terça-feira, 4 de outubro de 2022

A LÓGICA DO MERCADO APLICADA AOS SISTEMAS ESCOLARES

Num momento em que as grandes corporações supranacionais com influência na educação insistem no desmantelamento dos sistemas de ensino públicos, na substituição da escola por ambientes diversificados de aprendizagem, na entrega da escolarização a diversos stakeholders (entre os quais se destacam os pais e agentes da comunidade) e em que os Estados parecem nada poder ou querer fazer contra esta tendência, devemos prestar especial atenção a "experiências" que, tendo caminhado nesse sentido, não foram bem sucedidas, por referência, nomeadamente, ao "direito à educação". Uma dessas experiência é a da Suécia. 

Recentes notícias sobre a educação neste país levaram-me a recuperar outra mais antiga. A comparação parece dar razão à esquerda política, mas não é inteiramente assim. Na verdade, tanto a direita como a esquerda, cada uma à sua maneira, têm contribuído para a situação que acima enunciei, muito generalizada no mundo ocidental.

Vejamos, então, o caso a que me referia...

Em 2012, lia-se o seguinte no Diário Económico, de 6 de Setembro:
“… os suecos acreditavam que a desregulação era a solução para tudo, da gestão dos caminhos de ferro à educação dos filhos, mas isso acabou: há partes da nossa vida que o mercado não pode preencher. E aponta o dedo às organizações com fins lucrativos, considerando-as responsáveis pela crise que se abateu sobre o país...”. 
O depoimento é de Jonas Sjöstedt, líder do Partido de Esquerda da Suécia. Passados dez anos, o país tem sido notícia pelos problemas que o seu sistema educativo denota.

Num artigo, ainda recente, publicado no Le Monde com o título L’école suédoise, dégradée par une logique de marché, est devenue un contre-modèle (A escola sueca, degradada pela lógica do mercado, tornou-se um contramodelo), a sua autora, Anne-Françoise Hivert, explica breve mas concisamente esse problemas.


Diz ela:
No início dos anos de 1980 o sistema de ensino deste país ainda era centralizado: a organização e o financiamento dependiam do Estado, tendo as escolas uma autonomia limitada. Apesar de ser considerado um dos mais bem-sucedidos e igualitários do mundo, cresceram as críticas acerca da falta de diversidade pedagógica e da reduzida liberdade de escolha da escola por parte dos pais. Então, a decisão política (social-democrata) foi de descentralização: a partir de 1989, o ensino básico e secundário passou para a alçada de 290 municípios.

A oposição dos sindicatos de professores em nada mudou o sentido da decisão e em 1991, sob uma política de direita, foi feita uma nova reforma (a da “friskolor” ou “escolas gratuitas”) destinada a acabar com o quase monopólio da educação pública. Tal foi conseguido com a figura do “cheque-educação” (inventada pelo economista americano Milton Friedman, ideólogo do neoliberalismo) distribuído pelos municípios.

Cada aluno passou a receber um “cheque” independentemente da escola onde estivesse matriculado. Nos primeiros anos, o valor do “cheque” era mais baixo para o sector privado, mas em 1994, quando os social-democratas voltaram ao poder, igualaram o valor com o sector público. Em nome da igualdade, defendiam o direito de os pais escolherem a escola para os filhos, independentemente do seu rendimento. Passou a caber aos municípios definir o valor do cheque, podendo as escolas privadas estabelecer-se onde entendessem, desde que a inspecção escolar as validasse. As diferenças de nível educativo entre os estabelecimentos de ensino aumentaram e os professores qualificados começaram a faltar. 

Em suma, à medida que a privatização avançou e a intervenção pública recuou, aumentaram as desigualdades educacionais. 

2 comentários:

Miguel disse...

Paralelamente podemos e devemos comparar o caso Finlandês que tem sido sempre tão badalado como caso de sucesso. O modelo Finlandês também prevê escolas públicas e privadas, todavia tem uma nuance importantíssimo que é, precisamente, o modelo de financiamento. Todas as escolas são financiadas pelo estado, nos mesmos moldes e regras determinadas pelo estado, mas têm autonomia pedagógica e de contratação de recursos humanos. Assim, funcionam mais ou menos como IPSS, isto é, não podem ser "lucrativas". Ora, havendo escolas privadas, mas que não possam ser "lucrativas", percebe-se que, nesse caso, só abrem as com "espírito de missão", só abre uma escola privada, não quem queira encher os bolsos, mas quem tenha ensejo de criar o seu próprio emprego e contribuir realmente para ensinar, ou quem tenha um projecto educativo alternativo para apresentar à comunidade, que entende que é importante e para o qual não existe oferta na área (podemos pensar no exemplo do ensino artístico no interior de Portugal). Assim, na Finlândia, as escolas privadas que existem são sobretudo as de âmbito confessional. Portanto, seria interessante perceber como é que uma alteração à lei do financiamento, nesse sentido, produziria efeitos noutros países. Imagine-se em Portugal o Liceu Francês ou o Colégio Alemão não poderem cobrar propinas e terem de aceitar todos os alunos que nele se inscrevessem (dentro dos limites evidentemente, e seguindo depois os critérios de seriação), sendo financiados pelo estado nos mesmos moldes que todas as outras. Que resultados apresentariam daqui a 5, 10 anos?... Fica a pergunta no ar.

Helena Damião disse...

Caro Leitor agradeço a sua pertinente reflexão. Fica a pergunta, que, no meu entender, é fe grande pertinência e está longe de ter uma resposta linear. Cpms. MHDamião

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