Precisamos todos de uma reconversão moral. Sim, mas o que é que isso obriga?
Obriga a uma transformação nos hábitos e nas mentalidades, ou seja, largar as escamas que nos cobrem por fora e deitar ao lixo o entulho que nos pesa por dentro. Mudar maneiras de ver e, sobretudo, de atuar. Continua a haver grande distância entre o que dizemos e o que fazemos, e sobretudo entre o que queremos dos outros, que é muito, e o que exigimos a nós mesmos, que é pouco.
Em Portugal passa a ideia de que os políticos, os poderosos, são gente que não se recomenda, mas nós, não: os que estão do lado de cá, os anónimos, são muito corretos. É evidente que isto é um disparate. Muitos dos políticos não são recomendáveis, de facto, e devíamos concentrar forças para os tirar do caminho, porque, além de enormes estorvos, são parasitas, o que é ainda pior. Mas há na política gente de primeira, competente, cheia de boa vontade e até com grande espírito de sacrifício. Porém, o país não os ajuda, impedindo, com as suas deficiências e maledicências, que os melhores vençam, acabando assim por se aliar aos que merecem as críticas.
Por isso se diz que temos os políticos que merecemos, porque sofremos quase todos dos mesmos vícios, e insistimos em velhas práticas de péssimos efeitos a nível social e económico. E de que até já vamos tendo consciência, mas que não conseguimos mudar; porque uns emperram, outros não percebem, muitos são desleixados e outros oportunistas. Além disso, vivemos bem com as pequenas corrupções e temos umas “humanidades” bacocas que protegem malandros, incompetentes e companhia
A doença está diagnosticada, mas nem por isso a cura é mais fácil, porque a meio há uma gangrena que garante boa saúde à infeção.
Claro que isto não retira a responsabilidade aos políticos, até a acrescenta, porque estão em lugares de decisão. Entre uma boa e uma má política os resultados, a longo prazo, são a salvação ou a desgraça. Todos sabemos isso. Mas a questão agora é como mudar mentalidades empenadas e doentes. E é aqui que os políticos falham. Poderemos dizer que eles não puxam por nós e nós não puxamos por eles. Como sair deste círculo vicioso?
Seria um bom começo se reconhecessem os erros. Seria excelente e prestar-nos-iam um enorme serviço. Mas eles nunca falham, nunca erram, nunca nos enganam, nunca mentem e a coerência é o seu forte. É certo que qualquer aprendiz de político sabe que raramente a moral se deu bem com a política. Em momentos como o atual, a melhor estratégia política seria a honestidade de reconhecer os erros, de não atirar as culpas próprias para os outros; poderia ser o começo da tal conversão geral.
Mas, como os portugueses fogem da responsabilidade como o diabo da cruz – até nisto os políticos nos imitam –, como encontrar quem tenha coragem para começar por aqui?
Ora, tendo em conta que vai uma grande indecisão no eleitorado, eu proponho um princípio de escolha eleitoral que me parece bom: votem no candidato que tenha sido capaz de reconhecer os erros que fez e as ideias erradas que teve. Esse, se existe, está a dar-nos algumas garantias. Mas atenção: se a ideia pega teremos que ter cuidado com as conversões apressadas. Como sabem, para se ser capaz de uma conversão moral é preciso ter, previamente, exigências morais.
João Boavida
domingo, 15 de maio de 2011
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7 comentários:
Acho que um dos caminhos possíveis é: as pessoas deveriam começar a se organizar em associações de cidadania (com critérios rígidos de seleção, análise do histórico pessoal, ficha limpa etc) para exigir transparência na atuação do Estado (divulgação de todos os processos, motivações, decisões, contas públicas etc) via internet, sendo que tais associações atuariam no sentido de fiscalizar de perto a atuação dos políticos.
As associações deveriam reunir contabilistas, administradores, juristas, sociólogos, antropólogos e outros profissionais e cientistas sociais, além de representantes da comunidade.
Seria um trabalho voluntário prestado uma vez por semana, mas que permitiria um início do processo de aprofundamento da democracia e real participação popular qualificada na gestão pública e nos processos legislativos.
Um modelo que deu certo é este aqui: http://www.amarribo.org.br/
a moral é sub je activia....
e con versões incluidas
moral soit qui mal y pense
"Como sabem, para se ser capaz de uma conversão moral é preciso ter, previamente, exigências morais"
Fantástico. Só este final já merecia um enorme destaque. Um texto que diz tudo como eu gostaria de dizer. Chapeau!
Absolutamente! Partilho completamente o comentário de CS.
Só não estou a ver qual o político que se redimiu... com a agravante de ter a noção de que não saberei distinguir se é demagogia, porque não acompanho as notícias.
Estou como o pai da Liberdade (BD Mafalda), mas não sou masoquista, a minha decisão será diferente da dele.
A política angustia, dificilmente há soluções embora haja excelentes ideias, é bom que elas apareçam à luz do dia, mas ainda me parecem de uma minoria.
Mas a "Mea Culpa" é, certamente, o início de um processo que se pretende bom.
Perante o desconcerto da nação,
se um dia, a sério, se quiser julgar
os responsáveis pela situação,
talvez nenhum de nós possa escapar.
Talvez tenhamos todos na questão
nossa parte de culpa ao tolerar,
com nossa indiferença ou omissão,
esta degradação de arrepiar.
A título quiçá de atenuante,
assuma cada qual a sua culpa
na justiça divina confiante.
Se bem que a Deus nenhum de nós engana,
podemos invocar como desculpa
a condição da natureza humana!
JOÃO DE CASTRO NUNES
Com efeito, quem não tem
sentimentos de moral
mudar não pode, afina,
aquilo que não retém!
JCN
Potencialidade moral é necessária a ordem.
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