Novo poema de Eugénio Lisboa:
AS PALAVRAS
No poema, as palavras encontram
outras palavras,
que nunca tinham visto, mas logo
se enamoram,
uma da outra, porque se sentem
próximas
uma da outra, atraídas por uma
química
As palavras, no poema,
fazem casamentos singulares,
inesperados, fecundos,
e, juntas, exploram o mundo,
como, antes, nunca tinha sido
explorado.
Palavras banais, em que ninguém repara
e andam para aí usadas, quase sem serem
vistas,
surgem de novo, com outra força, com outra luz,
com outra sedução, que lhes dá o poeta,
com a sua lâmpada de Aladino.
Friccionando bem as palavras,
o poeta trá-las de novo à vida
como o Cesário, que, tuberculoso,
sonhava com uma mulher,
imaginem,
“aromática e normal”!
O Cesário, doente e, por isso,
nada normal,
ficou seduzido, não por uma mulher
muito bela
ou muito vistosa ou muito
inteligente,
mas por uma mulher que tivesse
aquilo que ele não tinha e não
voltaria a ter:
a normalidade da saúde que,
naquela mulher sonhada, se iluminara,
de repente,
como a coisa mais apetecida do mundo.
A palavra “normal” foi assim
ressuscitada da sua morte aparente
pela fragilidade criativa do Cesário.
É que as palavras têm tesouros
escondidos,
só há que encontrá-los, para
transformar palavras murchas
em palavras cintilantes e acabadinhas
de nascer.
Não se esqueçam das palavras, mesmo
as mais humildes:
há nelas possibilidades que ninguém
imagina.
Os especialistas destas coisas
chamam-se poetas.
Eugénio Lisboa
06.09.2021
1 comentário:
O Eugénio Lisboa fez um belo poema, que é obra rara, humana. Nenhum outro animal fez ou faz poemas. Quanto aos deuses, por mais que os homens os ponham a falar, nada dizem que não seja de humanos sobre humanos (não sobrehumanos) e não têm linguagem própria, nem cuidaram nunca disso.
Se os deuses não têm palavras, nem palavra (e os demónios também não), as palavras têm tudo, todos os deuses e demónios e exorcistas, todos os universos, todas as soluções e todos os problemas e todas as esperanças, tudo o que é morto e tudo o que é vivo e tudo o que nunca viveu, embora exista, ou não.
As palavras, nem por isso merecem adoração, não querem, não precisam, não desejam, não sabem, não sentem, não vibram, não soam e não morrem, mas são abandonadas… As palavras são impolutas e têm uma honestidade absoluta, de tal modo que os poetas, quando as encontram esquecidas, suspeitam logo de traição.
Tirem-nos tudo, mas deixem-nos as palavras, diriam os poetas. Tirem-nos as palavras, mas deixem-nos tudo, diriam os matemáticos.
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