Li o título que reproduzo abaixo de uma notícia do jornal Público de hoje e lembrei-me da famosa frase de Bertolt Brecht: "Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém diz que são violentas às margens que o comprimem".
Imagem recortada daqui. Sublinhados meus |
Interessa-me, porém, o destaque dado à ligação estabelecida entre o problema (nada surpreendente) e a solução apresentada pelo governo.
O problema é os professores sentirem-se tristes, denotando mal-estar. Nada de novo: temos, desde há várias décadas, estudos internacionais e nacionais cujos resultados vão, muito consistentemente, no mesmo sentido. E talvez nem precisássemos de estudos para perceber esta realidade, tão evidente ela é.
Mas porque é que muitos professores se sentem assim? Entre as várias causas apontadas, uma das mais relevantes prende-se com as políticas e medidas educativas que desviam os professores do que consideram ser o cerne do ensino e pelo qual se sentem responsáveis. Não conseguirem levar os alunos a aprender o que se esperaria que aprendessem em contexto escolar, aliado a ambientes institucionais agrestes, onde o relacionamento humano e o estímulo intelectual se dissolvem, constituem a principal base do designado "sofrimento ético".
Tal não decorre da falta de formação favorável à aceitação (acrítica) das políticas e medidas que se lhe destinam, mas do facto de muitos professores terem clara consciência de que uma parte substancial dessas políticas e medidas não serem realmente educativas.
Imputando-se aos professores o problema, desvincula-se a tutela do mesmo. São estes profissionais (e as instituições que os preparam) que têm de robustecer a sua "literacia emocional", dada a sua ignorância ou incapacidade na matéria.
Com as emoções "afinadas" estão aptos para, contidos nas margens que se lhes impõem, seguirem sem turbulências para... onde?
5 comentários:
É falacioso explicar o mal-estar dos professores em contexto escolar, nomeadamente dentro da sala de aula, com a falta de literacia emocional. As literacias educativas estão muito na moda, mas é evidente que não é por terem falta de literacia financeira, por exemplo, que os professores se encontram, desde o consulado da ministra Maria de Lurdes Rodrigues, em processo acelerado de proletarização.
Em síntese, a falta de autoridade e autonomia tem vindo a desfigurar o papel principal do professor na escola que devia ser ensinar.
O senhor ministro anunciou o fim do projeto maia, mas as grelhas repletas de domínios e critérios de avaliação, ao sabor de cada grupo disciplinar e diferentes de escola para escola, continuam a sobrepor-se à importância central que deveria ter a matéria que se ensina e os alunos aprendem. Neste mundo de enganos burocráticos, é muito mais importante atribuir 75,2 % nas atitudes, 80,4 % na comunicação criativa e 90,67 % no conhecimento, do que ensinar e aprender que, à pressão atmosférica normal, a água entra em ebulição à temperatura de 100 ºC.
A profissão de professor, já na minha aldeia, há quase cem anos, não era prestigiada e era até mal vista e ridicularizada pelos muitos analfabetos que, nessa época, até tinham razão para temer entrar numa escola, tal era a estranheza desta no meio rural e a violência dos maus tratos, incluindo físicos, a que submetia as crianças e, por vezes, os pais destas.
O professor, ou mestre escola, era visto como uma personagem singular, não gregária, por vezes como um desterrado, de quem ninguém invejava a sorte, e alguns tinham mesmo pena. Se ele não tivesse o beneplácito e a solidariedade institucional de alguém que se colocasse do seu lado, facilmente começava a sentir a respiração dos lobos nas esquinas e atrás dos muros.
Diferentemente de um cabo de esquadra, ou sargento de milícia que, em grupo, com as costas protegidas, empunhavam as suas armas, não apenas como ameaça, mas como meio de impor uma ordem hierárquica à qual eles mesmos estavam sujeitos e pela qual tinham sido preparados e eram posteriormente remunerados e protegidos, o professor chegava a ser apedrejado quando percorria a distância entre a escola e o quarto onde se refugiava até ao dia seguinte, quando, pela manhã, atravessava os caminhos da aldeia, evitando passar em certos sítios. Mesmo aquelas crianças que, por diversas razões, normalmente ligadas a facilidades de aprendizagem e de obediência, correspondiam mais a um perfil de aprendiz inteligente e cumpridor, dificilmente escapavam a situações de implicância ou de exageradas expectativas por parte de professores, catequistas ou pais.
Felizmente, muita coisa mudou para melhor, ao ponto de quase ninguém reconhecer hoje nenhum dos traços do esboço que tracei, de professores e de alunos, mas houve uma evolução social, cultural e tecnológica que trouxe novos problemas e novas causas ou factores de transformação e de infelicidade.
Seria do maior interesse fazer uma investigação sociológica acerca da evolução histórica da profissão de professor e de outras profissões. Ficaríamos surpreendidos com os resultados. Enquanto isso não for feito, se é que ainda o não foi, especula-se acerca das causas da tristeza e do mal-estar psicológico dos professores.
(Continua)
Os professores, numa primeira fase revolucionária, então em curso, equiparados que foram a educadores de infância, e, já mais recentemente, proletarizados, a diversos níveis, conhecem, como mais ninguém as causas do seu mal-estar físico e psicológico.
Quanto ao prestígio social de que os professores gozavam nas aldeias limitar-me-ei a dizer que quando o professor atravessava o largo central, os homens levantavam-se e tiravam-lhe o chapéu. Já no que refere aos professores do liceu, eram tratados, quer pelas autoridades, quer pelo povo, por doutores. Pelo menos, nas províncias do centro e norte de Portugal continental era assim!
(Continuação)
Não estou a veicular a minha visão da importância, relevo e valor social e cultural da atividade, ou da profissão de professor. Estou a mostrar um pouco da percepção infantil cuja memória ainda preservo, do que ouvi contar aos das gerações anteriores à minha e do que foi a minha experiência há cerca de sessenta anos.
Mas o que as crianças faziam aos professores, também é inacreditável.
Duvido que algum professor desse tempo gostasse de o ser ou o fosse por preferência vocacional.
Estava institucionalizada a autoridade da violência. A “psicologia” da violência apresentava-se como a solução para tudo. Não vai a bem, vai a mal. É burro, bate-se nele. Não quer? Não tem querer, força-se. Não sabe? Apanha. Não faz? Porrada. Até os tolos se ensinam, era “vox populi”.
E “vox populi, vox dei” que, apesar de herético, eram os crentes mais ferrenhos e devotos que, se lhes desse jeito, citavam.
A soberania popular já era invocada pelos religiosos e até proclamada dos altares, muito antes de ter ocupado o trono real e substituído a cruz no topo da coroa.
As coisas melhoraram gradualmente, mas foi preciso chegar à primavera marcelista, com as reformas de Veiga Simão.
O 25 de abril de 1974 apanhou toda a gente impreparada, sem saber o que pensar e sem saber o que fazer, ao que alguns atrevidos na arte da representação responderam subindo ao palco investidos do papel de representantes do povo, como era de esperar num país cujo sistema político, militar e social não tinha como preocupação prioritária o ensino e a educação, do básico ao superior.
Atualmente, depois de repetidas tentativas e ainda mais de erros, da arrogância e inerente ligeireza, para não dizer desdém e desprezo, com que uns burocratas ungidos pelo espírito empresarial, de comando à distância, para não se queimarem, decidiram reduzir os professores a cinzas, continuamos demasiado longe de nos libertarmos e de ultrapassar a mentalidade de grupo de trogloditas investidos de cachaporra e capacete a quem aos demais não resta senão agradecer a sorte ou o privilégio de, por sua condescendência, do grupo, ainda respirarem. E com a mensagem subliminar de que, como não têm forma de reconhecer o mérito do indivíduo, o mérito é irrelevante.
Mas isso é dizer ao indivíduo que ele só é relevante se e para aquilo que o grupo da cachaporra e capacete quiser.
Então é mesmo melhor que o professor se capacite (ponha o capacete) de literacia emocional caso não tenha forma de levar a água ao seu moinho.
Uma vez perguntei a um mestre budista: se estivesse num baile, dançaria com judeus ou com nazis? Resposta pronta: “Com os dois”.
Prossegui: “Não acha isso falta de ética?
Respondeu: “Não, porque uns vêm dos outros”.
Lembro-me sempre desta resposta quando procuro culpados seja do que for…
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