava oficialmente inaugurada a Física Nuclear!

2 comentários:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Apenas gostaria de acrescentar que na oportunidade de estudar a biografia da cientista Marie Curie, em que sua corajosa trajetória que neste quesito é extremamente diferencia, não só pela inteligência excelsa mas, frente a adversidade em uma época de precários recursos, marcou exatamente a serenidade com que ela e o marido lidam por serem pobres pesquisadores, sabendo que uma só grama de rádio valia $150.000,00 dólares, mas, os Curie não tiraram proveito da situação privilegiada, acharam que tal atitude seria “contrária ao espírito científico” e que “o rádio, com seu poder medicinal, não pertencia a pessoa alguma, mas à humanidade”.

Cláudia disse...

Qual seria a probabilidade? De alguma mulher ter destaque no futuro da Física Nuclear, sendo que nem conseguem verter o reconhecimento da primeira, cujo feito irradiou as sombras desconhecido...

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