terça-feira, 28 de junho de 2011

"IN MEMORIAM" DE ÁLVARO DA SILVEIRA


“Já que mais não mereceu / minha estrela, / só a tristeza conheço, / pois que para mim nasceu / e eu para ela” (Luís de Camões, 1524-1580).

Numa altura em que mais necessárias são as palavras expressivas como um dom que Deus nos possa ou não ter concedido, mais elas me falecem para descrever e mitigar o desgosto que me trouxe o falecimento de alguém que em vida me marcou pelo seu valioso contributo para a dignificação de uma profissão de que se não fez mercenário com aulas vendidas a metro e pagas ao minuto. Tive a honra de conhecer o Dr. Álvaro da Silveira (poucas vezes, a norma cortês de se tratar o licenciado por doutor teve tamanho e honroso cabimento), ilustre e competente professor do “papão” da Matemática, aquando da minha chegada a Coimbra, em 1975, onde fui colocado no então Liceu D. João III, que, nesses tempos revolucionários, crismaram de Escola Secundária de José Falcão.

A sua estatura meã - ele não precisava da imponência de um físico de atleta para se impor aos alunos - era um dos seus traços marcantes numa altura em que disciplina se podia comparar a folhas outonais caídas no chão e varridas por diligentes serviços camarários. Não poucas vezes, servia-se dos intervalos entre as aulas para desfazer dúvidas dos alunos mais atrasados na matéria, recusando fazê-lo, quantas vezes com grande sacrifício parental, em explicações pagas a peso de ouro, na crença, então justificada, de que os diplomas escolares eram um "abre-te Sésamo" para o mundo de um trabalho melhor remunerado.

Uma sociedade madrasta para uns e madrinha para outros nunca teve em devida conta um passado de sã camaradagem docente e prestação de bons serviços como reitor do Liceu D. Duarte. Pelo contrário, foi vítima da ingratidão de antigos colegas que lhe viraram as costas com a amargura que isso lhe pesou nos seus frágeis ombros que os anos começavam a encurvar assim como as artroses dos joelhos a dificultar a marcha.

Álvaro da Silveira (por vezes tratado, com carinho, pelos colegas por Silveirinha) foi uma das primeiras vitimas de um Estatuto da Carreira Docente que enjeitou os professores mais habilitados e pôs ao colo os professores de menor estudos. Por uma questão de escassos dias, constantes do bilhete de identidade, não teve o mais que merecido acesso ao escalão máximo da carreira docente (10.º escalão), quedando-se pelo 9.º escalão, escalão máximo para antigos professores com o curso das ex-Escolas do Magistério Primário em espúria companhia com uma sua vizinha com esta mesma habilitação. Os desgostos podem não matar, mas lá que moem, moem.

A sua aposentadoria aos 70 anos de idade (período máximo concedido por lei) foi um verdadeiro calvário para uma cruz de injustiça que só terminou com o seu falecimento, cuja notícia acaba de me apanhar de chofre e em desgostosa surpresa. No lugar dos justos, merecido em vida, pouco mais me resta do que dizer-lhe: Repouse na paz que a vida lhe não concedeu, meu querido e saudoso Amigo.

3 comentários:

Anónimo disse...

Que linda elegia para um ídolo que não soçobrou à onda de destruição que, de lés a lés, varreu o país dos seus mais autênticos valores! Ainda houve, pelo visto, quem permanecesse de pé, porque os não tinha de barro! JCN

Rosário Mateiro (professora de Matemática) disse...

Tive a Sorte de ter feito estágio com o Dr.Álvaro Silveira, pessoa que me «facultou> toda a informação indispensável, para que ao longo da minha profissão, nunca deixasse de ter presente as suas orientações!
A minha homenagem ao Grande Mestre!

Rui Baptista disse...

Caro Professor JCN: Que prazer me trouxeram as suas palavras em recordação de tempos de desvario e de pessoas que tentaram destruir e substituir os melhores valores humanos, a gratidão, o respeito, a verticalidade, por um nauseabundo oportunismo que as tornou personagens da crítica de Sophia de Mello Breyne: “Depois de 25 de Abril, tenho-me sentido tentada a escrever uma peça que se chamaria ‘Auto dos Oportunistas’, mas que é impossível de escrever porque há sempre mais um acto”.

Fica, outrossim, como recordação das qualidades humanas deste insigne Mestre o testemunho de uma sua antiga estagiária, hoje professora de Matemática, Rosário Mateiro. Seja dito, em boa e justa verdade, que muitas pessoas de uma esquerda democrática sempre o tiveram numa conta que muito o honrou e a si próprias honrou.

Álvaro da Silveira foi sempre ele, de corpo inteiro e de nobres sentimentos de alma, antes e depois de um período triste da nossa história contemporânea em que, ainda segundo Sophia, em nome do anti-fascismo se criou um novo fascismo.

Bem hajam ambos.

NOVA ATLÂNTIDA

 A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à info...