Sobre as aproximações e distanciamentos entre os sistemas educativos ocidentais, em 2007, Maria Teresa Estrela, professora de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, pronunciava-se assim.
P: "Os estudos internacionais continuam a mostrar uma fotografia muito cinzenta dos índices de qualificação dos portugueses. Onde estamos a falhar?
R: Julgo que houve uma série de erros acumulados ao longo do tempo. Por um lado, penso que há heranças históricas que demoram dezenas de anos a ultrapassar. Em 1986, quando se publica a Lei de Bases do Sistema Educativo, o país ainda tinha taxas impressionantes de analfabetismo e o nível médio de instrução dos portugueses era muito baixo. Os estudos internacionais comparativos são sem dúvida importantes, mas creio que devemos ser prudentes na sua interpretação, pois deveríamos atender não só aos contextos nacionais como à construção dos objectos de comparação. Dizia-me um dia destes uma colega que tinha visto estatísticas polacas sobre o nível de instrução dos pais dos alunos que frequentavam o sistema educativo e que não havia comparação possível com os pais portugueses. Se fôssemos comparar com outros países de Leste é provável que o desfasamento fosse o mesmo, pois parece-me que o ensino foi um dos domínios em que os regimes comunistas funcionaram melhor. Portanto, muitos alunos portugueses têm a seu desfavor a descontinuidade entre a cultura familiar e a cultura escolar.
Por outro lado e para além dos constrangimentos económicos de um país pobre, há uma acumulação de erros que resultam de vários factores: decisões políticas menos felizes, mormente no que se refere à concepção do ensino obrigatório que, como atrás se disse, desresponsabilizava o aluno. Por outro lado, desde que entrámos na OCDE, ainda no regime anterior, que as preocupações pelas estatísticas parecem tornarem-se preponderantes, dando uma aparência de sucesso das políticas assumidas e levando a uma atitude de facilitação por parte de alguns professores. Julgo que uma deficiente preparação dos alunos no 1.º ciclo condiciona o sucesso escolar posterior e incompreensivelmente há alunos que chegam ao 2.º ciclo sem saberem ler e escrever e, por isso, dever-se-ia olhar com mais atenção o que se passa neste ciclo das aprendizagens mais básicas. E estas realidades são muitas vezes ocultadas pela tendência para o predomínio das retóricas eloquentes, dos grandes slogans. Certamente que elas são bem intencionadas, mas são desfasadas em relação aos meios disponíveis para a sua concretização, como se elas bastassem para mudar a realidade.
Depois, há factores de outra ordem, como por exemplo a ligação da progressão da carreira à formação contínua dos professores que ocasionou efeitos perversos e impediu a ligação desta aos projectos e às necessidades educativas das escolas. E, sobretudo, falharam as políticas sociais que favoreçam o cumprimento da missão da escola. Os desequilíbrios económicos são enormes, há grupos sociais em situação de exclusão e a falta de uma política coerente de acolhimento dos imigrantes causou problemas sociais agravados que se reflectem no quotidiano escolar. Se pensarmos que uma parte considerável dos alunos que vivem na zona das grandes cidades vive em condições sub-humanas e em famílias desestruturadas e, muitas vezes, em situação de risco, compreenderemos melhor as dificuldades das escolas e dos professores e algumas das razões da violência e indisciplina escolares e daríamos mais valor à acção dos professores. Não se pode pedir à escola o que ela sozinha não pode dar.
P: E para os próximos 20 anos? Que desafios se colocam à educação em Portugal?
R: As grandes prospectivas sobre a educação dos anos 60 revelaram-se bem falíveis, pois não previram o advento de factores conjunturais que perturbaram a economia das sociedades industrializadas e se repercutiram em dificuldades de financiamento das escolas e das reformas educativas. Num tempo de risco e de incerteza como o que actualmente vivemos, quem se arrisca a fazer prospectivas para 20 anos? Que será da sociedade do conhecimento e da informação se lhe faltarem as fontes de energia em que se baseia toda a vida do dia a dia? Qual será o papel de Portugal na União Europeia e um mundo globalizado, em que as instâncias de decisão parecem cada vez mais comandadas à distância? (...) parece-me mais importante preocuparmo-nos com os desafios presentes e que exigem alguns anos para serem vencidos e que, portanto, se prolongam pelo futuro próximo. Eles são muitos e de diversa ordem e bem conhecidos de todos, pois creio que nós, portugueses, somos peritos no diagnóstico mas pouco decididos e actuantes nas soluções.
Julgo que os desafios que se põem à Educação em Portugal são comuns a outros países, mas entre nós assumem uma particular pertinência: atingir o difícil ou para alguns impossível equilíbrio entre a igualdade e a equidade do sistema educativo, entre uma escola de massas e uma escola de qualidade para todos, entre uma escola que respeite todas as culturas e religiões e uma escola que não se demita em relação a valores básicos que, aliás, a própria Lei de Bases consigna. Por isso, são muitas e de diversa ordem as medidas que se impõem, mas talvez se possam sintetizar em algumas categorias muito gerais: combate ao insucesso e ao abandono escolar desde o início de escolaridade até ao final do ensino superior e empenho particular nas aprendizagens mais básicas, dispensando mais atenção aos mais desprotegidos; (...) procura de equilíbrio entre o global e o local (...); organização mais racional da escola e integração de outros técnicos que libertem os professores para as tarefas que são da sua exclusiva competência melhoria das relações na escola promovendo as relações com as famílias, em especial daquelas que carecem de alguma formação para acompanharem a vida escolar dos filhos, e com a comunidade local; reforço de uma política de qualidade do ensino superior acabando com a complacência com escolas públicas e privadas que não apostam na formação dos seus docentes (...) e com remunerações que não dignificam os seus docentes; incremento da investigação científica em educação que proporcione aos responsáveis políticos e aos professores leituras fidedignas da realidade e dêem elementos para a decisão e não consista em meros discursos opinativos de carácter ideológico ou político. E, neste aspecto, a responsabilidade está no nosso campo e talvez tenhamos muito que reflectir sobre a nossa responsabilidade social e sobre a nossa responsabilidade científica. Há muita coisa a mudar ou a melhorar, assim haja vontade política e bom senso nas mudanças."
In Educação Temas e Problemas, n.º 3, Edições Colibri, 2007, 235-243.
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11 comentários:
«combate ao insucesso e ao abandono escolar desde o início de escolaridade até ao final do ensino superior»
Sim, porque toda a gente foi feita para o ensino superior.
A propósito deste tema em debate parece oportuna a leitura de uma palestra apresentada por António Nóvoa, em Janeiro de 2007, no Sindicato dos Professores de São Paulo (Brasil) onde a pp 19, fornece uma antevisão das escolas nos 10 próximos anos, mas, como já passaram dois anos… nos oito próximos anos.
Tenho imensa pena mas "combate ao insucesso e abandono escolar desde o início de escolaridade até ao final do ensino superior"????
Será possível que esta conversa mole não mude? Se um jovem não quer estudar, o que podemos nós fazer? Receitamos um pouco de "eduquês" e já está?
Paremos, por favor, com a demagogia e o populismo que tem reinado no ensino em Portugal. É muito popular dizer-se que é possível transformar um aluno que não GOSTA e NÃO QUER estudar num engenheiro - mas TODOS sabemos que isto é FALSO (eu sei que há excepções...).
Portanto, por favor, paremos de enganar as crianças, os jovens e respectivas famílias!
Só para os eternos "velhos do restelo"...
consultem
claro nem tanto ao mar mas nem sempre (e sempre) só na terra.
"navegar é preciso"
... e "fartinhos da silva" nem flores irão ter no dia do seu finado, por este andar dos tempos.
ze do mundo
http://pauloquerido.pt/tecnologia/voce-leitor-quer-passar-se/
Caro ze do mundo,
Estou em crer que tira conclusões deveras curiosas sobre aquilo que escrevo, não gosto particularmente de "gaborolices balofas", mas tenho a dizer que conheço particularmente bem as tecnologias associadas à interface homem-máquina e sinceramente não estou a perceber o que isto tem de relevante para o que se tem discutido neste blog...
Temo que o caro ze do mundo possa colocar a hipótese de considerar que os programadores de interfaces não têm conhecimentos aprofundados de como programar e até saberem de cor as propriedades mais interessantes de cada objecto criado por eles ou adquirido a terceiros.
Espero que o caro ze do mundo não coloque a hipótese de considerar que quem realiza este tipo de projectos tem competências sem ter os conhecimentos extremamente aprofundados das matérias que precedem a aquisição dessas mesmas competências.
Espero ainda que o caro ze do mundo não coloque a hipótese de achar que as Universidades e as escolas não superiores onde os estudantes, que os EUA contratam, estudaram os tratam com o paternalismo que por cá vai acontecendo... é que isto não se passa de todo, quem quer ser alguém na vida só tem duas formas de o conseguir: 1. trabalhar MUITO, 2. esperar que a sorte lhe bata à porta. Em Portugal tem-se insistido na segunda hipótese...
NOTA: quado falo em trabalho, falo obviamente no trabalho que os estudantes têm que fazer! Sim, porque estudar é um trabalho muito sério e muito duro... e quanto mais cedo os estudantes perceberem isso melhor para eles!
Fartinho da Silva tem razão.
Quando entrei na escola, para mim, o estudo era um frete, um trabalho pesado que não me dava prazer nenhum, nem me motivava. Carreguei na cruz como Cristo carregou a dele.
Por isso, quando os meus filhos entraram na escola disse-lhes logo que iam aprender coisas novas que iriam dar trabalho, pelo que, sendo trabalho, teriam um pagamento semanal que corresponderia ao interesse que manifestassem pelo estudo.
Eles ficaram surpreendidos e, como Ortega e Gasset esclareceu que "surpreender-se é começar a entender", considerei que a medida seria auspiciosa.
Em contrapartida, como as notas representavam a fotografia da aplicação aos trabalhos escolares, por cada nota negativa eu teria de subtrair alguns escudos da semanada. E como ficaram também surpreendidos com a medida negativa, apoiei-me no Ortega e Gasset, porque isso significava que os meus filhos estavam a começar a entender.
Tudo na vida é trabalho, e tudo o que é trabalho tem contrapartidas porque o tempo é dinheiro.
Para terminar, e a propósito ou despropósito,socorro-me ainda desta opinião de Ortega e Gasset ao considerar que o "desporto, porque exige trabalho e aplicação para alcançar resultados, acabava por ser irmão do trabalho".
Aproveito para transpor correctamente a opinião de Ortega y Gasset:
"O desporto não é um prazer mas um esforço duro. Pode dizer-se, neste sentido, que é irmão do trabalho."
Mas já Shakespeare, no seu King Henry IV, o tinha afirmado: “If all the year were playing holidays to sport, would be as tedious as work.”
Resolvi parafrasear Shakespeare para o aplicar ao tema em discussão:
“If all the year were playing holidays to study, would be as tedious as work.”
Com as minhas desculpas ao autor.
Oh professor Fartinho nada receie em relação a mim, pois eu sou dos que concordo com muito do que diz e, desde já, em particular neste seu comentário!... Acho-o é muito zangado com a vida e o mundo que o rodeia (ou que os dirige)- espero que não necessite para já do divã - assim como ouotros comentadores que tudo acham de errado e que só os outros é que têm a culpa. E nós próprios? São os sinais dos tempos, é a própria evolução civilizacional quer gostemos quer não. A sobrevivência depende da capacidade de adaptação, não no sentido estritamente biológico - que é esforço, dedicação, trabalho, se quiser estudo, cultura, conhecimento, competência... tem toda a razão. Mas o próprio Ortega e Gasset também disse que ´nós somos nós e as nossas circunstâncis".
E os míudos não têm culpa, eles apenas fazem aquilo que os seniores lhes permitem fazer, sejam estes da família, da escola ou da sociedade em geral. Não espere voltar aos tempos da "nossa" escola... esses já foram.
saudações ze do mundo
Caro ze do mundo,
Provavelmente interpretei mal o seu comentário. Não estou zangado com o mundo, estou zangado com o facto de ver que quem nasceu com poucos recursos não tem grandes hipóteses de alterar o seu percurso no único local onde o poderia fazer: a Escola!
Para ter uma ideia, no colégio onde trabalho a fila de espera, apesar da crise, é a maior de sempre. Segundo a secretaria o número de alunos à espera de colocação aumentou mais de 18% em relação a Janeiro...
Outro aspecto que me está a deixar fulo, é a entrada de auto propostas de professores do ensino público que têm chegado à secretaria do colégio. Não lhe sei dizer o número, mas nunca vi tanto papel em cima da secretária da senhora que trata dessas questões! Fiquei particularmente surpreendido quando a senhora em questão me mestrou um cirruculum viate de uma professora com vinte e tal anos de experiência no ensino secundário de Inglês e fiquei chocado com a carta de apresentação em que a professora diz qualquer coisa como: "quero voltar a ser professora".
A este ritmo, a escola pública será muito rapidamente a escola dos pobres, pelo menos aqui na Grande Lisboa!
Portanto, como pode ver, qualquer pessoa com alguma sensibilidade não poderia ficar indiferente a estes sinais.
Quanto à escola pública não voltar a ser a nossa escola... concordo consigo!
Caro Professor Fartinho
Sabe, eu também podia estar a trabalhar numa escola privada – escola profissional (das que são a sério: Onde se trabalha por que há trabalho e não porque é preciso cumprir o expediente. Já lá trabalhei durante 7 anos acumulando com a actividade numa escola pública onde estou – optei por estar e ninguém me obrigou. Portanto sou funcionário público profissional e assumido, estou/estive em pior situação (financeira e estatutária) que a maioria dos docentes meus colegas. No tempo em que acumulei, nunca faltei ao meu principal serviço – público – para cumprir no privado. Tive óptimas condições de trabalho no privado e experiências com escolas congéneres europeias nos vários intercâmbios de formação que tivemos. No entanto quando se me colocou a opção optei pelo público. Não para ser o tradicional “funcionário”, passe a expressão, mas por entender que é aqui que eu tenho (devo ter) um papel activo a realizar em prol da transformação social que defendo (ou se calhar, muitos de nós aqui defendemos, e com o mesmo grau de rigor e exigência/excelência que o Professor Fartinho coloca nos seus comentários). E quando entendo que devo intervir contra a corrente “funcionalista”, burocrática, atabalhoadora do sistema – que nós próprios também construímos, eu vejo diariamente isso nos meus parceiros e superiores, por incompetência, falta de visão e espírito de prestação de serviço público – eu intervenho, contesto e dou contributos.
Sei que tem sido uma “balda” todo este sistema educativo desde o tempo do prec e que está sujeito a muitas experiências pseudo-pedagógicas aproveitadas por uns tantos, à custa duns mestrados e doutoramentos que é preciso fazer…quando vemos o sistema no seu todo. Mas também consigo ver oásis ricos de trabalho e envolvimento, de responsabilidade, de soluções para os problemas dos alunos, da escola e da comunidade envolvente. E, como disse, os miúdos podem “não saber muito” (o que é isso, face ao mundo tecnológico actual?), mas acredito no esforço de todos quantos dia a dia vão dando o melhor de si, apesar de tudo e de certos discursos mais descrentes. E se não sabem mais nem melhor há que responsabilizar quem de direito: dos mentores, aos decisores até aos aplicadores.
Na minha óptica, é por dentro das situações que devemos estar para as transformar – por fora só ficam os advogados da desgraça… tenho pena. Tenho pena, por exemplo, que neste país a culpa continue a morrer solteira relativamente a uma série de atentados que se cometeram/cometem nos mais variados sectores públicos (e privados). Então no da educação!... e não tem sido só este governo/ministra, que de todos, ainda assim, procuraram mexer com o status quo...
ze do mundo
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