Por Maria Helena Damião e João Boavida
Luís Aguiar-Conraria, professor de Economia da Universidade do Minho e colunista do Expresso publicou no dia 7 deste mês um texto de opinião com o sugestivo título "O congelador social". Referia-se, em especial, ao sistema de ensino português. A ideia que defende é a que se pode ler abaixo:
A frase é forte e lança uma suspeita séria sobre parte da população portuguesa. Mas o articulista explica-a: só uma pequena percentagem de almas pode ascender e ficar no topo da escala social, de modo que se um sobe, outro terá de descer. Logo "quem lá está quer que os seus filhos lá fiquem", tratando de "impedir que os filhos dos outros lá cheguem".
Tendo a escolaridade aumentado para todos "as formas de discriminação" não se eclipsaram, tornaram-se "mais subtis":
"Há cursos melhores e piores e as escolas básicas e secundárias parecem desenhadas para assegurar que são os filhos das famílias certas que ascendem aos cursos certos (...). Com a debandada das classes altas e médias altas para as escolas privadas, ficámos com um ensino segregado: as públicas ficam com uma clientela sem capacidade reivindicativa e sem competências para apoiar as suas crianças, que por sua vez ficam sem os pares que podiam puxar por elas. Há exceções, mas são isso mesmo, exceções (...). As privadas tornam-se bolhas de privilégios e garantem o serviço: não só dão notas inflacionadas como garantem uma mais intensiva preparação para os exames. Os mecanismos de controlo que permitiriam atenuar estas diferenças têm vindo a ser paulatinamente destruídos (por Governos socialistas, sublinhe-se).
Para se perceber melhor o caso português, recorre ao caso-paradigma que é os Estados Unidos:
"No início de setembro (...) saíram os resultados de exames nacionais a crianças de nove anos. Os resultados foram assustadores. O título do “The New York Times” é ilustrativo: 'A pandemia apagou duas décadas de progresso na matemática e na leitura' ”.
E ironiza (amargamente):
"Agora assustei o leitor, ficou preocupado com o seu filho ou com o seu neto. Mas não se preocupe, olhando para os dados com mais detalhe, percebe-se que quem se lixa são os mesmos de sempre. Foram os piores alunos a ver a sua performance cair mais, os melhores quase não foram prejudicados. Se olharmos para a decomposição étnica, é mais do mesmo: negros e hispânicos foram afetados de forma desproporcionada. E a explicação é simples: as escolas destes alunos não estavam preparadas para ficarem fisicamente fechadas, além da ausência de apoio familiar em casa com as aulas à distância"
Considera outro exemplo: Itália:
num certo estudo, "os autores compararam a evolução da aprendizagem das crianças com pais sem curso superior com as restantes. Novamente, a generalidade das crianças viu os seus resultados (neste caso, em Matemática) piorar e, mais uma vez, as que tinham pais sem curso superior ficaram mais prejudicadas. O resultado verdadeiramente animador para as classes dominantes vem a seguir: os que mais perderam com as escolas fechadas foram os melhores alunos das famílias mais desfavorecidas."
Voltando a Portugal, diz:
"como não temos dados, podemos fingir que isto não aconteceu e que as desigualdades não se agravaram".
3 comentários:
Em Portugal, já houve tempos em que a escola secundária pública tinha qualidade. Depois essa qualidade teve de baixar muito, para que a escola acolhesse no seu seio, e, essencialmente, diplomasse, sem grandes rigores nem exigências na formação, todos os filhos dos trabalhadores braçais e de outros cidadãos vítimas de discriminação social. Assim, um dia, quando todos sem exceção, pudessem exibir o seu diploma à saída da escolaridade obrigatória, deixaria de haver diferenças entre o filho do pobre e o filho do rico - a escola transformada em elevador social. Mas a realidade da vida em sociedade é mais forte do que as boas intenções. O nivelamento por baixo, nomeadamente no que se refere à pobreza das matérias a saber pelos alunos, bem como à indisciplina e violência que se instalaram na escola pública, provocaram a debandada das classes média alta e alta para as escolas privadas. Os professores do ensino secundário, muitas vezes vistos como filhos da burguesia, acabaram por levar por tabela, perdendo prestígio social, nomeadamente quando foram equiparados profissionalmente a educadores de infância. De aqui para a frente a educação do povo é sempre a descer até ao pleno sucesso estatístico.
Prezado Leitor, a qualidade (palavra com muitos significados) da escola pública de baixar para acolher filhos de pessoas de níveis sociais, culturais e/ou económicos mais baixos. O seu dever é cumprir o direito universal à educação. Todas as crianças e jovens têm direito à educação que só a escola pode proporcionar. Se o nível baixa para acolher crianças e jovens de quem se tem poucas expectativas (por referência à família, ao grupo, à etnia...) é porque estamos a falhar em toda a linha.
A minha opinião é que estamos a falhar em toda a linha. Cedemos a todas as pressões que se fazem sentir sobre a escola pública (políticas, económicas, ideológicas...), deixámos que fosse praticamente destruída. Com honrosas excepções, que as deve haver, a escola demitiu-se de educar, não educa nem os "mais favorecidos", nem os "menos favorecidos", nem os "mediamente favorecidos". Não se trata de não cumprir como "elevador social", mas como "elevador". Um "elevador" que eleva quem aprende ("élève", significa em francês aluno) no sentido de lhe permitir transcender os limites do seu mundo.
Cumprimentos, MHDamião
O problema de haver uma escala social, muito mais do que escalas sociais, ou elites sociais, e o problema de haver, não haver, ou fazer, não fazer elevadores sociais, alimentam-se uns aos outros e potenciam-se uns aos outros, numa relação tanto mais viciosa, quanto mais normalizada e institucionalizada. Andamos ou não andamos a promover e a cultivar e a cultuar, e a consagrar as escalas sociais, as pirâmides hierárquicas, as discriminações sociais? O nosso sentido crítico, as representações e as avaliações que fazemos, por exemplo, dos papéis e dos estatutos sociais que nos são indissociáveis, escapam às perspectivas que temos a partir das nossas reivindicações? Poderemos pensar e questionar esses problemas, não apenas na perspectiva de quem está em cima, no meio ou em baixo, ou adoptando lentes amplificadoras (que não altera o problema geral), mas como problemas de um corpo habituado a sentir (maus hábitos) que vê demasiadas dificuldades em pensar em mudar (e adquirir bons hábitos)? Por que é que precisamos de elevador social? E porque chamar-lhe elevador social se não é suposto que sirva também para descer?
Elevador social que não funciona é como sistema judicial que não funciona, não é, não existe.
E se existisse, teríamos que fazer fila à porta para aguardar a nossa vez? Haveria fura filas? Que se lhes poderia fazer? Seria obrigatório ir para a fila, ou, simplesmente, poderíamos ignorar o elevador e a escala social, e ir tratar da nossa vida? E quanto é que custaria o bilhete do elevador social? Quantos patamares ou pisos seria possível aceder? Seria mesmo como um elevador? A pessoa entra e fica à espera de chegar lá acima?
O que existe é uma expectativa infundada de que existe elevador social. Vai tudo para uma fila de espera e não acontece nada, todos pensam que ainda não chegou a sua vez. Mas só está na fila quem acredita no elevador social, ou quem não precisa de pensar nisso. Há gente para quem o elevador social nem sequer é uma expectativa, porque estão no primeiro andar a contar vindo do céu.
Outros não consideram vantajoso frequentar as alturas e até têm fobia, querem é que não se ponham às suas cavalitas ou os tratem com menosprezo.
Mas os que estão na fila, não só não se revoltam, como estão de acordo com a ficção do elevador social, acreditam nela e gostavam que fosse verdade.
Ao fim de uns anos muitos continuarão resignados à sua sorte e outros não questionarão sequer que ainda estão no elevador que demora, mas acabará por chegar. A esperança é a última morrer.
Estamos a falar do elevador social Escola, ou seja, de um serviço social para mitigar os desfavorecidos.
Se quisermos falar da Escola, não como elevador social, mas como lugar, espaço, instituição cuja vocação seja ensinar e educar quem quer aprender, o caso muda de figura.
É possível encontrar uns alunos ingénuos e inadaptados, talvez mesmo estúpidos, que pensam que a Escola é para aprender e para abrir as mentes e para descobrir imensas realidades surpreendentes e até surpreendentemente inúteis e estas até surpreendentemente mais interessantes. Estes nem percebem que estão na fila de um elevador social, mas também não perdem mais com isso.
Em geral, a ficção do propalado elevador social tem como consequência que se vá à Escola não para aprender, mas para obter diplomas, tipo bilhetes de acesso a um elevador que ainda deve estar preso no último andar, donde nunca desceu, porque um elevador social não desce.
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