O artigo abaixo identificado, que se encontra aqui, já não é propriamente recente. Na voragem da publicação académica, textos com mais de cinco anos estão, por princípio, "fora de prazo", podem ser referidos, mas só em circunstâncias excepcionais.
A verdade é que este artigo, publicado em 2016, mantém-se actual, esclarecendo, em poucas páginas, os passos que já demos e estamos a dar no sentido de ajustar os sistemas educativos públicos à "teoria do capital humano". Essa teoria que vingou em todos os continentes, que se entranhou em todas as instituições e dita todas as políticas ou, pelo menos, assim parece, constituiu-se no modo prevalecente de pensar a vida.
Cabe aos educadores, professores e formadores fazer o que Karl Popper sugeriu: discuti-la e conjecturar as suas consequências para os educandos, para o mundo...
"A teoria do capital humano tem origem desde as ideias desenvolvidas por economistas como Adam Smith (1776), na obra A Riqueza das Nações, e por Alfred Marshall (1920), no livro Os princípios econômicos do mais valioso investimento dos capitais, os seres humanos, sendo melhor estruturada na Escola de Chicago com os teóricos da economia Gary Becker, Jacob Mincer e Theodore Schultz.
Theodore Schultz, renomado professor da Escola de Chicago (1902-1998), foi quem cunhou a expressão e expôs sua teoria na década de 1960. A nova ideia de capital compreenderia então as aptidões e habilidades pessoais, que podem ser características naturais intrínsecas da pessoa ou adquiridas no decorrer do tempo. Isso levaria o indivíduo a auferir vantagens e a tornar-se mais produtivo. A teoria desenvolvida por Shultz dispõe de uma abordagem que nos permite identificar alguns pontos de convergência entre o discurso neoliberal e o discurso acatado e consolidado no âmbito da esfera educacional (...).
O termo capital humano afirmou que a melhoria do bem-estar dos menos favorecidos não dependia da terra das máquinas ou da energia, mas principalmente do conhecimento. Essa teoria sugere considerar que todas as habilidades são inatas ou adquiridas e devem ser aperfeiçoadas por meio de ações específicas que levam ao enriquecimento do capital intelectual. Desta forma, cada pessoa seria capaz de aumentar seu conhecimento através de investimentos voltados à formação educacional e profissional de cada indivíduo.
Portanto, o aumento do capital humano poderia representar as taxas de produtividade do trabalhador, favorecendo o desenvolvimento de um país.
Além de proporcionar o bem-estar individual, tal teoria também afirma que esse seria o caminho para o desenvolvimento das nações: investir em capital humano. Essa teoria teve impacto no então denomina-do Terceiro Mundo e apareceu aqui como alternativa para reduzir as desigualdades sociais.
Dentro dessa perspectiva, Schultz (1973) deixa claro (...) que, para ocorrer o crescimento do capital humano, era preciso a iniciativa do poder público, detentor da autoridade necessária para provocar um planejamento educacional que atendesse a tais objetivos. Ele ainda acreditava que mesmo que houvesse iniciativas privadas seriam em segunda ordem, pois atenderiam a um público mais reduzido e não estaria disponível a todos.
Neste processo, os professores assumem um papel central, como ‘peças fundamentais’ para moldar, configurar e ajustar os estudantes ao desenvolvimento econômico."
4 comentários:
" Os professores assumem um papel central, como ‘peças fundamentais’ para moldar, configurar e ajustar os estudantes ao desenvolvimento econômico". Que frase antipática, lembra os colégios ingleses no século XIX. Não sei se a ideia é benigna, mas ´peças' ? 'moldar' ? 'configurar' ? Não, isto de liberal não tem nada, e mesmo neo- não sei, isto parece mesmo um discurso ajustado à escola soviética estalinista.
Esse acento tónico nos conhecimentos pessoais, adquiridos na escola ou no local de trabalho, como fator essencial ao desenvolvimento económico, do indivíduo ou da nação, traz água no bico. Conhecimentos há muitos!
Se o conhecimento é para fazer o bem, está certo, mas se é aplicado na produção de armamento de destruição maciça, também vai provocar morte e atraso económico em quem investe em conhecimentos de paz.
Ninguém pode dizer que o Papa Leão XIV e o Secretário Geral das Nações Unidas, Engenheiro António Guterres, são dois pobres ignorantes. No entanto, com a orientação das políticas educativas de muitos países, baseadas na promoção de um certo capital humano, o que temos vindo a assistir é aos bombardeamentos, que se sobrepõem aos apelos de paz, e à morte de milhares de inocentes, por todo o mundo.
O discurso liberal nutre-se bem mais do conceito de "colaborador", que é uma noção de trabalhador como qualquer coisa descartável, conceito tóxico e nocivo para a análise da condição humana nas relações laborais. É um conceito que perpassa toda a filosofia da lógica empresarial actual: o ser humano que adoece, a idade da reforma tardia para não disfrutar de coisa nenhuma - pronta para morrer e não gastar riqueza que gerou. Se efectivamente houvesse equidade, e não a dita justiçazinha, teriam de olhar para o tempo que o trabalhador investiu estudando, formando-se para se tornar capital para a sociedade, para uma qualquer empresa. Pois, cá temos a equidade... o trabalhador que quis ir para o mercado de trabalho ganhar dinheiro e vida correu bem, e agora com muitos anos de desconto. Ou aqueles que já são velhos demais para cumprir aquelas funções; contudo, não serão para cumprir outras, e reformam-se mais cedo. A condição humana do capital humano inflacionado ou deflacionado tem que se lhe diga. O ser humano como um "asset" descartável... Não rejeito um ou outro conceito liberal, mas a maioria sim. Refutável é qualquer conjectura, tudo depende da margem em que nos increvemos, até a equidade pode ser refutável se o ser humano tiver pouco valor.
Qualquer ser humano é descartável. A morte retira importância. Inventámos a História e outras modalidades de memória para que essa importância nos perpetue. Temos dificuldade em acabar, desligar, deixar de ser.
A obra só se torna imortal se os temporários vivos a invocarem, o que farão até ao fim dos tempos, por uma questão de projeção, permanecer em espelhos sucessivos. Mas não aprendemos nada com isso. Vaidades…
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