Por Cátia Delgado.
Num programa de debate sobre “as competências que faltam a Portugal” para aumentar a produtividade do país, transmitido pela RTP3, em colaboração com a Fundação Francisco Manual dos Santos (FFMS), no passado dia 21 de setembro, perguntou-se, a um empresário, a um professor de economia, a uma investigadora da mesma área e a um sociólogo,
como se devem preparar os jovens para o futuro?
Tendo em conta a transformação digital a que se assiste, no meio empresarial, deverá a escola primar por novas competências mais transversais?
Pedro Góis, sociólogo da Universidade de Coimbra, destaca o papel da Universidade, detentora de uma “massa crítica” privilegiada, para dar resposta às necessidades do mercado, havendo a necessidade de uma maior articulação entre esta e as empresas, que deverão reconhecê-la como o parceiro ideal no que à formação diz respeito.
Sobre a direção a tomar pela educação formal no sentido de melhor formar os jovens, o académico coloca a tónica na finalidade última da Universidade:
“Ela também pode formar e dar ferramentas para o trabalhador imediatamente entrar no mercado de trabalho, mas nós queremos sobretudo que os nossos alunos aprendam a pensar, sejam talentosos na criatividade e não sejam mecanizados no uso de tecnologias que, todos sabemos, rapidamente se tornarão obsoletas. Se nós os prepararmos para usar determinadas ferramentas e não os prepararmos para aprenderem a usar qualquer ferramenta, falhámos o nosso objetivo.”
David Autor, economista norte-americano e professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT), alertou ainda, que o conhecimento é um investimento valioso a longo prazo, pelo que, se Portugal quiser prosperar, deverá apostar no aumento dos níveis de formação universitária. O seu conselho para qualquer jovem estudante que queira vingar num mercado de trabalho cada vez mais marcadamente digital, cuja ameaça da eliminação de certas funções executadas por humanos, devido ao desenvolvimento das tecnologias, sobre ele paira, é simples:
“Algo que as máquinas não podem fazer, mas que as pessoas fazem melhor com máquinas. Pode ser na medicina, educação, design, pesquisa, trabalhar com dados (...). Há muito espaço para as pessoas acrescentarem valor. Não precisamos de competir com as máquinas. (...) Mas podemos usar as máquinas como ferramentas para sermos mais eficazes naquilo em que somos excelentes. Encorajo os estudantes a saberem comunicar, escrever, apresentar, liderar e a pensarem de forma analítica.”
A evidência é clara: as competências que melhor prepararão os jovens para a incerteza do futuro são as humanas e, como tal, desenvolvidas no campo das Humanidades, tendencialmente colocadas de parte pela escola, com primazia das STEM (áreas da Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática).
Também Michel Desmurget, autor do livro “A fábrica de cretinos digitais”, neurocientista e diretor de investigação do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica francês, foi chamado à discussão, apresentando o seu conhecimento sobre as consequências da exposição demasiado prolongada aos ecrãs para as capacidades cognitivas (até 1 hora por dia em crianças acima dos 6 anos de idade ou jovens é admissível). Considerando as novas tecnologias uma boa ferramenta, diz que não estamos a tirar o devido partido delas, privilegiando-se o seu uso pelo divertimento. Neste domínio, os efeitos adversos do contacto excessivo com ecrãs, sobretudo em crianças e jovens, são numerosos:
- afetam a nossa capacidade de pensar e de interpretar o mundo;- o desenvolvimento da linguagem fica comprometido;- têm efeitos sobre a capacidade de concentração;- induzem a problemas de memorização;- influem a transtornos do sono;- a integridade do nosso funcionamento é afetada.
Com efeito, o especialista considera que, no que toca à integração do digital na preparação das crianças e jovens para “um mundo em mudança acelerada”, deve primar a cautela. Em última análise, remata:
“Se queremos arruinar o sistema de atenção de uma criança, o multitasking (pedir-lhe que faça várias coisas ao mesmo tempo) é uma boa forma de comprometer o sistema de atenção.”
José Manuel Rosendo, que guiou a entrevista, a partir de França, conclui:
“Um problema complexo. Preparar o futuro passa por dar ferramentas úteis e por valorizar o esforço de aprendizagem. Aprender a ler o mundo deve ser o objetivo. As novas tecnologias até podem ser uma ajuda preciosa, mas tem de haver regras.”
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2 comentários:
As principais competências a desenvolver pela educação escolar são as que estão relacionadas com o ato de pensar, mas, infelizmente, no ministério da educação não pensam muito nisto. Limitam-se a ordenar aos professores que avaliem cada um dos seus alunos com base em imensos domínios, subdomínios, temas, rubricas, ponderações, tabelas para a operacionalização dos critérios de avaliação, instrumentos de registo, descritores por níveis de desempenho, etc, e enquadrem cada um dos itens anteriores no perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória e nas aprendizagens essenciais. Os profissionais, sejam eles espíritos superiores ou de feitio quadrado, a quem são incumbidas estas tarefas indecifráveis e inexequíveis em contexto de sala de aula, entram na farsa dos critérios da avaliação por domínios e dão excelentes classificações que refletem uma melhoria nas aprendizagens que conduz ao sucesso educativo inclusivo.
Assim, o objetivo real da educação é facilmente atingido e, ao mesmo tempo, mandam-se para as malvas os execráveis saberes enciclopédicos e humanistas.
"Assim, o objetivo real da educação é facilmente atingido e, ao mesmo tempo, mandam-se para as malvas os execráveis saberes enciclopédicos e humanistas"
Permita-me o acrescento:
"Assim, o objetivo real da educação é facilmente atingido e, ao mesmo tempo, mandam-se para as malvas os execráveis saberes enciclopédicos e humanistas, com todos os prejuízos para a vida dos alunos".
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