Início do "meu" capítulo do livro "Convocatória. Conversas para ir a jogo" que acaba de sair na Casa das Letras (grupo Leya) . O seu autor é o jovem (24 anos) treinador de futebol Francisco Guimarães que noutros capítulos reproduz entrevistas que fez a pessoas do desporto como Fernando Santos, Bernardo Silva, José Mourinho, Miguel Oliveira assim como a pessoas doutras áreas (23 convocados no total). O meu lugar na convocatória é na baliza, talvez atendendo á idade (os guarda-redes jogam mais anos). O que está em itálico são as minhas declarações, que foram gravadas e são comentadas pelo Francisco.
A conversa que tive com Carlos
Fiolhais foi medida do Universo – caótico e ordeiro, extenso e sucinto. Teve
tanto de surpreendente como de interessante, como os biliões de partículas que,
habitando dentro de nós, pertencem ao Cosmos.
Possivelmente, muitos de nós
tivemos a experiência de não gostar de Física na escola. Eu, pelo menos, não
gostava nada. Era uma disciplina difícil, quase impossível. A sua linguagem
própria era inacessível para mim, uma mente levada pelas Letras e Humanidades,
e, logo que pude, substituí-a por Filosofia e Psicologia. Assim passei o 12.º
ano, escapando à tortura que eu imaginava ser energia = massa x velocidade da luz ao quadrado.
Mas, por culpa de Carlos
Fiolhais, Henrique Leitão e outros mestres que se atravessaram no meu caminho,
converti-me ao fascínio da Física, e percebi, através da sabedoria e da paixão,
ou, como disse Albert Einstein, da “curiosidade apaixonada”, com que os maiores
génios explicavam o propósito desta disciplina, que afinal a física era sobre
mim e sobre as coisas mais fantásticas que via acontecer em meu redor. E mais,
tinha tudo que ver com o futebol, ainda que eu e tanta gente pensasse
erradamente que, além da bola ser semelhante à Terra e à Lua na sua forma, eram
mundos totalmente distantes. Mas não são assim tão distantes. Tanto a bola como
os astros são imprevisíveis e emocionantes. O seu conhecimento requerem uma
técnica e uma perícia para se conhecerem na sua globalidade. Ainda por cima, como
diz Carlos Fiolhais, nos relatos de futebol costuma falar-se muito no
esférico. Portanto, podemos ver o futebol pelos olhos da física. E ver a
Física pelos olhos do futebol também é interessante. Como no futebol, existem
uns de um lado e outros de outro, e também tem de haver árbitro. O que é o
árbitro nas disputas da Física? O árbitro das disputas da Física é a Natureza.
Ela modera, regula, diz quem é que tem razão, diz quem é que ganha. Uma
pessoa pode ter as ideias que julga serem as melhores do mundo e ser
contrariada por outras ideias e, o que é pior, pelas ideias do próprio mundo.
Existe uma disputa, porque a Física e a Ciência em geral são sempre disputas
de ideias; não há muita gente a ver o jogo, mas há sempre gente a ver o jogo. É
a chamada comunidade cientifica. E há disputas acesas dentro da comunidade
científica. Às vezes, também há capitães de equipa. Há uns que transmitem as
ideias formando um conjunto, agrupando pessoas á sua volta. Também há
treinadores e táticas. Mas a diferença é que quem ganha o jogo – estou a falar
do jogo das ideias sobre o mundo – é o próprio mundo. A nossa realidade, o
sitio onde estamos, é como é, e não de outra maneira, e a Física consiste em
descobrir as regras do jogo do mundo. Mas, ao contrário do futebol, no
funcionamento do mundo, não somos nós que inventamos as regras. As regras já
estão estabelecidas desde que o mundo existe.
A Natureza vence sempre. Tudo o
que se faça segue as leis do Universo, mesmo que pareça estarmos a forçar ou a
contrariar um certo comportamento – como rematar uma bola com efeitos, por
exemplo – no fundo, estamos sempre a ir a cumprir as regras estabelecidas. As
leis que regulam o Cosmos são fixas e a tarefa da Física é descobri-las, é
romper o mistério de quais elas são. Os grandes pensadores da Física – Galileu,
Newton, Einstein – tiveram esta preocupação de saber como é a Natureza. Precisaram de uma grande imaginação para conseguirem imaginar
o mundo tal qual ele é. Dito de uma forma metafórica: a imaginação do mundo é
muito maior do que a nossa. Então, temos de ser muito imaginativos para saber
como ele é. Newton percebeu a lei da gravitação universal de um modo muito
curioso, segundo uma história inventada por ele, que é fácil de lembrar: a
história da macieira. Ele estava debaixo de uma macieira quando lhe uma maçã na cabeça – e a maçã é aproximadamente esférica. Essa maçã, devido a
uma atração, cai para a Terra, um esférico maior. É claro que nos tempos
antigos havia outras maneiras de descrever isto. O Aristóteles dizia que o
lugar natural das coisas é junto à terra. E, portanto, as coisas iam para o seu
lugar natural… Da mesma maneira que o ar sobe porque o seu lugar natural é
acima da terra e da água. Essa é uma ideia que, no fundo, não explica
nada. Diz apenas como as coisas são. O pensamento de Newton é mais sistémico:
há uma força, a força faz mover uma coisa, e o estado natural não é apenas o
repouso. Mas é muito curioso: Galileu já
tinha dito que o estado natural pode ser o repouso ou pode ser um movimento
uniforme. A força vai mudar o estado do movimento, quer seja repouso, quer seja
de velocidade constante. Uma velocidade mantém-se eternamente se não for
perturbada por uma força.
Se observarmos atentamente aquilo
que os nosso olhos alcançam, somos forçados a perguntar: se a maçã cai, porque
é que a Lua não cai? Porque é que as estrelas não caem, como fazem os
meteoritos e as frutas maduras? A
questão é: ‘porque é que a Lua não cai nas nossas cabeças?’. É uma
boa questão. Eu costumo colocar aos meus alunos com este tipo de perguntas. É
com elas que os físicos se preocupam. De facto, a Lua cai.
Há cerca de 4,5 mil milhões de
anos formou-se, a partir de uma nebulosa, o Sistema Solar. Começou com um disco
a rodar e a parte mais quente dele, que estava no centro, acendeu-se para
formar a estrela Sol. Formaram-se, mais perto do Sol, planetas rochosos,, entre
os quais está a Terra (é a terceira bola
a seguir à bola do sol) e, mais longe, grandes bolas gasosas: Júpiter, Saturno, etc. Nessa
altura havia uma grande confusão. Parecia um jogo de matraquilhos com muitas
bolas… Aconteceu que um dos astros vadios, um pequenos corpo, que andava nessa confusão inicial, bateu na
Terra. E houve um choque cósmico, numa altura em que ainda não havia vida na
Terra. O choque foi de grandes proporções
e a Lua é o resultado desse choque. Uma parte caiu na Terra, outras podem
ter-se espalhado no Espaço. Mas a parte que ficou a orbitar, que corresponde à
nossa Lua, e cujas rochas são tão antigas como as da Terra (já lá fomos
buscá-las!), tinha a velocidade certa para estar em órbita.
Tal como a Lua, a maçã também
poderia estar em órbita. Newton percebeu isso. A maçã pode ser transformada
num satélite, imitando a Lua. Se lhe conferirmos uma velocidade na horizontal,
ela cai mais à frente. E com uma velocidade maior, que os meus alunos conseguem
calcular, fica em órbita da Terra. Isto são as leis da mecânica de Newton em
ação. Passa-se a mesma coisa com um objeto a maior altitude, que pode ficar em
órbita a uma velocidade menor – a velocidade varia conforme a distância à
Terra. Portanto, no início do Sistema Solar, a Lua, ficou com a velocidade
certa para estar em órbita à distância em que está. Senão, não tinha ficado
assim, já tinha caído, ou ido para outro lado. Repare-se na unidade do mundo (os físicos adoram falar da
unidade do mundo – existem regras universais e imutáveis): a força que faz a
Lua manter-se em órbita é do mesmo tipo da força que faz a maçã cair para a
Terra. É a força de gravitação universal. Se a Lua estivesse quieta, agarrada
por uma mão muito poderosa, e fosse largada, era certo e sabido que viria bater
na Terra. E podemos calcular quanto tempo demoraria, com que velocidade caía,
etc. É um problema que dou aos meus alunos. Alguns deles demoram tanto tempo
que eu, a brincar, até lhes digo: ‘A Lua já teria caído!’.
A Lua foi fundamental para o espalhamento
da vida no planeta Terra. O encadeamento de vários acontecimentos, numa relação
causal, é fascinante. A Lua tem influência na Terra. Não é astrológica. Tem principalmente
que ver com as marés. As marés foram muito
importantes na evolução da vida. Muito provavelmente, não sabemos – há muitos
mistérios sobre o modo como a vida começou –, a vida começou no mar. E foi o fenómeno
repetido das marés que fez com que, em certa altura, a vida se ‘espraiasse’, isto é, aparecesse na praia. E os seres vivos viram
que a praia era boa. Há uns que vão da terra para a praia divertir-se no mar.
Mas queles indivíduos, microrganismos ou seja lá o que for, vieram do mar para
terra e estabeleceram-se aí.
A realidade, de facto, existe.
Os cientistas procuram descobrir o que é, o que há, o que se move, por que
razão se move e como é que se move. A Ciência descobre e explica a realidade
como ela é, tendo desenvolvido ferramentais mentais para compreender o mundo em
que vivemos.
(...)
Francisco Guimarães e Carlos Fiolhais
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