POR CERTO, OS PROFESSORES A OPERAREM EM BANCOS.
Como presumo que seja do conhecimento muito geral, no ensino obrigatório, a Educação para a Cidadania, agora designada por Cidadania e Desenvolvimento, inclui a Educação Financeira.
Desde o seu surgimento que, tal como em quase todas as outras áreas de educação para a cidadania (que são pelo menos dezassete), nela participam empresas, sobretudo bancos e seguradoras.
No passado ano lectivo essa participação foi reformulada dando origem à iniciativa "Banco da Minha Escola", promovida pela Associação Portuguesa de Bancos (APB). Atente-se no slogan e nas palavras da responsável pelo projeto de Educação Financeira dessa Associação (ver aqui, os destaques são meus.
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"Numa iniciativa inédita a nível nacional, a Associação Portuguesa de Bancos (APB) e os principais bancos a operar em Portugal vão andar nas escolas de Norte a Sul do país a promover a literacia financeira. Ao longo do ano letivo, mais de 50 colaboradores dos bancos associados da APB, vão trocar o banco pela escola e ajudar 3 800 alunos do 3º ciclo e ensino secundário, a conhecer e compreender alguns conceitos fundamentais para o planeamento e gestão financeira do seu dia-a-dia (....
O projeto [Banco da Minha Escola] só é possível graças ao apoio dos bancos que integram o Grupo de Trabalho de Educação Financeira da APB e dos respetivos voluntários (...)
O empenho e envolvimento das escolas e dos professores, que já trabalham com a APB nestas iniciativas, tem sido também fundamental (...)
Tal como tem sido referido pelo presidente da APB (...), dispor dos conhecimentos práticos necessários para lidar com o dinheiro no dia a dia, é hoje um saber básico tão importante para a vida social como o ler, escrever e contar (...)
Sentimos que, quer as Escolas, quer os Professores, necessitam de apoio para este tipo de conteúdos mais específicos e estamos certos de que, enquanto setor, podemos e devemos ter um valor acrescentado nesta matéria. Por isso, decidimos avançar com este projeto de forma mais estruturada e contínua ao longo do ano letivo.
Um Projeto com mais de uma década Desde que foi criado, em 2011, e com a ajuda de 14 bancos associados, o projeto de Educação Financeira da APB tem procurado fomentar os níveis de literacia financeira da população em geral, com particular foco nos segmentos considerados mais vulneráveis, como os jovens e os seniores."
Sendo considerado um projecto de sucesso (não duvido que o tivesse sido para os bancos), neste ano pôr-se em marcha a segunda edição, abrangendo mais escolas e, obviamente, mais professores e mais alunos.
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Quem sem interessar pelos desígnios da escola pública, para os quais todos contribuímos, deve consultar o projecto de Educação Financeira no site da Associação Portuguesa de Bancos (aqui). Presumo que fique devidamente esclarecido.
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Nota: Não, não sou contra educar para a cidadania na escola pública; de resto penso que educar implica necessariamente formar para uma existência cidadã. Porém, o que se abriga debaixo do cada vez maior guarda-chuva que se teima em designar por educação para a cidadania é... o que o leitor percebeu.
3 comentários:
Das múltiplas áreas da Educação para a cidadania, a literacia financeira apresenta-se a si mesma como um manequim de alta costura vestido à custa dos que só se podem culpar a si mesmos de alguma vez terem acreditado que se pode ganhar dinheiro seguindo os conselhos e artes mágicas dos prestidigitadores que a si mesmos se intitulam de financiadores da economia e garantes do sistema monetário nacional e internacional.
Nada mais aliciante para quem aspira a essa espécie de estrelato e tem a autoconfiança necessária para não temer as alturas dos truques e dos malabarismos desse mundo tanto mais desconhecido quanto mais se apresenta como objeto de literacia primária generalizada.
Tudo simples, tudo legal, tudo bem intencionado, mas até os mais jovens suspeitam e não confiam nessa forma de publicidade com seu quê de libidinoso.
Assim, mais do que alfabetizar para um mundo a que estamos umbilicalmente ligados pelos fluxos monetários, do que se trata é de uma espécie de anestesia preparatória para a aceitação indolor da agulha ou da faca.
Chamar formação ou consciencialização para a cidadania à campanha de descrição do papel e importância social e económica da função financeira e monetária das instituições financeiras, nomeadamente bancos, seguradoras e bolsas/mercados de valores, como pilares fundamentais dos circuitos das economias, até faria sentido e seria da máxima importância para os formandos cidadãos se em vez de ser no formato de cartilha de promoção e de validação das instituições promotoras, fosse no formato de análise crítica da realidade histórica desse tipo de instituições, nomeadamente quanto ao facto de serem instituições de capital alheio que assentam fundamentalmente num esquema sofisticado de pirâmide em que, invariavelmente, quem chega ao topo não lega às bases. Ou, para usar palavras mais simples, seria bom se a literacia financeira tivesse como objetivo e interesse central apresentar a realidade do poliedro das instituições financeiras e as regras desse jogo de espelhos, tantas vezes envergonhados, dos perdedores, sem esquecer de denunciar a batota dos ganhadores.
Mas os promotores da literacia financeira preferem fingir não compreender e desdenhar dos embirrentos, ao mesmo tempo que não ignoram que estas críticas são demasiada areia para a camioneta dos formandos cidadãos e que estes preferem surfar na onda dos ademanes do manequim de “haute couture”.
Estimado Leitor Carlos Ricardo Soares
Faço minhas as suas palavras. Sobretudo estas: "literacia financeira apresenta-se a si mesma como um manequim de alta costura vestido à custa dos que só se podem culpar a si mesmos de alguma vez terem acreditado que se pode ganhar dinheiro seguindo os conselhos e artes mágicas dos prestidigitadores que a si mesmos se intitulam de financiadores da economia e garantes do sistema monetário nacional e internacional".
É tão óbvio! Como é possível que pessoas informadas não vejam isto mesmo?
Cordialmente, MHDamião
"Devo à divina Providência a graça de ter nascido pobre ..."
Salazar
Apesar de toda a sua literacia financeira, que era imensa, Salazar, depois de ter nascido pobre, acabou por morrer pobre.
Se a literacia financeira da população escolar é tão importante para promover o desenvolvimento de Portugal, então porque não arredar os professores das ciências e artes fundamentais, substituindo-os por especialistas em literacia agrícola, literacia comercial, literacia industrial e literacia política?!
Por exemplo, no campo da literacia política, podia ir um especialista à escola explicar as grandes fortunas que alguns grandes políticos, nascidos pobres, construíram após o 25 de Abril.
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