O neuro-cientista Michel Desmurget investiga os efeitos dos ecrãs e dos teclados no desenvolvimento humano, em especial na infância e adolescência. O seu trabalho é reconhecido em França, onde vive, e noutros países, incluindo Portugal. Tem um currículo sólido e não há razões para duvidar da seriedade dos estudos que faz, incluindo os de revisão da literatura.
Publicou vários livros acessíveis ao grande público. Para o objecto deste apontamento destaco três:
- TV lobotomia: A verdade científica sobre os efeitos da televisão (2011);
- A fábrica de cretinos digitais. Os perigos dos ecrãs para os nossos filhos (2019);
- Ponham-nos a ler. A leitura como antídoto para os cretinos digitais (2021)
Isto significa que os educadores e professores, os investigadores que se dedicam ao ensino e à aprendizagem, os formadores de professores e de outros educadores, os responsáveis por reformas educativas e formativas... não podem desconhecer estas publicações ou passar-lhes ao lado. Elas foram bastamente noticiadas, o seu autor desdobrou-se em entrevistas e conferências, foram-lhe dedicados programas de televisão e artigos de fundo nos jornais (ver, por exemplo, aqui, aqui).
A Desmurget devem juntar-se outros investigadores de cujo trabalho se retiram as mesmíssimas conclusões (ver, por exemplo aqui): por regra, os ecrãs e os teclados não ajudam a aprendizagem escolar, perturbam-na! Essa perturbação é de diversa ordem e, tendencialmente, grave. Assim, por regra, devem ser evitados.
Na aprendizagem da leitura (e também da escrita), esses efeitos são particularmente preocupantes.
Se sabemos isso (temos obrigação de o saber, não o podemos ignorar) e se estamos vinculados ao princípio (temos obrigação de estar, não podemos deixar de estar) de beneficiar (ou pelo menos de não não prejudicar) aqueles que estão ao nosso cuidado, há que perguntar:
Porque insistem educadores e professores, investigadores que se dedicam ao ensino e à aprendizagem, formadores de professores e outros educadores, responsáveis por reformas educativas e formativas... em práticas pedagógicas lesivas?
Regressei a esta pergunta ao ler o artigo de opinião ao lado identificado e de acesso livre.
Nele a autora, com credenciais académicas e profissionais, defende o uso das novas tecnologias digitais na aprendizagem da leitura, enunciando várias vantagens.
De notar que não identifica qualquer estudo da "vasta investigação" que diz corroborar a sua posição, nem da vasta investigação que a põem em causa. Assim, o texto resultante, sobre uma aprendizagem escolar básica, assenta na crença. Tal é reconhecido pela autora:
"Acredito que a capacitação digital que é preconizada permitirá num futuro próximo, que todos os professores possam recorrer às tecnologias para ajudar os seus alunos a superar as dificuldades, desenvolvendo-se integralmente com recurso a estratégias diversificadas, eficazes e motivadoras."
O que será de dizer? Talvez, como Desmurget, não agora aos alunos mas aos responsáveis pela sua aprendizagem: que leiam! Leiam os estudos que confirmam e que infirmam as suas posições de partida, verifiquem os seus propósitos, metodologias e resultados e, sobretudo, que se detenham nas consequências da acção pedagógica que deles decorrem.
7 comentários:
Creio que foi o Professor José Hermano Saraiva que disse: "de que vale ensinar os meninos a ler na escola, se depois não leem ()?!
Já mais recentemente, em pleno consulado de António Costa, chefe da Geringonça de Esquerda, os insignes Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, e Jerónimo de Sousa, do Partido Comunista Português, foram mais longe, oferecendo manuais escolares a todos os alunos. Ainda na mais recente campanha eleitoral, a bloquista Mortágua e o comunista Raimundo lembravam ao eleitorado que para tomar medidas progressistas, nomeadamente no campo da educação, não havia ninguém como eles! Não obstante ser beneficiário indireto desse bodo aos pobres, porque sou autor de um desses manuais "gratuitos", considero que essa medida política, lucrativa para os livreiros, mas com custos pesados para o erário público, a nível de "melhoria das aprendizagens" teve resultados nulos. Atualmente, nas escolas a medida da melhoria das aprendizagens é feita com base em grelhas, preenchidas com textos extensos ou cruzinhas em quadradinhos, onde o professor, quer o aluno tenha aprendido pouco, ou nada, deve registar, por defeito, a progressão notável que observou. Se cai na asneira de fazer uma, que seja, observação negativa, vai sofrer as consequências na sua própria avaliação de desempenho docente.Resumindo, no atual sistema de ensino não interessa para nada se o aluno aprende a ler, a escrever e a contar, com a ajuda de livros ou computadores. Agora, só interessa que os diplomas de todos os alunos atestem que todos os alunos sabem ler, escrever e contar!
Pela comentário do anónimo poderemos concluir que o problema apontado à Educação resulta da participação do bloco e dos comunistas aquando da geringonça, é isso? Os sucessivos governos ora do PS ora do PSD não têm responsabilidade? Havia geringonça no governo de Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues? Passos Coelho e Crato fizeram melhor?
Aquando das minhas leituras de artista quando jovem, ou de jovem, quando artista, enfim, quantos quandos?, uma frase "propter nos homines et propter nostram salutem" em que, não por acaso, tropecei (que andava eu a fazer por aquelas caminhos?) e que, desde então, me tem servido de lema, com o sentido que lhe atribuí, em todas as situações que requerem a minha decisão. Ficará aquém de outro dos lemas, que também adotei à primeira vista “ama e faz o que quiseres”, mas este, sendo mais da ordem da incoercibilidade do sobrenatural, não possui o caráter vinculativo e eticamente exigível àqueloutro.
Se tudo o que fizermos for intencionalmente dirigido à produção de efeitos e de consequências benéficas e salutares para os homens, independentemente de fazermos muito ou pouco, já nos dá a garantia de estarmos a salvo de qualquer censura, porque só podemos ser censurados, pelos humanos, pelas nossas intenções, se elas não forem as melhores no plano ético jurídico, avaliadas pela prova, por inferência, do conhecimento e grau de consciência que tivermos dos seus efeitos e consequências, e pelos deuses, se elas não forem absolutamente isentas de mácula, segundo critérios que importam muito menos do que a benevolente compreensão do juiz supremo com o qual é suposto existir uma insondável e misteriosa relação, absolutamente parcial e pessoal.
Quando está em causa a saúde, em geral e a saúde mental, em particular, está tudo em causa. As jovens mentes colonizadas por formas que as submetem à tirania dos oráculos digitais, insensíveis, incapazes de paixão e de amor pelas musas, dificilmente se excitam em fazer o moroso e trabalhoso percurso até Delfos, como se o oráculo de Apolo estivesse na ponta dos dedos e para desvendarem o futuro não precisassem de entender Apolo e Dionísio.
Deixam assim as divindades do Parnaso, petrificadas, à medida que alinham os seus crânios ermos em paradas robotizadas de ordem unida de marionetas num parque de manobras militares dos fantasmas do que, antecipadamente, são.
Ponham-nos a ler, entreguem-nos a essa estranha solidão de criar as cidades que nunca visitaram, de imaginar o significado do que não haviam pensado, de imaginarem pratos que nunca confeccionaram, de interpretarem rótulos de garrafas cujos conteúdos não saborearam, de se iludirem com coisas que valem a pena, porque não faltarão oportunidades para confirmarem que as suas imaginações correspondiam a realidades e sentirem a satisfação, ainda que tardia, de que não teriam chegado a elas se não as tivessem imaginado, nem a sorte que tiveram em não as terem provado.
Nem de propósito, hoje no público lemos “Videojogos nas aulas motivam alunos com baixas notas”, notícia que rapidamente se alastrou aos demais órgãos de comunicação social, SIC Notícias e CNN Portugal, por exemplo.
A notícia refere que no estudo “Os Jogos na Escola 2023-2024” 46% dos professores inquiridos afirmaram que os “alunos beneficiam” com a prática. E não vou falar da falta de rigor científico do estudo por ser demais evidente.
Joaquim Fialho reconhece que os jogos “são muito importantes na estratégia pedagógica, porque, por um lado, aproximam gerações – a dos professores e a dos alunos – e, por outro, aumentam o envolvimento dos estudantes nas aulas”. Sobre o primeiro argumento não sei a que variável pedagógica Joaquim Fialho se refere e, relativamente ao segundo, sobre o aumento do envolvimento dos alunos, pudera, quem não quer jogar. Só fica a faltar a matéria curricular.
Sobre os malefícios apontados, a notícia também evoca uma crença que persiste em muitos dos investigadores da área da Educação, refiro-me à educação das crianças e dos jovens por via do aconselhamento, descurando neste caso em particular o princípio segundo o qual crianças e jovens nascem com a noção do que importa. Erro crasso.
Prezado Rui Ferreira, li a notícia a que se refere. O meu juízo foi semelhante ao seu. Apesar de haver contraditório científico, ele não colhe a devida atenção na comunicação social... nem onde realmente devia: escolas, universidades e centros de investigação... A educação escolar pública está assente em crenças... naturalmente, criadas por quem tem interesse que elas vinguem. Cordialmente, MHDamião
O pouco que Nuno Crato pôde fazer, fez melhor!
De há cerca de cinquenta anos para cá, pelo menos, tenho vindo a assistir, da primeira fila, ao abastardamento do ensino público em Portugal. Lembro-me do tempo em que inspetores iam às escolas primárias verificar se os professores ensinavam e se os alunos aprendiam. Também é do meu tempo a criação, por especialistas políticos, da carreira única dos professores do ensino básico e secundário e dos educadores de infância.
Uma revolução que teve na sua génese a revolta dos oficiais do quadro, formados na Academia Militar, muitos deles filhos de uma pequena burguesia em ascensão, contra a promoção de oficiais milicianos, oriundos das universidades e politécnicos burgueses, acabou com a divisão absurda entre carreiras profissionais de professores do liceu e de escolas industriais e comerciais, professores primários e educadores de infância. Se uns contam histórias da carochinha e outros ensinam trigonometria e números complexos, isso não pode implicar, nomeadamente em termos de função profissional e remuneração adstrita, que um professor do liceu seja diferente de um babá, por equivalência, ou devidamente diplomado. Em concomitância com a carreira única, o principal sindicato do professorado é, desde há muitos anos, chefiado por um professor primário comunista. Em resultados das lutas constantes dos comunistas, os professores do ensino secundário viram desaparecer o pouco prestígio social de que ainda dispunham, para acabarem por ser equiparados às nobres classes operária e campesina, nomeadamente em termos de remuneração.
Mas o clímax aconteceu no consulado de Maria de Lurdes Rodrigues. Por essa altura, já era a própria educação que tinha perdido o interesse dos políticos – o que estava em causa era organização do trabalho do professorado, que tinha de ser alterada de maneira que o Estado pudesse poupar o máximo dinheiro com ordenados. Inventaram-se horários de maneira que os professores ficam encerrados nas escolas horas e horas, quais empregados de escritório, que se deslocam de sala para sala, a toque estridente de campainha, com ordens para não aborrecerem os alunos com matérias de ensino, deixarem que os alunos se autoavaliem e avaliá-los sempre com classificações muito positivas que reflitam o sucesso de todos e da escola. Esta ministra chegou ao paroxismo da criação a categoria de Professor Titular, com critérios tão bons, ou tão maus, que, percentualmente, em relação a cada um dos tipos de docentes, onde houve mais professores titulares foi nos educadores de infância.
Ela dizia que era bom para eles! Quantos mais professores titulares, maior o seu
prestígio social.
Portanto, o clímax nada teve que ver com o bloco ou com os comunistas. Para quê a 1.ª referência?
Sobre Crato, sim, fez algumas coisas melhor, mas, na essência, manteve tudo igual, modelo de gestão não democrático, ADD kafkiana que nada avalia, estatuto do aluno permissivo, inclusão que exclui, ...
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