quarta-feira, 15 de setembro de 2021

A DIGITALIZAÇÃO NA ESCOLA PÚBLICA: "HÁ UMA MORAL A TIRAR..."

O sistema público apoiado por Adams, Jefferson e outros foi mais bem descrito 
por Horace Mann, outro grande defensor das escolas públicas nos EUA. 
Ele afirmava que as escolas públicas eram a maior invenção da humanidade; 
e as considerava as grandes equalizadoras das sociedades! 
Entretanto, o sistema público que incontestavelmente levou os EUA 
à sua grande eminência no século XX infelizmente já não é considerado útil
pelos líderes corporativos e políticos na minha nação.
David Berliner, 2018, 46 (aqui)

Na última edição do semanário Expresso saiu um artigo de opinião, assinado pelo jornalista Luís Pedro Nunes, que deve ser lido e tido em especial consideração por aqueles, talvez já poucos, que ainda se importam, mesmo que minimamente, com a função dos sistemas educativos públicos: educar, no verdadeiro sentido que a palavra tem, todas as crianças e jovens, independentemente das suas origens e características.

Nessa nobre e exclusiva tarefa, esses sistemas não podem deixar de se orientar por princípios éticos reconhecidos e estabelecidos em documentos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e nacionais, como a Constituição da República Portuguesa. Entre eles contam-se, recordo e sublinho, a igualdade e a justiça. 

Portanto, todas as crianças e jovens devem ser educados, nas escolas que se encontram sob a tutela dos Estados democráticos — nem falo dos que o não são —, em função destes e de outros princípios igualmente estimáveis. 

Se tivermos alguma capacidade de observação e quisermos ser honestos, reconheceremos o progressivo afastamento desse acordo a que, como civilização, conseguimos chegar, e ainda não há muito tempo. 

Sei bem que a figura plural e sinistra, que se acolhe sob a designação de "interessados na educação", se tornou omnipresente em tais sistemas e, por falência dos Estados — ou seja, nossa —, tomou conta deles. Os grandes magnatas das tecnologias digitais estão entre os primeiros "interessados" e disso não fazem segredo.

Com as suas palavras encantatórias, distraem(-nos) da realidade, conduzindo-a a seu bel-prazer. A determinação e os meios que possuem, sem encontrarem contestação de maior, garantem magníficos resultados... Mas há quem perceba o seu jogo. Luís Pedro Nunes, mesmo sem ser especialista em educação, percebeu-o bem. Basta, suponho eu, estar-se atento ao que se passa e ter-se sentido ético.

Lê-se ao lado o título do seu artigo, mas escrevo-o para lhe redobrar a força que tem: Ricos a aprender como pobres... sendo continuado... e pobre cheios de gadgets tecnológicos viciantes e caros, sendo rematado com uma terceira frase: Há uma moral a tirar disto. Por si só, ele bastaria para se perceber a iniquidade: a educação pública que uns fabricam e impõem aos filhos dos outros não é a mesma que querem para os seus. Estes têm a educação privada que potencia a inteligência e mantém as distâncias sociais, económicas e outras. Diz o articulista:
"... já não são só os gurus da tecnologia, os milionários de Silicon Valley que proíbem os filhos de usar telemóveis ou de se aproximar de um ecrã, como os seus funcionários, os que inventam e desenvolvem essa indústria, que colocam os seus infantes em escolas 'sem tecnologia'. Há mesmo toda uma 'escola de pensamento' de papás e mamãs ultrarricos que exigem que os seus filhos sejam criados como luditas sem acesso a internet, smartphones e videojogos. 
Para os pobres — e mundo em geral — continua vigente a ideia de que é absolutamente essencial colocar computadores nas escolas para a pequenada ser digital (...) 
Já os milionários querem que os colégios hipercaros não tenham computadores e que os filhos brinquem com cavalinhos de madeira e às refeições conversem (...) a tendência espalhou-se às chamadas tech-elites. Esses pais temem não a tecnologia em si, mas sim 'o tempo perdido a fazer coisa nenhuma' por não ser produtivo, mas socialmente destrutivo. Ou seja: na parte em que eles descobrem modos de viciar pessoas em estar agarradas aos ecrãs (...). 
Por isso dizem que a sua descendência 'precisa de aprender a ser criativa, a ter pensamento crítico e a resolver problemas'. O que pelos vistos não se consegue a passar 5 horas no Instagram ou no TikTok. Quem trabalha em Silicon Valley sabe que os nossos cérebros estão raptados pelos smartphones. E querem obviamente poupar os filhos. 
Com os novos desenvolvimentos de ´design persuasivo´ (que tem apoio de psicólogos na conceção, o que levanta dúvidas no campo ético) e inteligência artificial ninguém tem hipótese de desligar após estar agarrado. As grandes empresas de tecnologia estão a fazer uma experiência social à escala global com as crianças — a retirar-lhe competências sociais e cerceá-las da sua humanidade. Vai ser giro (...).
Os pais ultrarricos tech querem os filhos a aprender com ferramentas de pobres porque sabem o pendor diabólico do que estão a criar (...). Mas o destino está traçado: a tecnologia vai escravizar-nos sem piedade (...).
Há algum tempo deixei aqui uma nota sobre o mesmo assunto. Devo dizer que, ao rever os depoimentos dos "pais ultrarricos tech" — a expressão é interessante! —, me toca particularmente o tom neutro com que admitem beneficiar os próprios filhos em prejuízo dos filhos alheios. Mas ainda me toca mais os educadores da escola pública fazerem, convictamente, o jogo. 

Há, na verdade, "uma moral a tirar disto tudo": quando acordarem, se acordarem, pouco ou nada haverá a fazer por tantos milhões de miúdos que, sendo, pela nascença excluídos do selecto "clube global de eleitos", estão condenados à ignorância certificada e, em última instância, à alienação.

1 comentário:

Anónimo disse...

Tiago Brandão Rodrigues e a sua entourage de cientistas da educação portugueses estão a dar os últimos retoques na mediocridade que trouxeram para a escola pública, cumprindo zelosamente as ordens que recebem da OCDE.
Já não há lugar para desculpas ou disfarces. O desplante dos lacaios da OCDE já admite abertamente que para formar alunos medíocres devemos ter nas escolas professores, mentores e educadores medíocres.
A biologia e a estatística ensinam-nos que as capacidades de aprendizagem não são iguais em todos os seres humanos. Decretar que os seres humanos são todos igualmente medíocres é uma estupidez aberrante, tanto no campo das Ciências Naturais como na esfera da Matemática.
Sem a pedrada no charco que tarda, as escolas públicas estão cada vez mais parecidas com redis onde se guardam carneiros que já nem aos seus pastores obedecem.
































































































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