quinta-feira, 9 de setembro de 2021

"AS PALAVRAS" DE EUGÈNIO LISBOA

 Novo poema de Eugénio Lisboa:

AS PALAVRAS 

    No poema, as palavras encontram outras palavras,

    que nunca tinham visto, mas logo se enamoram,

     uma da outra, porque se sentem próximas

     uma da outra, atraídas por uma química irresistível.

     As palavras, no poema,

     fazem casamentos singulares, inesperados, fecundos,

     e, juntas, exploram o mundo,

     como, antes, nunca tinha sido explorado.

     Palavras banais, em que ninguém repara

     e andam para aí usadas, quase sem serem vistas,

     surgem de novo, com outra força, com outra luz,

     com outra sedução, que lhes dá o poeta,

     com a sua lâmpada de Aladino.

     Friccionando bem as palavras,

     o poeta trá-las de novo à vida

    como o Cesário, que, tuberculoso,

    sonhava com uma mulher,

    imaginem,

    “aromática e normal”!

   O Cesário, doente e, por isso,

  nada normal,

ficou seduzido, não por uma mulher muito bela

ou muito vistosa ou muito inteligente,

mas por uma mulher que tivesse

aquilo que ele não tinha e não voltaria a ter:

a normalidade da saúde que,

naquela mulher sonhada, se iluminara, de repente,

como a coisa mais apetecida do mundo.

A palavra “normal” foi assim ressuscitada da sua morte aparente

pela fragilidade criativa do Cesário.

É que as palavras têm tesouros escondidos,

só há que encontrá-los, para transformar palavras murchas

em palavras cintilantes e acabadinhas de nascer.

Não se esqueçam das palavras, mesmo as mais humildes:

há nelas possibilidades que ninguém imagina.

Os especialistas destas coisas chamam-se poetas.

Eugénio Lisboa
06.09.2021

1 comentário:

Carlos Ricardo Soares disse...

O Eugénio Lisboa fez um belo poema, que é obra rara, humana. Nenhum outro animal fez ou faz poemas. Quanto aos deuses, por mais que os homens os ponham a falar, nada dizem que não seja de humanos sobre humanos (não sobrehumanos) e não têm linguagem própria, nem cuidaram nunca disso.
Se os deuses não têm palavras, nem palavra (e os demónios também não), as palavras têm tudo, todos os deuses e demónios e exorcistas, todos os universos, todas as soluções e todos os problemas e todas as esperanças, tudo o que é morto e tudo o que é vivo e tudo o que nunca viveu, embora exista, ou não.
As palavras, nem por isso merecem adoração, não querem, não precisam, não desejam, não sabem, não sentem, não vibram, não soam e não morrem, mas são abandonadas… As palavras são impolutas e têm uma honestidade absoluta, de tal modo que os poetas, quando as encontram esquecidas, suspeitam logo de traição.
Tirem-nos tudo, mas deixem-nos as palavras, diriam os poetas. Tirem-nos as palavras, mas deixem-nos tudo, diriam os matemáticos.

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