Acaba de sair do prelo da Imprensa da Universidade de Coimbra a segunda edição, em capa mole, do primeiro tomo do primeiro volume da Obra Pombalina, que vai reunir não só a obra escrita pelo punho de Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), que se tornou marquês de Pombal em 1769, como as várias obras que ele directamente inspirou e para a qual teve a colaboração de diversos coautores. Os directores da Obra são o historiador José Eduardo Franco e os filósofos Pedro Calafate e Viriato Soromenho Marques, o primeiro da Universidade Aberta e os segundos da Universidade de Lisboa. O livro vindo a lume, que é a primeira parte dos Escritos de Inglaterra (1738-1739), foi coordenado pela historiadora Ana Leal Faria, também da Universidade de Lisboa. O plano geral das Obras Completas, que são resultado do projeto «Pombal Global», prevê 14 tomos e 50 volumes, um monumental empreendimento que só será possível graças ao esforço de uma enorme equipa se tiver suficiente apoio mecenático.
O tomo I, Escritos de Inglaterra (1738-1743), inclui a correspondência diplomática quando o futuro marquês de Pombal (doravante só Pombal) era «enviado» (hoje diríamos «embaixador»), do rei D. João V (1689-1750, rei 1706) em Londres, na corte de Jorge II. Faltam ainda três volumes para completar o tomo, o que significa que a compilação de manuscritos redundou praticamente num volume por ano. O tomo II, em 6 volumes, intitular-se-á Escritos de Áustria (1745-1747), referindo-se ao período em que Pombal foi «enviado» do rei português à corte de Maria Teresa em Viena de Áustria. Em 1750, quando D. João V morreu e o seu filho D. José I (1714-1777) foi entronizado, ele tornou-se Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra (1700-1755). Esse período será coberto pelo tomo III, Negócios Estrangeiros, em dois volumes. Após o Terramoto de 1755, Pombal padrou a ser Secretário de Estados dos Negócios Interiores do Reino, lugar em que permaneceu até o rei morrer, em 1777, quando ocorreu a chamado «Viradeira», isto é o repúdio das ideias e métodos de Pombal. Perante a retirada do rei da cena pública, assustado com o grande desastre natural, Pombal tornou-se um homem de Estado, diríamos hoje «primeiro-ministro», com amplos poderes. As Obras Completas Pombalinas preveem para esse período dez tomos, do IV ao XIV, com um total de 32 volumes, agrupados por temas: Administração Colonial, Arquitectura, Política e Práticas Sociais, Perseguição dos Jesuítas e da Nobreza, Igreja Católica, Assistência, Economia. Justiça e Ordem Pública, Aparelho Militar, Educação e Epistolografia Diplomática). O tomo XV apresentará a Apologia de Pombal, escrita no seu retiro perto da vila com o mesmo nome, em que se defende das acusações que lhe foram movidas, e, finalmente, o tomo XVII será uma Biografia, contendo documentação mais pessoal. Louvando a visão deste grande projeto, só espero que ele atinja bom porto.
O livro já publicado contém, para além da uma introdução geral em que Pombal e as Obras Completas Pombalinas são apresentadas pelos directores, uma introdução às Cartas de Inglaterra, da autoria da coordenadora do primeiro tomo. Depois dos critérios da educação, surge o grosso do volume contendo cartas de ofício redigidas pelo enviado e dirigidas a António Guedes Pereira (?-1747), que era Ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos e que interinamente ocupava o cargo de Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, enquanto o titular Marco António de Azevedo Coutinho (1688-1750) estava ausente em Inglaterra (Coutinho, que era primo afastado de Pombal, foi o seu antecessor nas funções diplomáticas em Londres), e ao próprio Azevedo Coutinho, quando ele reocupou as suas funções em Lisboa. Depois há um conjunto de cartas a D. Luís da Cunha (1662 –1749), que na altura era enviado do rei português a Paris depois de o ter sido em Londres, Madrid e Haia (este diplomata é um dos homens mais notáveis do reinado joanino) e outro conjunto de cartas a João da Mota e Silva ou Cardeal da Mota (1685–1747), o poderoso conselheiro de D. José, o homem forte do regime, embora não ocupasse nenhuma secretaria de Estado. Finalmente, há algumas cartas diversas, algumas delas dirigidas a outros enviados portugueses na Europa. Conclui-se que havia uma rede de contactos entre os enviados joaninos em várias capitais da Europa, que não passava necessariamente por Lisboa. De facto, no reinado de D. João V existiu um notável conjunto de diplomatas, que representavam um reino que, sendo rico na altura graças ao ouro do Brasil, queria ombrear com as maiores potências europeias.
Pombal não tinha o brilho retórico nem o poder de concisão de D. Luís da Cunha, sendo os seus escritos por vezes repetitivos, para não dizer confusos, e enfadonhos (D. João V não queria, por vezes, ouvir as suas cartas!). Apesar de ter sido um bom organizador, não se pode dizer que Pombal tenha tido grande êxito como diplomata: a Inglaterra era uma velha aliada, desde o tempo do tratado de Windsor, mas pouco ligava às pretensões de Portugal, colocando os seus interesses acima de tudo. Mas foi em Londres que Pombal começou a sua formação de homem de Estado, aprendendo a ser diplomata – ninguém nasce diplomata - e conhecendo um outro tipo de regime, a monarquia constitucional (implantada com a Revolução Gloriosa de 1688), e outros tipos de negócios (como os da Companhia das Índias), para não falar dos avanços científicos e filosóficos que ocorriam na Inglaterra (basta pensar em Newton e Locke). Foi em Londres que Pombal começou a recolher os ensinamentos que o iriam tornar um governante esclarecido. Pombal foi um «estrangeirado» que aprendeu primeiro em Londres e depois em Viena como se fazia na Europa desenvolvida antes de tentar fazer cá dentro.
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