terça-feira, 4 de outubro de 2022

Education at a Glance, a definir as políticas de educação nacionais desde o início do século XXI

Por Cátia Delgado

Foi lançado ontem o estudo anual da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Education at a Glance (a primeira edição data de 1998 e a segunda de 2000, a que se seguiram novas edições todos os anos), numa conferência de apresentação preconizada pelos Secretário-Geral, Mathias Cormann, e diretor da Diretoria de Educação e Competências, Andreas Schleicher, da OCDE e pelo Ministro da Educação e Juventude francês, Pap Ndiaye.

O relatório analisa os sistemas de educação dos 38 países membros da OCDE, assim como da Argentina, Brasil, China, Índia, Indonésia, Arábia Saudita e África do Sul.

Este é considerado, pela organização, o “principal compêndio internacional de estatísticas nacionais comparáveis que medem o estado da educação em todo o mundo”.

A presente edição foca-se no ensino superior e no impacto da pandemia covid-19 durante o ano letivo 2021/2022. Inclui, ainda, outros indicadores, como: gastos públicos e privados em educação; a vantagem dos lucros em educação; ingresso e conclusão do ensino superior; salários estatutários e reais dos diretores das escolas; e salários dos professores e tempos de instrução.

Também em Portugal, à semelhança de outros países, como os EUA, Brasil, Itália, México, Letónia, Espanha, Finlândia, Alemanha e Japão, foi apresentado este relatório. No nosso país, coube a tarefa a Paulo Santiago, Chefe da Divisão de Assessoria e Implementação de Políticas da Direção de Educação e Competências da OCDE, numa sessão, na Reitoria da Universidade de Lisboa, com a participação de Nuno Rodrigues, Diretor-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, Pedro Nuno Teixeira, Secretário de Estado do Ensino Superior e João Costa, Ministro da Educação.


Detemo-nos, por agora, no prefácio do documento que é assumido como “a fonte de referência sobre o estado da educação no mundo", prefácio esse que é praticamente igual ao da edição de 2004. 

Rapidamente se percebem os objetivos do empreendimento, os quais deviam deixar os especialistas em educação e/ou em políticas educativas reticentes e cautelosos na leitura e, ainda mais, no seguimento das recomendações e atribuição de significado aos dados apresentados. 

Começa por referir-se que “os governos procuram cada vez mais comparações internacionais das oportunidades e resultados educativos”, o que dito por uma organização que promove exatamente esses estudos comparativos, não espanta. 

Prossegue, descrevendo, de forma copiosa, o seu trabalho de auxílio aos países na construção de sistemas educativos “mais eficazes e equitativos”: 
“A Direção de Educação e Competências da OCDE contribui para esses esforços desenvolvendo e analisando os indicadores quantitativos e internacionalmente comparáveis que publica anualmente no Education at a Glance.” 
Continua, enunciando os três públicos-alvo que pretende alcançar (governos, académicos e público em geral): 
“O Education at a Glance atende às necessidades de uma variedade de usuários, desde governos que buscam aprender lições de políticas até académicos que exigem dados para análises adicionais e o público em geral que deseja monitorizar como as escolas dos seus países estão a progredir na produção de alunos de classe mundial.” 
Especificamente, a OCDE considera-se:
- especialista em política educativa, sendo procurada pelos governos nacionais para, com ela, aprenderem a desempenhar o seu trabalho;
- produtora de dados de qualidade credível e incontestável, aos quais os investigadores científicos poderão recorrer para legitimar os seus trabalhos;
- a melhor conhecedora das realidades nacionais dos seus 38 países-membros, entre outros;
- uma entidade qualificada para estabelecer o que é, a nível mundial, o perfil de um “bom aluno”.
Entende apresentar, deste modo, “os melhores dados comparáveis internacionalmente disponíveis.” 

Importa, aqui, realçar qual a génese de tais dados. Eles partem da definição de indicadores, estabelecidos pela própria OCDE (conceitos/termos que seleciona e que passam a fazer parte das agendas políticas nacionais), passíveis de ser comparados (“onde a perspetiva comparativa internacional pode oferecer valor agregado”), analisados e avaliados.

Ora, sendo o campo educativo de uma completude tal, como poderá a sua análise e, consequentemente, a definição das medidas políticas a adotar, basear-se em estudos desta natureza? Como poderemos, conscientes das complexidades inerentes à tarefa educativa, mormente de teor humanístico, deixar o futuro da educação nacional afeto ao domínio de estudos meramente estatísticos

São vários os traços que ficam de fora, como alerta Inger Enkvist, numa entrevista ao El País, em 2018, referindo-se ao principal estudo que concorre para a escrita deste relatório, o PISA: 
O que os testes PISA não revelam é se há uma boa atmosfera na sala de aula, se bons princípios de trabalho são incutidos ou se as humanidades são bem-ensinadas.”
Quando questionada se a visão desta entidade para a escola é confluente com a de uma empresa, a pedagoga sueca elucida: 
A OCDE é uma organização económica e olha para a educação a partir dessa perspetiva. O PISA é um teste muito específico que analisa algumas coisas. As escolas e os países devem defender que oferecem muito mais do que isso.” 
A escola devia, de facto, nas pessoas que para ela definem as políticas, afirmar que oferece muito mais do que o que esta organização, por via do fundamentalismo estatístico, lhe quer atribuir.

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