Tudo começa, e bem, com a criação, em 1984, do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza (Decreto-lei 107/84, de 2 de Abril), ao tempo do Primeiro-ministro Mário Soares.
É por demais sabido que, entre nós, quando mudam os protagonistas da coisa pública, mudam-se os nomes de ministérios, de secretarias de estado, de direcções-gerais, de institutos, laboratórios e outros organismos públicos, ao sabor das novas políticas e dos novos governantes, o que sempre acarreta perturbações no trabalho e custos desnecessários. Mas é assim. Sempre assim foi e continuará a ser. Foi o que aconteceu, nove anos mais tarde, em Maio de 1993, ao tempo do governo de Cavaco Silva, mudando-lhe o nome para Instituto de Conservação da Natureza (ICN), um nome bem escolhido, que abarcava todo o universo do anterior Serviço Nacional, dito em apenas três palavras.
Conheci bem e trabalhei em estreita colaboração com este Instituto nos anos de 1995 a 2002, durante os governos de António Guterres, era Ministra do Ambiente e, depois, do Planeamento a economista Elisa Ferreira.
Quando, em 2007, sabe-se lá por que iluminada inspiração, o governo de José Sócrates entendeu mudar o nome deste Instituto bem conhecido por todos pela sigla ICN, para “Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade” (ICNB) (Decreto-Lei 136/2007, de 27 de Abril), lá longe, no reino das almas, Aristóteles, o pai da lógica, terá comentado: «Estes rapazes acabam de cometer um erro grave, posto que, logicamente, a nova designação pressupõe que a biodiversidade não pertence à natureza. E a verdade é que pertence». E terá acrescentado: «O antigo nome deste departamento do Estado estava correcto, dizia tudo, o necessário e o suficiente».
Como já afirmei noutros locais, esta nova designação do citado organismo foi, pois, redundante, desnecessária, logicamente absurda e cientificamente ridícula.
Não obstante as vozes que se levantaram contra este dislate, eis que, cinco anos depois, outros “rapazes”, agora no governo de Passos Coelho, cometeram o mesmo disparate, ao rebaptizá-lo de “Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas” (ICNF) (Decreto-Lei n.º 135/2012, de 29 de Junho), numa aceitação igualmente implícita de que as florestas não fazem parte da mãe natureza.
Os que tiveram o privilégio de estudar, aprenderam que a lógica é o ramo da filosofia que ensina a pensar correctamente na busca séria do conhecimento. Aprendemos ainda que foi Aristóteles, no século IV a. C., o introdutor desta metodologia do pensamento da Grécia Antiga, o mesmo que ainda regula as nossas vidas. A lógica é, pois, como que a ferramenta do pensador. Conta-se que um jovem curioso de saber se dirigiu a este que foi discípulo de Platão, e mestre de Teofrasto e de Alexandre, o Grande, dizendo-lhe que queria aprender com ele coisas sobre animais e invertebrados. Como resposta, Aristóteles (que também foi naturalista e quem primeiro dividiu os animais em vertebrados e invertebrados) ter-lhe-á dito, complacente: «Meu jovem, a tua frase conduz a um erro grave, posto que, logicamente, pressupõe que os invertebrados não são animais. E a verdade é que são. As formigas ou os mosquitos são tão animais como os cavalos ou as galinhas».
As duas infelizes designações oficiais (ICNB e ICNF) que responsáveis da administração, falhos de cultura científica, resolveram atribuir a esta instituição, revelam-se tão absurdas como as que, entre outras barbaridades, poriam em evidência esta negação do pensamento lógico:
“Sindicato dos médicos e dos cardiologistas”
“Confraternização de militares e sargentos”
“Dia mundial dos monumentos e dos castelos”
“Acção metropolitana de apoio à família e aos filhos”
“Observatório para o estudo dos pequenos mamíferos e dos morcegos”
“Liga de defesa e valorização das árvores e dos sobreiros”
“Comissão reguladora da venda do peixe e do bacalhau”
“Sociedade exportadora de frutas e de laranjas”
“Fundo de apoio à comunicação social e aos jornais”
“Governantes e ministros em férias no Algarve”
etc., etc., num nunca mais acabar de disparates alheios ao pensamento do imortal estagirita e criador do Liceu de Atenas.
São dez violentas pedradas na lógica. Proferir ou escrever estas frases seria subentender que os filhos não pertencem à família, que os morcegos não são mamíferos, que os sobreiros podem ser tudo menos árvores e que o bacalhau não é peixe, nem as laranjas, frutos. Seria afirmar que os jornais estão fora da comunicação social e que os senhores ministros não são governantes, o que, nalguns casos, até faz algum sentido.
Se é verdade que o Instituto em causa tem obra feita e bem feita na conservação da natureza viva, ou seja, na biodiversidade, também é verdade que, tirando a burocrática e minuciosa prosa constante dos documentos oficias que classificaram os sete Monumentos Naturais existentes em Portugal (não por sua iniciativa, mas por pressões exteriores de outras entidades), nada fez pela conservação da geodiversidade, em geral, nem, sequer, pela dos Monumento Naturais que foi levado a classificar. O Monumento Natural referente à jazida de icnofósseis (as pegadas de dinossáurios) da Pedreira de Santa Luzia em Pego Longo (Carenque) é um deles.
Lembremos que esta importante Jazida foi classificada como Monumento Natural, em 1997 (Decreto n.º 19/97 de 5 de Maio), durante o governo de António Guterres. São seus objectivos fundamentais “a preservação e conservação da jazida de icnofósseis da Pedreira de Santa Luzia, bem como o seu estudo científico e divulgação numa perspectiva de educação ambiental”.
Não obstante as sucessivas e insistentes diligências que empreendi, ao longo destes 24 anos, o abandono a que foi votado este Monumento Natural é uma vergonha e um manifesto incumprimento de uma obrigação legal, bem expressa no Artigo 7.º do referido Decreto n.º 19/97. onde se lê: “A fiscalização do disposto no presente diploma compete ao ICN, em colaboração com as autarquias locais e demais entidades competentes, nos termos da legislação em vigor”.
Este Monumento Natural voltou a ser lixeira e é hoje um matagal com ervas e arbustos, tudo nascido e enraizado na própria laje que contém as pegadas. Uma vergonha para a Câmara Municipal de Sintra e uma vergonha ainda maior para o dito Instituto, a quem, como se leu atrás, compete fiscalizar e zelar por este valioso património.
Em Julho deste ano o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra deu-nos razão, no seguimento de uma Providência Cautelar que havíamos interposto, condenando o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e a Câmara Municipal de Sintra, a cumprirem, exactamente, aquilo a que a lei, expressamente, os obriga, constante no atrás Artigo 7.º do referido Decreto n.º 19/97. Não satisfeitos com esta decisão da primeira instância, estes dois organismos recorrem para a instância imediatamente superior. Se, de certa maneira, mais tolerante, se pode compreender a ignorância e a insensibilidade da autarquia para este tipo de problemas, cujas preocupações abarcam um sem número de outros, próprios de um dos maiores concelhos do país, não se pode, de maneira nenhuma, aceitar esta irresponsabilidade de um organismo do Estado que tem por estatuto conservar a natureza e a natureza, como todos sabemos começou pela geodiversidade e só centenas de milhões de anos depois surgiu a biodiversidade.
Esta irresponsabilidade que visa arrastar o problema por um tempo ao limite do possível, está a permitir a contínua degradação e eventual destruição da jazida é, afinal, um crime contra o património geológico impensável por parte do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.
Este desinteresse pela natureza não viva leva-me a pensar que este Instituto devia fixar-se na natureza viva e, daí, o nome “Instituto de Conservação da Biodiversidade”, deixando as preocupações da geodiversidade e as da geoconservação às instituições que já mostraram muito e bom trabalho nestes domínios como são o Laboratório Nacional de Energia e Geologia e as Universidades.
Galopim de Carvalho
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