segunda-feira, 10 de outubro de 2022

MEU PREFÁCIO A “O PATRIMÓNIO É MEU, É TEU, É NOSSO. VAMOS CUIDÁ-LO” DE ADÍLIA ALARCÃO (ED. FUNDAÇÃO BISSAYA BARRETO):


O nome de Adília Alarcão era, para mim, uma lenda, quando tive o gosto de a conhecer de forma mais próxima no quadro do conselho que foi criado para apoiar a organização da «Coimbra - Capital Nacional da Cultura», em 2003.

 Ela era, na altura, directora do Museu Nacional de Machado de Castro, em Coimbra (que dirigiu entre 1999 e 2005, para além de uma direcção curta em 1979) e tinha, atrás de si, no seu notável currículo, a direcção do Museu e das Ruínas de Conímbriga, em Condeixa-a-Velha, onde esteve entre 1967 e 1999 (esses 32 anos de dedicação plena à antiga cidade romana fizeram-na merecer o epíteto de “Senhora Conímbriga”). Foi no seu tempo que prosperou o Museu Monográfico de Conímbriga, que tão bem mostra objectos romanos cuidadosamente restaurados. 

 Na grande maioria das vezes vi-me a concordar com o que Adília Alarcão dizia no conselho que referi: a sua opinião, expressa num tom sereno e delicado, era sempre clara e inteligente. Verifiquei a vastidão e densidade do saber acumulado através da sua prolongada experiência de protecção do património. 
 Agora, passada uma década e meia desde que se reformou, continua a transmitir-nos o seu rico saber sobre o património. Neste livro, dirigindo-se especialmente aos mais novos, fá-lo de maneira inovadora. Concebeu uma história muito plausível passada em ambiente escolar, que se apoia num diálogo também bastante plausível, na qual os alunos aprendem o valor do património a partir de um trabalho prático: o aparecimento de uma pichagem na parede de uma capela antiga é o pretexto para todo um percurso de aprendizagem, que congrega várias disciplinas. A revisão científica foi, por isso, feita por especialistas de diferentes áreas. 

Património (do latim, patrimonium, de patri, pai + monium, recebido) é, em direito e economia, o conjunto de bens, direitos e obrigações de valor económico de que é titular uma pessoa singular ou colectiva. Pode, como indica a etimologia, ter sido recebido como herança, ou pode ter sido adquirido. Mas, no âmbito da cultura, a ideia de herança prevalece: património cultural é o “conjunto dos bens materiais ou imateriais transmitidos pelos antepassados e que constituem uma herança coletiva” (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa). O património, recebido dos nossos antepassados, é nosso no presente e deve ser dos nossos vindouros. Como nem tudo o que se recebe se pode conservar de modo a ser transmitido, considera-se património o melhor da herança que nos foi legada, precisamente aquilo que vale a pena transmitir. É tudo o que por várias razões - sociais, políticas, religiosas, estéticas, afectivas, etc. - valorizamos e, contrariando a usura do tempo, entregamos ao futuro. 

 Adília Alarcão mostra neste livro, servindo-se de exemplos concretos e de um processo heurístico, o que é o património, tanto material como imaterial, quais são os agentes que ameaçam a sua preservação, e o que podemos e devemos fazer para o entregar, em bom estado, à posteridade. Os alunos desta história aprendem pensando e fazendo, que é a melhor maneira de aprender. Os alunos do 2.º ou 3.º ciclos que lerem este livro poderão fazer o mesmo.

 A escola não cumprirá a sua missão de garante da continuidade humana se não conseguir consciencializar as crianças e jovens do enorme valor do património. É da sua essência seleccionar, de entre todo o rol de conhecimentos e valores que a humanidade foi juntando ao longo do tempo, aqueles que são imprescindíveis para as novas gerações. Ora, a noção de património é das que são mais indispensáveis na nossa vida colectiva, pois sem um bom conhecimento do passado não pode haver uma identidade comum que nos permita continuar no trilho do tempo. Para que a humanidade, organizada nas suas várias comunidades, saiba quem é e para onde há-de ir, precisa antes do mais de saber quem foi. 

 Este livro, uma feliz edição da Fundação Bissaya Barreto, pode ser muito útil nas escolas ou nas famílias para a tomada de consciência, desde tenra idade, da relevância do património. Um outro livro que pode ser útil, neste contexto, é Ciência a Brincar. Descobre o Património! (Bizâncio, 2008), que Constança Providência escreveu comigo e que, fazendo parte do Plano Nacional de Leitura, é recomendado para a realização de projectos entre o 3.º e o 6.º anos de escolaridade. Essa obra resultou de um desafio que Adília Alarcão nos lançou no referido ano de “Coimbra - Capital Nacional da Cultura” para a concepção de uma maleta pedagógica que permitisse desenvolver nos infantes o respeito pelos monumentos. A maleta não se pôde fazer, por a Capital ter seguido outros caminhos, mas fez-se um guia de experiências simples que indicam como se pode aprender a valorizar o património. Tais experiências podem servir para projectos a realizar na escola ou fora dela de modo a fortalecer a ideia de património. 

 Como bem diz o título desta obra, o património é de todos nós. Se o valorizarmos, conservando-o o melhor que formos capazes, será também de todos aqueles que vierem depois de nós. Temos esse compromisso para com o futuro. 

 Coimbra, 15 de Setembro de 2021 
 Carlos Fiolhais 
Professor de Física da Universidade de Coimbra

Sem comentários:

A LIBERDADE COMO CONSTRUÇÃO HUMANA E FINALIDADE ÚLTIMA DA EDUCAÇÃO

"O Homem é incapaz de gerir a sua liberdade por natureza.  É preciso educar-se a si mesmo.  Disciplinar-se, instruir-se e finalmente, ...