sábado, 22 de outubro de 2022

UMA COLHEITA NA SEARA DE BERTRAND RUSSELL A BEM DA SAÚDE MENTAL

 Por Eugénio Lisboa

Tem havido alguma reacção civilizada, mas visivelmente incomodada, às impertinências brincalhonas que publiquei, a propósito de uma entrevista dada por Gonçalo M. Tavares ao JL. Queria no entanto esclarecer que o facto de usar um tom brincalhão não significa que não estivesse a visar um objectivo muito sério. 

A verdade é que grassa pelo nosso milieu cultural uma vaga de irracionalismo, que vê génio em tudo o que é obscuro e vagamente misterioso e oracular. Um exemplo desse “génio” que fabrica apocalipses portentosos, usando frequentemente um português trôpego e macarrónico, como quem bebe copos de água, é o escritor Gonçalo M. Tavares, louvado, galardoado, traduzido (à custa de generosos subsídios), canonizado por tudo quanto é poder literário. 

O aplauso frenético e altamente abrangente que lhe é dado indicia um elevado grau de iliteracia funcional, em grande parte atribuível ao nosso sistema educativo, que tem patrocinado os projectos e filosofias mais delirantes. Sim, é sempre uma educação deficiente que explica estas vagas de obscurantismo sebastianista. 

A este respeito, apetece-me abonar-me na mente sempre cristalina e destemida de Bertrand Russell: “Deparamos com o facto paradoxal de que a educação se tornou um dos principais obstáculos à inteligência e à liberdade de pensamento.” 

Foi-me um dia argumentado que a minha falta de entusiasmo pela obra do oráculo GMT era uma de dissidência em um milhão de aclamadores. Como se isto fosse resposta com algum sustento filosófico. A certa altura da história da humanidade, quase toda a gente tinha a certeza de que a Terra era plana, que o Sol girava à volta da Terra e que os antípodas andavam de cabeça para baixo. E, no entanto, tudo isto era falso. Como observava Russell (sempre ele!), “o facto de que uma opinião tem sido largamente partilhada não evidencia de maneira nenhuma que não seja completamente absurda”. 

Em suma, o meu objectivo é solicitar que olhem para estas coisas com um mínimo de apetite crítico e se não deixem arrastar por um entusiasmo que pode ser da ordem das coisas mórbidas. 

Para vos pôr em boa onda, deixo-vos aqui algumas pérolas colhidas na farta e lúcida seara de Bertrand Russell: 

Do not fear to be eccentric in opinion; every opinion now accepted was once eccentric. 

Many people would sooner die than think; in fact they do so. 

It has been said that man is a rational animal. All my life I have been searching for evidence that would support that. 

One of the symptoms of na approaching nervous breakdown is the belief that one’s work is terribly importante. 

Even when the experts all agree, they may well be mistaken.

 E, já agora, em comentário suave ao carão sempre apocalipticamente fechado de GMT: 

A smile happens in a flash but its memory can last a lifetime.

 Eugénio Lisboa

6 comentários:

Alberto disse...

A mal da saúde mental, as mais altas individualidades do ministério da educação estão a finalizar a obra, iniciada há umas quatro décadas, de destruição da escola pública, submetendo-a ao grande princípio orientador de que os professores não devem ensinar para que os alunos possam aprender. Os professores devem limitar-se a avaliar e classificar, cumprindo projetos absurdos, como o Projeto Maia, onde os critérios de avaliação são feitos a martelo para que o sucesso educativo estatístico seja absoluto, dando grande peso percentual a parâmetros como o número de vezes que, em cada aula, o aluno não insulta o professor.
Os professores mais desatualizados são aconselhados a frequentarem cursos de formação em filosofia ubuntu.

Anónimo disse...

Os professores têm uma arma ao seu dispor, que raramente é usada, mas que deve sê-lo, quando as coisas atingem o estatuto de calamidade: a desobediência civil. Essa desobediência, para ser eficaz e não originar retaliações fáceis, deve ser colectiva e não individual. Se uma esmagadora maioria de professores se recusar a acatar directivas delirantes, talvez o bom senso regresse.
Eugénio Lisboa

Ildefonso Dias disse...

O Sr. Eugénio Lisboa há 2 dias andou aqui a dizer que "somos um país livre".
Agora mostrar-nos um país opressor capaz de "retaliações fáceis" aos seus cidadãos.
Que confuso está o Sr. Eugénio Lisboa!

Anónimo disse...

Por que não te calas?, perguntava um rei a um chato. O confuso e persistentemente chato ID, sempre a querer pôr-se em bicos de pés, acha que nos países livres não há retaliações? Porque não experimenta dar uma banhoca ao seu cérebro a ver se ele fica mais lavado? E, sobretudo, por que não se cala? Prestava um grande serviço à comunidade. Ler muita coisa e mudar de guru de vez em quando não chega. Convém ler bem e não venerar o guru do momento. A veneração costuma ser inimiga do espírito crítico, do qual os tiranos também não gostam.
Eugénio Lisboa.

Anónimo disse...

P. S. - Nos países livres, a desobediência civil não é punida com a prisão e, muitas vezes até dá os frutos que se desejam. Não vá o Sr. ID ver outra contradição...
Eugénio Lisboa

Alberto disse...

A falta de lucidez dos governantes, no âmbito da educação, e de espírito crítico dos governados, no mesmo âmbito, atiraram as escolas secundárias, juntamente com professores e alunos, para as mãos de gurus que se estão a borrifar para o ensino e para a "melhoria das aprendizagens". No reino da triste realidade, é preciso ser muito quadrado para dar apoio a ministros que veem a filosofia ubuntu como a chave-mestra que vai abrir as portas do nosso desenvolvimento educacional e económico.

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