Novo texto de Eugénio Lisboa:
Jorge Sampaio, que foi esta coisa mais rara do que se supõe – um homem fundamentalmente decente – acaba de nos deixar.
Foi, desde os tempos de estudante, um homem saudavelmente turbulento, corajoso e generoso, isto é, capaz de se arriscar, na luta contra um regime iníquo, pelintra, pifiamente provinciano, que se queria pobrete mas alegrete, o que o não impedia de ser brutal quanto baste.
Como jovem advogado – que dizem ter sido brilhante – defendeu incansavelmente os presos políticos acusados de coisa nenhuma, pelos sipaios do antigo regime, incluindo um grande número de estudantes, acusados do crime nefando de afixarem cartazes a pedir que o país mudasse.
Jorge Sampaio foi político por generosidade de temperamento, porque tinha o coração no lado certo e porque a falta de respeito pelos direitos humanos, tão acarinhada pelo Estado Novo, lhe fazia mau sangue.
Era, dizem, muito impulsivo e emotivo, características que costumam habitar em seres que não sofrem bem as injustiças e os atropelos de toda a ordem.
Era hábil, politicamente, como se comprova com ter conquistado a difícil câmara de Lisboa e ter ascendido ao topo da hierarquia política: a Presidência da República. Mas subiu – coisa altamente improvável – sem se conspurcar. Subiu porque usou a mais esbelta e decente das armas que normalmente levam ao topo da pirâmide: segundo Sócrates, via Platão, é mais fácil corromper do que persuadir. Sampaio ficou conhecido por preferir a segunda: a persuasão, em que era, dizem, exímio.
Jorge Sampaio deixa-nos este património invulgar em qualquer político: uma carreira impoluta que, mesmo assim (ou por isso) se impôs a correligionários e a adversários políticos. E ao povo em geral.
O filósofo espanhol Ortega y Gasset escreveu um ensaio admirável, que todos os políticos (e os não políticos também) deviam ler: “Mirabeau ou o político”.
Neste ensaio, admiravelmente pensado e melhor escrito, o pensador espanhol, servindo-se de Mirabeau, como arquétipo do político, desvela, com invulgar argúcia e minúcia, de que metal é feito este peculiar animal: o político – as virtudes que tem e as que não tem, acontecendo que são estas segundas, as que não tem, que sobretudo lhe permitem subir no organograma do poder. Sampaio, improvavelmente, ascendeu ao topo, fazendo profusamente uso das virtudes que Mirabeau não teve, principalmente esta: uma inatacável decência.
O áspero e grande escritor francês Henry de Montherlant escreveu um dia isto, acerca do seu colega Roger Martin du Gard, em tudo tão diferente de si: “Um escritor francês vivo, que se pode respeitar – é sensacional.”
Vou, com gosto, parafraseá-lo, para me despedir de Jorge Sampaio, a quem todos tanto devemos: “Um político que sobe ao ponto mais alto da hierarquia, sem se sujar – é sensacional.”
Eugénio Lisboa
1 comentário:
O Dr. Jorge Sampaio fez coligações com o PCP que o Sr. Eugénio Lisboa propositadamente escondeu no seu texto. Porque foram coligações com aqueles que, quando lhe interessa dizer, o Sr. Eugénio Lisboa, usa as palavras, defenderam o 'paraiso' soviético e o País do Gulag.
É por isso curioso ver como é que foi possível ao Dr. Jorge Sampaio, pelo caminho que escolheu, conseguir passar pelo pelo crivo do Sr. Eugénio Lisboa, e este não lhe observou nenhuma sujidade.
O Dr. Jorge Sampaio foi talvez o melhor Presidente que o país teve, sem dúvida que assim é para muitos, mas isso não significa que foi o Presidente que o país precisava, porque o não foi também para muitos.
Quem tiver um pouco de atenção ao este texto e à forma de escrita do Sr. Eugénio Lisboa, poderá compreender facilmente, que este texto só é possível porque reflecte aquilo que observou Almeida Garrett, e que sintetizou na frase 'A terra é pequena e a gente que lá vive também não é grande'.
E é este texto do Sr. Eugénio Lisboa, que o autor pretende que seja uma obra moralizadora, mas que em grande medida, essa MORALIZAÇÃO, assenta em certos princípios mais que discutíveis.
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