Meu artigo no último As Artes entre as Letras:
Como estamos a chegar aos 50 anos
do 25 de Abril, é natural que surjam balanços. Um balanço na área do ambiente
saiu recentemente num volume das Edições Afrontamento, do Porto: 50 anos de
políticas ambientais em Portugal. Da Conferência de Estocolmo à atualidade,
coordenada por Luísa Schmidt, socióloga do ambiente do Instituto de Ciências
Sociais (ICS) em Lisboa e desde há longa data colunista no Expresso («Qualidade
Devida»). De facto, como esclarece o subtítulo, os 50 anos a que se refere o
livro começam antes do 25 de Abril, mais precisamente em 1972, quando teve
lugar em Estocolmo a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano, que ficou conhecida por «cimeira da Terra». Portugal, que, por causa da
guerra colonial, tinha então grandes dificuldades de relação com organismos
internacionais (saiu da UNESCO em 1972), aproveitou a oportunidade que lhe foi
oferecida de participar na conferência. Começou a preparara-se nesta área. Em 1971,
em plena «Primavera marcelista», foi criada, no
quadro da Junta Nacional para a Ciência e Tecnologia (JNICT), antecessora
da actual Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), a Comissão Nacional do
Ambiente, da qual foi presidente, até 1983,
o engenheiro agrónomo José Correia da Cunha, deputado da chamada «Ala
Liberal».
O processo de progressiva consciencialização em Portugal das questões do Ambiente, eivado de contradições, está bem contado no livro coordenado por Luísa Schmidt, que teve por base uma conferência realizada no ICS, na qual, além da maioria dos autores de capítulos deste livro, participaram grandes nomes do ambiente em Portugal como Carlos Pimenta, Jorge Paiva e Filipe Duarte Santos (Gonçalo Ribeiro Teles, falecido em 2020, já não pôde participar). O livro, saído em Novembro passado, está dividido em três partes, antecedidos por uma introdução do punho da coordenadora. A parte I, «Entre a Conferência de Estocolmo e o 25 de Abril: contexto, memórias e testemunhos», conta como foi a «Primavera ambiental» no tempo do marcelismo por depoimentos de seis protagonistas, entre os quais Emílio Vilar, fundador da SEDES (e autor de um recente livro-entrevista sobre a sua vida, Emílio Rui Vilar: Memórias de dois regimes, Temas e Debates), e Francisco Pinto Balsemão, deputado da «Ala Liberal», que expõem as preocupações ambientais da época.
Na parte II, «Depois de Estocolmo- Consequência
e Inconsequências,» traça-se um panorama
do impacto que aquela conferência teve nas
políticas nacionais de ambiente. Destaco
os dois primeiros textos: um, geral e filosófico, de Viriato Soromenho Marques,
professor de Filosofia e ambientalista, cujo tom pessimista é explicado pela
inércia no combate ao aquecimento global
(em 1972 esse tema não estava na agenda: o relatório Os Limites do
Crescimento, de uma equipa do MIT,
apresentado ao Clube de Roma em 1972, era
também pessimista, mas por outros motivos: o crescimento da população, a
escassez de recursos, o aumento da poluição, etc.), e o outro, sobre o património,
de Ana Paula Amendoeira, Directora Regional da Cultura do Alentejo, que descreve
a Convenção do Património Cultural e Natural, também de 1972, e o arrolamento
de bens portugueses, uma vez ultrapassada a querela com aquele organismo. Mas há
também textos sobre o Ordenamento do território, Economia e gestão, Investigação
científica, e Educação e movimentos ambientalistas.
Finalmente, na parte III, «Políticas ambientais ´sectoriais’ – evolução, balanço e perspetivas,» após um texto enquadrador de Luísa Schmidt, são discutidas seis áreas: Águas, Resíduos urbanos, Áreas protegidas e conservação da Natureza e da biodiversidade, Florestas, Alterações climáticas e energias, e Educação e cidadania ambiental. Destaco dois textos: um sobre «Florestas», dado o facto de o território português estar em boa parte coberto por florestas (cuja gestão é complexa dada facto de a maior parte estar nas mãos de particulares), e outro «Alterações climáticas e energia», que dá conta da nosso progressivo alinhamento com metas internacionais, através das adesões ao Protocolo de Quioto (aprovado em de 1997 e em vigor desde 2025) e ao Acordo de Paris (aprovado em 2015 e em vigor desde 2016). Se Portugal beneficiou de uma tolerância inicial relativamente à queda de emissões estabelecida pelo documento de Quioto, já teve uma acção mais incisiva no que respeita ao documento de Paris. O Programa Nacional para as Alterações Climáticas 2020-2030 propõe a redução das emissões dos gases de efeito de estufa até 2030 de 55% com referência ao ano de 2005.
A meta será um
país «neutro em carbono» (isto é, emissões equivalentes às recepções) em 2050. No
texto sobre «Alterações climáticas e energia», de Ana Horta e Carla Gomes,
investigadoras do ICS, é apresentado um gráfico
que mostra a nítida progressão, desde o início do presente século, das energias alternativas em Portugal, em
particular a eólica, que entretanto ultrapassou a hidroeléctrica (da qual há
uma longa tradição entre nós). Embora com contributo bastante menor, a energia solar
vai fazendo o seu caminho de crescimento. Um marco português na questão das
alterações climáticas foi o fim das centrais a carvão ocorrido em 2021. Hoje, o
país pode orgulhar-se de ser um dos mais reconhecidos no mundo pelos seus esforços
de descarbonização, embora ainda persistam alguns problemas graves como a
exposição as vagas de calor e secas, com
riscos de incêndios florestais, e a
excessiva utilização do automóvel para transporte de indivíduos, em detrimento
dos transportes públicos.
Este livro, muito bem documentado,
fica como referência sobre as grandes transformações que Portugal conheceu nos
últimos anos em questões ambientais. Foi um longo caminho, que Luísa Schmitt muito
bem tem acompanhado e que tem de ser continuado. É a nossa qualidade de vida
que o exige.
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