quinta-feira, 9 de junho de 2011

Os tripuleiros do País

É claro que estou muito preocupado com o que vai acontecer a Portugal, quem não estará? É preciso fazer muito e não se vê como será possível. Poucos estão dispostos a ajudar. Ou melhor, a maioria, aflita, quer ajudar, mas os que são determinantes para que os objetivos se alcancem mantêm numa mentalidade maniqueísta que leva a uma cegueira suicida. Insistem em dividir o mundo em duas partes, os bons do lado de cá e os maus do lado de lá.

A partir desta mentalidade primária todas as desconfianças são possíveis, faz-se guerra por tudo e nada e o entendimento torna-se impossível. Veja-se como a campanha eleitoral passou o tempo a colocar nos outros as culpas e as más intenções e daí o constante gritar e a contra gritar. É esta a natureza da política? Não. Não é necessariamente. Será entre cafres mas não entre pessoas civilizadas.

A partir desta mentalidade de bons e maus tudo é possível. Os chefes sabem que é estúpida, mas, sem se importarem com o desastre que provocam, incutem-na nas claques e nos homens de mão e estes levam-na à letra. A partir daqui estão criadas as condições (que já vêm detrás, obviamente) de desconfiança e agressividade que nos levam o melhor das forças. Como é que, assim, vamos concentrar energias para mudar o que está mal ou adormecido?

E o pior é que Portugal está entalado entre dois grandes perigos. De um lado, um capitalismo que está a regressar à selvajaria do século XIX, e que, com especulações sobre especulações e com criminosas jogadas de póquer financeiro, encaixou com perfeição a crise nacional na crise mundial. E do outro um sindicalismo que não acerta com o verdadeiro inimigo. É claro que poderão dizer que a inversa também é verdadeira: um capitalismo demasiado liberal está a provocar um sindicalismo mais agressivo.

Mas receio que as coisas não sejam assim. O que vemos em Portugal é um sindicalismo de Estado, feito pelos bem instalados e não pelos que têm reais motivos de queixa. Porque os que têm razões para reclamar e fazer greves não as fazem. As greves dos maquinistas e bilheteiros da CP, ou dos tripulantes da TAP (ou melhor tripuleiros), é a imagem de um País onde o Estado deixou criar no seu organismo as bactérias mais perigosas para a sua saúde. E o resto do país sente-se revoltado, sofrendo as consequências, mas sem poder fazer nada.

É evidente que isto não favorece a esquerda e acaba por beneficiar e dar mais liberdade à direita. De resto com a sua política do toca e foge a esquerda vai dando espaço à direita, mas deixando o campo minado. Mais valia que pusessem as cartas na mesa e nos apresentassem a verdadeira alternativa que seria um governo comunista ou bloquista. Isto é, com a sua estrutura política, a posse da terra e das fontes de produção, a política de empregos e de subsídios, a política social, a sua visão da Europa, com integração ou desintegração, o euro ou o escudo, os parceiros políticos e comerciais, a sua liberdade, o seu sindicalismo, as suas políticas culturais, as suas medidas anti-corrupção, etc., enfim tudo o que, na prática, teria que mudar para um Portugal melhor segundo o entendimento da esquerda.

Face ao desastre que o capitalismo internacional tem sido, e está a ser, o melhor que a esquerda faria era mostrar, de A a Z, como as alternativas de esquerda levariam a mais justiça, mais produtividade e mais humanidade.

Como não o fazem, (porque não podem ou não sabem) estas políticas de desgaste, de agitação, de desinformação e de culpabilização dos outros prejudicam muito e não ajudam nada.

João Boavida

5 comentários:

Anónimo disse...

Prosa métrica:

Entre todos, cada qual puxando para o seu lado, vão fazer de Portugal um país infortunado! JCN

Jorge Candeias disse...

Muito bom, isto. Mas, para mim, o mais interessante é o antepenúltimo parágrafo. Porque a esquerda TEM FEITO TUDO ISSO. A cada proposta que chumba propõe alternativas. A cada projeto de lei que põe à consideração do parlamento (e os outros, normalmente, chumbam), está a pôr na mesa uma ou outra dessas cartas.

E no entanto, a perceção pública, é, de facto, e na esmagadora maioria, de que os partidos da esquerda são incoerentes, inconscientes, irresponsáveis, não têm um plano para o país, blá blá blá.

É inteiramente falso, mas o que passa é isso. Algo, portanto, está mal. Ou nos emissores da mensagem, ou nos transmissores da mensagem, ou nos recetores da mensagem.

Ou se calhar em todos ao mesmo tempo.

Ana Cristina Leonardo disse...

Aquela coisa dos "proletários de todos os países, uni-vos" não deu certo; mas já o "capitalistas de todo o mundo, uni-vos" tem sido um fartote...
A esquerda está à rasca. Essa é que é essa.

Anónimo disse...

Não é a esquerda que está à rasca, somos todos nós!
O problema é que ainda estão muito frescos os desvarios dos regimes chamados de comunistas e ninguém quer voltar a alinhar em algo semelhante. Contudo , não me admira que K. MArx esteja aí , atrás de um cortinado, a rir-se a bom rir.
É preciso um novo paradigma e enquanto este não doer o suficiente vamos aguentando. Mas, se olharem bem, o germe da mudança anda por aí, só lhe falta um líder suficientemente carismático.

Ivone Melo

Ana Cristina Leonardo disse...

Ivone, a esquerda está à rasca porque deixou de conseguir apresentar alternativas e não vê um boi à frente do nariz. O meu coração sempre bateu à esquerda mas o facto é que o capitalismo venceu a batalha do século XX e não vale a pena paninhos quentes quanto a isso. Quanto a paradigmas e líder carismático, passo. Acho que a democracia devia ser suficiente, mas talvez a democracia seja contra-natura. E, se assim for, estamos mesmo lixados. Isto digo eu que gosto de pensar sem tabus. Até porque, olhando bem, como propõe, o que eu vejo é uma implosão do caraças. Entre isso, e as crises cíclicas, prefiro as crises.

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