terça-feira, 24 de maio de 2011
Sobre Aurélio Quintanilha (1892-1987)
Post do historiador António Mota de Aguiar:
Aurélio Quintanilha nasceu em Angra do Heroísmo, onde terminou os estudos primários, concluindo depois o liceu em Ponta Delgada. Ficou órfão do pai ainda jovem e, tendo sido educado por uma irmã mais velha que ele 13 anos e sob os conselhos de um irmão, este 16 anos mais velho. Com 16 anos de idade partiu para Lisboa, onde era intenção da irmã e do irmão que ele assentasse praça no Exército. Após uma breve paragem nessa cidade, mudou-se para Coimbra para frequentar a Escola do Exército, a qual terminaria com sucesso.
Mas, como a vocação de Aurélio Quintanilha não era a carreira militar, mudou-se algum tempo depois para Medicina, na Universidade de Coimbra. Em 1912, mudou-se outra vez para Lisboa, para frequentar a Faculdade de Medicina, onde permaneceu dois anos e aprendeu os conhecimentos científicos das cadeiras de Citologia, Histologia e Microbiologia que viriam a marcar a sua carreira científica. Já depois de ter deixado a Faculdade de Medicina, e enquanto esteve em Lisboa, continuou a frequentar os laboratórios desta Faculdade, onde aprofundou as técnicas de investigação nestas disciplinas.
Em 1915, após uma doença grave que requereu hospitalização, ei-lo agora na recém-criada Faculdade de Ciências de Lisboa a tirar uma licenciatura em Ciências Histórico-Naturais. Os resultados dos exames que fez em Botânica foram de tal modo significativos que foi convidado, em 1917, para segundo assistente na área de Citologia, onde se viria a destacar pelas suas aulas práticas de citologia animal.
Conta Aurélio Quintanilha que, uma vez, recebeu no seu laboratório em Lisboa, a visita do director do Museu, Laboratório e Jardim Botânico de Coimbra, Professor Luís Carrisso, que,
“…pediu licença e sentou-se ao microscópio para espreitar. Ficou maravilhado! (…) Quis saber onde é que eu tinha aprendido aquelas técnicas tão perfeitas. Contei-lhe então que antes de me matricular na Faculdade de Ciências tinha frequentado Medicina e aprendido a trabalhar com o professor Celestino da Costa e o seu assistente Roberto Chaves”.
Em 1919, terminou a licenciatura em Ciências Histórico-Naturais com 20 valores, e mudou-se para a Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, onde, como primeiro assistente, foi encarregado das aulas teóricas e práticas das disciplinas de Morfologia e Fisiologia dos Vegetais, além de desenvolver um centro de investigação de Biologia Experimental, dando continuidade aos seus estudos de citologia, ao mesmo tempo que desenvolvia uma notável actividade de investigação.
Por essa altura conheceu o Professor Júlio Henriques, grande nome da botânica portuguesa, com quem colaborou na publicação do Boletim da Sociedade Broteriana, onde, ao longo da sua vida, publicou dezenas de trabalhos científicos.
Em 1926, doutorou-se com a tese Contribuição ao estudo dos Synchytrium, que ajudava ao esclarecimento do ciclo de vida do fungo Synchytrium papillatum. Nesse mesmo ano, apresentou a dissertação O Problema das Plantas Carnívoras – estudo citofisiológico da digestão no Drosophyllum lusitanicum link. Com este trabalho – aprovado por unanimidade – foi nomeado, nesse ano de 1926, Professor Catedrático da Universidade de Coimbra, dando continuidade à profícua investigação científica que vinha fazendo.
Anos mais tarde, evocando a sua cátedra na Universidade de Coimbra, escreveu o seguinte:
“Em Coimbra tive grandes sucessos na minha carreira docente. Eu era um professor apaixonado pela minha profissão. Gostava de ensinar, de fazer ‘lições bonitas’, bem preparadas, tendo sido largamente recompensado pelo grande número de estudantes em que despertei o gosto pela investigação científica”.
Durante três anos, de 1928 a 1931, Quintanilha estagiou em Berlim, onde se viria a relacionar com eminentes cientistas da área da biologia, e onde se viria a casar pela segunda vez, com uma alemã, tendo em 1931 regressado à Universidade de Coimbra.
A par de muitos outros professores universitários – alguns já mencionámos neste blogue - a qualidade deste professor catedrático não se coadunava com um estado fascista, que estava bem implantado em 1935, e, por isso, foi expulso do seu trabalho na Universidade de Coimbra, ele que não tinha nenhuma actividade política relevante, embora certamente não fosse admirador da Ditadura.
Teve de emigrar, tinha então 43 anos. Depois de algumas andanças pela Europa, fixou-se em França. Entretanto, em 1937, pela sua comunicação no Congresso de Amesterdão: Cytologie et génétique de la séxualité chez les champigons, receberia o Prémio Emil Christian Hansen, tendo-lhe sido atribuído a medalha de ouro da Academia Real das Ciências da Dinamarca.
Até 1941 permaneceu em França, onde prestou e desenvolveu relevante investigação científica e, durante um ano, serviu no exército francês, como voluntário. Após a derrota e ocupação da França, foi desmobilizado e, em 1941, decidiu regressar a Portugal, onde tentou trabalhar na Estação Agronómica Nacional, em Oeiras, a convite do Professor António Câmara, director deste Instituto, que lhe tinha prometido trabalho, em 1939, em Londres, durante o Congresso Internacional de Genética, a que ambos assistiram. Pensava o Professor António Câmara que:
“Câmara contou-me então que em Portugal a opinião pública tinha evoluído muito e que havia muita gente, mesmo entre os partidários do governo, que eram de opinião que tinha sido um disparate a minha aposentação compulsiva, pois o país não era tão rico de valores científicos que pudesse dar-se ao luxo de deitar fora «cientistas do meu valor»”.
Permaneceu com a mulher em Oeiras dois anos, não como investigador científico, mas sim como administrador da Messe do Instituto. Como não tinha ordenado, assegurava a comida e um quarto para dormir, à espera que o Estado lhe desse um contrato para trabalhar. Escreve Aurélio Quintanilha:
“E Salazar, pressionado pelo Câmara, levou mais de dois anos a responder e por fim disse que não permitia o contrato!”
Em 1943, a Academia de Ciências de Lisboa, concedeu-lhe o Prémio Artur Malheiros pelo seu trabalho Doze Anos de Citologia e Genética dos Fungos. Nesse ano de 1943, conseguiu que Salazar o enviasse para Moçambique, onde “seria bem vigiado politicamente”. Aurélio Quintanilha foi então dirigir o Centro de Investigação Científica Algodoeira de Lourenço Marques, cidade onde ficou até 1975.
Em Moçambique desenvolveu trabalhos de pesquisa no sentido de aumentar a produção algodoeira da colónia, tendo escrito numerosos e relevantes trabalhos científicos nesta matéria.
Em 1947 e 1983, respectivamente, recebeu da Universidade Witwatersrand da África do Sul e da Faculdade de Ciências de Lisboa, o título de Doutor Honoris Causa e, em 1958, foi eleito sócio correspondente da Academia de Ciências de Lisboa. Em 1987, recebeu do Presidente da República, General Ramalho Eanes, a medalha da Ordem da Liberdade.
Em 1975, o Presidente de Moçambique, Samora Machel, concedeu-lhe a nacionalidade moçambicana pela contribuição dada à ciência do novo país.
Não é possível descrever em poucas palavras todo o percurso científico de Aurélio Quintanilha, mas podemos imaginar o que a sociedade portuguesa perdeu por ele ter sido aposentado compulsivamente da sua cátedra, tendo sido obrigado a exilar-se, numa altura em que a sua carreira científica se afirmava promissora (tinha ele apenas 43 anos!), como aliás, apesar das várias dificuldades, se veio a confirmar no futuro.
António Mota de Aguiar
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