Na continuação de texto anterior (aqui).
Deixemos de lado a ideia de felicidade de Aristóteles, basilar do pensamento ocidental, e de filósofos que se lhe seguiram interessados por esta virtude ou, mais prosaicamente, estado de alma. Situemo-nos no ambiente neoliberal (melhor dito, utraliberal) que tem fixado com finalidade última da vida a produção-consumo, o lucro financeiro, o sucesso material, o mérito individual, a utilidade, funcionalidade e eficácia do agir humano.
Entende-se, neste ambiente que a "felicidade é lucrativa", por isso se tem desenvolvido a "indústria da felicidade" e consolidado a "ditadura da felicidade".
Vê-se prosperar a investigação sobre a felicidade, os rankings da felicidade, a formação para a felicidade, os gabinetes, departamentos que escrutinam/promovem a felicidade...
A felicidade é uma obrigação que não admite interrupções ou excepções, nem, mesmo, variações. Não pode depender das circunstâncias ou das inclinações de cada um.
Não se pode ser feliz de qualquer maneira: tem de se ser feliz de uma certa maneira, que é uma maneira rasa, sobretudo pelo apelo que faz às emoções (as quais, recordo, constituem a base mais ancestral de relação com o mundo: de reacção biofisiológica aos estímulos que dele advêm).
Quem não for feliz dessa certa maneira, que faça por sê-lo, e depressa!
Esse ambiente tem-se infiltrado em todos os sectores da sociedade e também no sistema educativo e formativo público.
Por isso (e referindo-me à notícia que destaquei em texto anterior) uma vez identificada a tristeza (que será falta de felicidade? Enfim, por certo, será uma emoção negativa) entre os professores, há que proporcionar-lhes "literacia emocional", de modo preventivo, na formação inicial, e remediativo, na formação contínua.
E se eles não mostrarem as "habilidades" pretendidas? Não podem entrar na carreira docente? São convidados a abandoná-la?
Imagem recortada daqui |
O caso é o seguinte: uma certa empresa não europeia (isso fará alguma diferença?) "de beleza e bem-estar" passou aos seus funcionários um inquérito para conhecer o seu nível de stress. Em resultado, aqueles que revelaram níveis mais elevados da dita maleita foram despedidos. Em seu benefício, claro!
É isso que se diz no email que receberam: “Para garantir que ninguém permaneça stressado no
trabalho, tomamos a difícil decisão de nos separarmos dos funcionários
que indicaram stress significativo".
Texto recolhido aqui |
A decisão da empresa passou para a comunicação social e não foi bem acolhida. Seguiu-se a emenda: tudo não passava de um mal-entendido pois o que se havia pretendido fazer era uma campanha para aumentar a conscientização sobre o stress no trabalho (ver aqui e aqui).
Lição de moral: quando nos for solicitada colaboração na resposta a um questionário, inquérito, entrevista, escala, o que for, convém perceber que entidade recolhe os dados e com que intenções o faz. É que, lamentavelmente, os dados que facultamos podem virar-se contra nós.
Reforçando o sentido do meu texto anterior: uma vez identificada "tristeza" num apreciável número de professores, a proposta que, mais imediatamente, a tutela apresentou não foi no sentido de superação das causas que possam estar no sistema, mas de os "ajudar" a resolver um problema que lhes será intrínseco. Contudo, não é (ainda) o despedimento...
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