quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

QUEM NÃO É FELIZ QUE TRATE DE O SER E DEPRESSA!

Na continuação de texto anterior (aqui).

Deixemos de lado a ideia de felicidade de Aristóteles, basilar do pensamento ocidental, e de filósofos que se lhe seguiram interessados por esta virtude ou, mais prosaicamente, estado de alma. Situemo-nos no ambiente neoliberal (melhor dito, utraliberal) que tem fixado com finalidade última da vida a produção-consumo, o lucro financeiro, o sucesso material, o mérito individual, a utilidade, funcionalidade e eficácia do agir humano.

Entende-se, neste ambiente que a "felicidade é lucrativa", por isso se tem desenvolvido a "indústria da felicidade" e consolidado a "ditadura da felicidade".

Vê-se prosperar a investigação sobre a felicidade, os rankings da felicidade, a formação para a felicidade, os gabinetes, departamentos que escrutinam/promovem a felicidade... 

A felicidade é uma obrigação que não admite interrupções ou excepções, nem, mesmo, variações. Não pode depender das circunstâncias ou das inclinações de cada um.

Não se pode ser feliz de qualquer maneira: tem de se ser feliz de uma certa maneira, que é uma maneira rasa, sobretudo pelo apelo que faz às emoções (as quais, recordo, constituem a base mais ancestral de relação com o mundo: de reacção biofisiológica aos estímulos que dele advêm).

Quem não for feliz dessa certa maneira, que faça por sê-lo, e depressa!

Esse ambiente tem-se infiltrado em todos os sectores da sociedade e também no sistema educativo e formativo público. 

Por isso (e referindo-me à notícia que destaquei em texto anterior) uma vez identificada a tristeza (que será falta de felicidade? Enfim, por certo, será uma emoção negativa) entre os professores, há que proporcionar-lhes "literacia emocional", de modo preventivo, na formação inicial, e remediativo, na formação contínua.

E se eles não mostrarem as "habilidades" pretendidas? Não podem entrar na carreira docente? São convidados a abandoná-la? 

Imagem recortada daqui
Atendendo a um caso muito recente, que se me afigura verdadeiro, estas perguntas não são tão estranhas como, à primeira vista, poderão parecer.

O caso é o seguinte: uma certa empresa não europeia (isso fará alguma diferença?) "de beleza e bem-estar" passou aos seus funcionários um inquérito para conhecer o seu nível de stress. Em resultado, aqueles que revelaram níveis mais elevados da dita maleita foram despedidos. Em seu benefício, claro! 

É isso que se diz no email que receberam: “Para garantir que ninguém permaneça stressado no trabalho, tomamos a difícil decisão de nos separarmos dos funcionários que indicaram stress significativo".

Texto recolhido aqui

A decisão da empresa passou para a comunicação social e não foi bem acolhida. Seguiu-se a emenda: tudo não passava de um mal-entendido pois o que se havia pretendido fazer era uma campanha para aumentar a conscientização sobre o stress no trabalho (ver aqui e aqui).

Lição de moral: quando nos for solicitada colaboração na resposta a um questionário, inquérito, entrevista, escala, o que for, convém perceber que entidade recolhe os dados e com que intenções o faz. É que, lamentavelmente, os dados que facultamos podem virar-se contra nós.

Reforçando o sentido do meu texto anterior: uma vez identificada "tristeza" num apreciável número de professores, a proposta que, mais imediatamente, a tutela apresentou não foi no sentido de superação das causas que possam estar no sistema, mas de os "ajudar" a resolver um problema que lhes será intrínseco. Contudo, não é (ainda) o despedimento...

6 comentários:

Anónimo disse...

A infelicidade dos "professores do liceu", para me exprimir de uma forma que todos entendem, provém da indisciplina e violência dos alunos, dentro das salas de aula, e do desarrazoado de normas e leis com que, nos últimos anos, coartaram a autonomia pedagógica e científica daqueles que se dedicam a ensinar. A irracionalidade das diretivas obrigatórias no processo de avaliação, por exemplo, vai ao ponto de considerar que o aluno nunca tem a mínima responsabilidade na classificação negativa que o professor lhe queira atribuir. Qualquer indivíduo, mesmo que seja preguiçoso, ou deficiente físico ou mental, se for devidamente motivado, pelo professor regular, e devidamente acompanhado pelo professor do ensino especial, respaldado por relatórios médicos, e pelos assistentes operacionais, obtém, facilmente, em qualquer disciplina, uma classificação positiva e muito elevada, se for preciso! Já não estamos no tempo da escola do conhecimento; o objetivo, na nova escola, é só o diploma!
Isto é uma tristeza!

Carlos Ricardo Soares disse...

A felicidade e a tristeza são-nos de tal modo naturais e inerentes à natureza humana que seria de supor que não as estranhássemos e que, ao querermos ver-nos livres apenas de uma delas, a tristeza, soubéssemos por que o fazemos.
Se há felicidade que resulta da superação de tristezas, não quer dizer que estas sejam a causa daquela e, aliás, há tristezas que são insuperáveis, a não ser por algum processo de tornar inconscientes as suas causas e os seus efeitos.
Não parece, por outro lado, que a tristeza resulte de uma superação da felicidade, ou que esta seja a causa daquela, ou que há felicidades imperturbáveis ou inabaláveis.
É demasiado fácil entristecer e, mais ainda, entristecer alguém. A tristeza parece não depender da vontade do indivíduo, senão na medida em que a felicidade depender da vontade. Ser contrária à vontade, não significa contrário à própria natureza, ou que lhe é adversa, excepto em casos graves, quando a tristeza é destrutiva.
Por outro lado, a felicidade parece ser a realização da vontade, independentemente de ser contra a própria natureza, ou mesmo destrutiva. Aristóteles considerava que " Ser feliz é uma actividade que requer toda uma vida e não pode existir em menos tempo”. Penso que se referia ao sentimento de felicidade como algo revogável até ao momento da morte.
Mas, se ser feliz é uma actividade, a tristeza não, e não requer nada de especial, basta estar vivo. Isto, a ser assim, faz supor que, tristeza e felicidade não são como duas faces da mesma moeda nem, menos ainda, a antítese uma da outra.
É demasiado difícil, ou até impossível, fazer alguém feliz, sobretudo contra a sua vontade, como se fizesse sentido alguém não ter vontade de ser feliz.
Haver uma indústria, ou uma medicina, da felicidade não destoa do facto de haver outras indústrias, só realça que tudo o que fazemos tem em vista alguma forma de felicidade e nunca a tristeza.
Talvez nos possamos queixar de fazermos representações da felicidade que não passam disso, de acreditarmos numa miragem, felicidade tanto mais efémera quanto mais rapidamente nos desiludirmos. Neste caso, a verdade é o que entristece.
Saber o que entristece e saber porque é que isso entristece pode não ser fácil e pode não ser possível. Do mesmo modo, é da maior importância que saibamos o que faz as pessoas felizes e porque é que isso as faz felizes.
Se a felicidade vale por si e pode haver vantagem em não averiguar acerca disso, não vá quebrar-se o encanto, também é uma questão pertinente.
Mas a tristeza, sobretudo quando não é claro, nem o que a causa, nem as razões pelas quais isso a causa, constitui um problema que pode ser maior ou menor consoante as consequências, desde logo, para quem a sofre.
É que há tristezas e tristezas. A tristeza de uns, muitas vezes, é a felicidade/alegria de outros, por exemplo, num jogo, numa competição, num concurso, numa promoção. Noutros casos, não há como não ficar triste, como acontece quando alguém perde nas partidas que o destino prega. Em geral, é necessário abstrair daquilo que, objetivamente, dá razões e motivos para ficarmos tristes, ou cairmos em estados de tristeza e de desânimo.
Existe uma variada terminologia associada ao conceito de felicidade.

Carlos Ricardo Soares disse...

(Continuação)
Em vez de felicidade, também se diz alegria, satisfação, ou satisfação de necessidades, bem-estar, realização de objetivos, êxtase, plenitude, clímax e, em vez de tristeza, sentimento de mal-estar, sofrimento, dor, frustração, privação, carência, incapacidade, impotência, ira, desespero, ódio, medo, terror.
E, sabendo isso, se houver alguma forma de tornar mais difícil, ou menos fácil, que as vivências, experiências, condições sócio-culturais e físicas exógenas e endógenas nos entristeçam, valerá a pena ponderar se é melhor ficar triste e desanimar.
Qual é o papel da nossa vontade, dos nossos pensamentos e das nossas expressões corporais, no nosso entristecimento e na nossa tristeza? Qual a relação da nossa tristeza com a tristeza, ou a felicidade dos outros? Os sentimentos têm rosto?
Quantas perguntas?
Entristecer os outros, se é, sobretudo, um problema deles, é também de quem os entristece.
Se houvesse o direito de entristecer alguém, estaria muito circunscrito a situações em que alguém tem um direito de ser entristecido, ou melhor, há situações em que entristecer, ficar triste, é um efeito esperado, embora não desejado, dessa situação, mas esse efeito não justifica que se prive do direito de ser entristecido quem tem esse direito, como por exemplo, quando se dá uma má notícia.
Ora, apesar de ninguém ter o direito de entristecer ninguém, todos temos o direito de ficar tristes sem termos a obrigação de prestar contas da nossa tristeza.
No caso dos professores, a tutela, como muito argutamente reforça a Professora Helena Damião, ao supor que a tristeza dos professores não tem as suas causas no sistema e ao pretender que é problema deles, está a inverter capciosamente os dados sobre a realidade e, ao transferir a responsabilidade para as vítimas, agrava ainda mais o problema destas.

Anónimo disse...

O pseudo-sucesso educativo, universal e gratuito, transfigurado em vaca sagrada do sistema de ensino, conduz, inevitavelmente, à perdição cultural da massa estudantil, consumida nos prazeres efémeros das passagens de ano em modo de cruzeiro automático, e à infelicidade de cerca de metade do corpo dos professores que, para além de serem abertamente proibidos de ensinar, têm de cumprir mil e uma tarefas burocráticas inúteis dentro das escolas.

Anónimo disse...

Quanto aos inquéritos, penso ser sensato concluir que, na esmagadora maioria, se estão borrifando para as opiniões, o que lhes interessa são as respostas. Como princípio geral, "tudo o que disseres pode ser usado contra ti e tens o direito de ficar em silêncio"

Helena Damião disse...

Caro Leitor Anónimo, os investigadores devem colocar a questão que apresenta: investiga-se para quê e em benefício de quem? Mesmo com as melhores intenções, os resultados da investigação, podem desencadear efeitos negativos, que, reconheço, nem sempre se conseguem prever. De modo que, como diz, "tudo o que disseres pode ser usado contra ti" é um princípio a ter em conta quando se aceita participar num estudo. Se a consequência deste tipo de estudos, for o encaminhamento para um programa de fortalecimento, de ampliação, de aquisição... de competências não directamente implicadas no ensino. Cordialmente, MHDamião

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