A obediência sempre foi apanágio dos seres livres. Mas aquela que me obriga a respeitar os meus princípios, a minha autonomia moral e a lei da cidade. Ou seja, a minha liberdade e a dos outros e a sua condição, e não aqueloutra a que os outros me obrigam.
Ora, a democracia moderna continua cheia de dependências que nos tiram a liberdade, pensando nós que não. Desde o condicionar das opiniões, às meias verdades, aos esquecimentos estratégicos, à manipulação dos factos e aos não factos, à mentira repetida até ser verdade, à demagogia sem corar, etc.
Aliás hoje os líderes desenham-se com régua, esquadro e pós de perlimpimpim: aparições em público - assim, posturas e gestos -, assado - olhares e sorrisos -, frito - palavras e tons de voz -, cozido - dedo e olhar em riste - , guisado - fatiota, de acordo com o ambiente. Quanto a ideias, nada (o mais simples que puder ser é demais para o que nós podemos), quanto a métodos, martelar até entrar, subtilezas, nenhumas. No que diz respeito a explicações, fica para depois, mas, parlapié, quanto for necessário e até mais do que isso.
E os cidadãos, que já vão sabendo disto, desconfiam e afastam-se. Para isso é necessária a tal revolução moral. Mas que poucos querem porque obrigaria a desmontar toda esta arquitectura que serve a muitos. O certo é que se faz dos cidadãos parvos, retirando-lhes capacidade de análise e rigor na apreciação. Mas isto interessará a muitos? Talvez não, e é aqui que está o mal. É fundamental que interesse a todos.

E como é que, segundo Étienne de la Boétie, se pode ser servo mesmo quando o político (tirano, como ele diz) é eleito? Como se cria (e deixamos que se crie) uma teia para dominar cidadãos ditos livres mantendo as aparências democráticas?
É simples. Diz ele: «Sempre foi a uma escassa meia dúzia que o tirano deu ouvidos, foram sempre esses os que lograram aproximar-se dele ou ser por ele convocados, para serem seus cúmplices … e com ele beneficiários das rapinas». A partir daqui é só desdobrar o esquema: «Essa meia dúzia tem ao seu serviço mais seiscentos, que procedem com eles como eles procedem com o tirano».
Abaixo desses seiscentos há seis mil, devidamente ensinados, a quem confiam ora o governo das províncias ora a administração do dinheiro». E continua É. De la Boétie: «Quem queira perder tempo a desenredar esta complexa meada descobrirá abaixo dos tais seis mil mais cem mil ou cem milhões agarrados à corda do tirano».

Cria-se assim uma rede de favores e dependências que a todo o custo se tenta manter, porque é uma questão de sobrevivência. Mas, é claro, que pensamento, crítica, juízo moral, liberdade, honestidade, tudo se torna impossível. O medo de perder os privilégios económicos e sociais, obtidos à custa desta servidão, aceite e agradecida, reforçará a dita servidão. A liberdade é, assim, um formalismo. Os próprios estão alienados, mas gostam porque é a própria alienação que os alimenta.
João Boavida
8 comentários:
atão o mundo académico desde a 1ª universidade não prosperou graças à rede de favores amigos etc tecetera ceteris paribus
wird nach der freigabe dië frei volk
Excelente texto
Qual é o impedimento?!... JCN
Além de Étienne de la Boétie, com o seu manuscrito sobre o “Discurso da Servidão Voluntária”, ou “O contra um”, por a obra ter tido como motivação a luta do povo francês contra o exército e o Rei por causa de um imposto sobre o Sal, apareceu uma versão moderna escrita por Jean-François Brient e Victor León Fuentes, com título similar Da servidão moderna, que sugere uma adaptação do trabalho de La Boétie, também designado como “O contra um”, a relembrar de certa forma o célebre título de Herbert Spencer O direito de ignorar o Estado, como uma metáfora do “contra um”.
Prosa métrica:
Escravos todos nós somos,uns dos outros, livremente,como aliás sempre fomos e seremos certamente! JCN
Este tema corresponde a doutrina dos atos/omissões?!
Enviar um comentário