quarta-feira, 28 de julho de 2010
2001 ODISSEIA NO ESPAÇO
Do meu livro (esgotado, ao que julgo saber) "A coisa mais preciosa que temos" (Gradiva) recupero o texto sobre "2001 Odisseia no espaço", escrito precisamente em 2001, vai fazer dez anos:
Foi em 1968 que se estreou o filme de Stanley Kubrick “2001 Odisseia no Espaço”. Passou muito tempo. Mas chegou, ao fim de 33 anos, o ano de 2001, aquele que decorre a acção escrita por Arthur Clarke e Stanley Kubrick. Já em 1984 tinha chegado o ano em que George Orwell colocou o seu romance com o mesmo título. O futuro, anunciado pelo cinema e pela literatura, continua pontualmente a chegar.
Que semelhanças há entre a ficção científica e a acção científica? Muitas. Não esqueçamos que o físico inglês Sir Arthur Clarke, residente desde há muito no Sri Lanka, participou na construção do primeiro radar, integrado numa equipa da Royal Air Force, durante a Segunda Guerra Mundial. Na sua imensa produção bibliográfica equilibram-se as obras de ficção e as de ensaio. No filme “2001” uma nave com astronautas a bordo começa por se deslocar à Lua. A mesma viagem espacial não demorou praticamente nada depois da estreia do filme a acontecer na realidade. Os astronautas da “Apollo 8”, que foram os primeiros a efectuar uma viagem em órbita da Lua, em Dezembro de 1968, já tinham visto o filme quando partiram para o espaço. Disseram mais tarde que estiveram quase a anunciar para a Terra a descoberta de um monólito no solo lunar, numa brincadeira sugerida pelo filme... Em 1969, o norte-americano Neil Amstrong pisou o solo lunar sem ter encontrado nenhum monólito.
No filme, o monólito acaba por indicar o caminho para Júpiter (na novela de Clarke, para o outro gigante do sistema solar, Saturno). E, se o leitor se bem recorda -- se não se recorda, ponha a cassete vídeo ou o DVD no aparelho de leitura -, é nessa altura que o computador HAL (repare-se que as iniciais são as que antecedem alfabeticamente às de IBM), perante uma avaria na antena, procura tomar o comando da nave, revoltando-se contra os humanos. Diz o robô para um dos astronautas: “Sorry to interrupt the festivities, but we have a problem” (“Desculpem interromper a festa, mas temos um problema”). Em 1970, sabemos o que aconteceu com a “Apollo 13” (a falha deu, de resto, um outro filme). Um astronauta real transmitiu por rádio para a sala de controlo: “Houston, we have had a problem” (“Houston, tivemos um problema”). Coincidência ou não, o módulo de comando chamava-se “Odisseia” e, pouco tempo antes do acidente, a tripulação tinha estado a ouvir o famoso tema do filme, “Also Sprach Zarathustra”, de Richard Strauss. Clarke comenta no epílogo a uma reedição do livro “2001” que se sentiu quase co-responsável pela situação real de crise...
As luas de Júpiter e de Saturno seriam fotografadas pela sonda “Voyager 2”, lançada em 1977. Em 1979, essa sonda, não tripulada (como se o robô HAL tivesse razão ao querer tomar conta sozinho dos destinos da nave ficcional), passava pelas quatro luas mais próximas de Júpiter: Iô, Europa, Ganímedes e Calisto. Em 1981, a “Voyager 2” chegava a Saturno e às suas luas: Mimas, Iapetus, Titã, etc. (são muitas e parece que ainda não acabou a sua conta). Em 1995, a sonda “Galileo”, lançada em 1989, chegava a órbita de Júpiter, apesar de uma avaria numa das suas antenas. Hoje, a nave “Cassini”, lançada em 1997, vai a caminho de Saturno e das suas luas, onde chegará em 2004. Os sete longos anos da viagem, depois de usar a ajuda gravitacional de Vénus (um efeito que Clarke incluiu premonitoriamente nos seus escritos), indicam-nos que Clarke e Kubrick tinham razão quando colocaram os seus astronautas a hibernar enquanto não chegavam a Júpiter.
As missões de exploração do sistema solar exterior não são tripuladas. Só são tripuladas missões orbitais perto da Terra, como a estação espacial internacional, que está a ser construída num esforço conjunto de americanos, russos e europeus. Nos anos 80, a estação espacial norte-americana “Skylab” colocada em órbita da Terra, tinha uma forma circular que não era muito diferente da nave “Discovery”, inventada por Clarke para “2001”. Ao contrário desta, porém, não rodava constantemente para manter uma gravidade artificial. Mas isso não impediu os astronautas a bordo de filmarem uma sequência de corrida na “Skylab” bastante parecida com um “take” do filme 2001. As imagens foram, evidentemente, sonorizadas com a música retumbante de Richard Strauss.
O filme de Kubrick é praticamente perfeito. Há só um pequeno erro: um amigo físico e cinéfilo contou-me que o líquido no interior da palhinha de um dos astronautas cai no filme, apesar de as condições serem supostamente de imponderabilidade... O rigor do guião de Clarke e da câmara de Kubrick encontra inspiração no rigor com que a NASA planeia e executa as suas missões. Ou não será antes ao contrário: que os engenheiros da NASA se inspiraram em Clarke e Kubrick?
Stanley Kubrick, entretanto falecido, habituou-nos a realizar uma e uma só obra-prima de um dado género cinematográfico e, depois da realização de “2001”, abandonou de vez o género de ficção científica. Mas Clarke insistiu no tema, e escreveu “2010 Odisseia 2”, que foi passado ao cinema pelo realizador norte americano Peter Hyams (a película estreou-se em 1984). A correspondência electrónica entre o escritor no Sri Lanka e o realizador em Los Angeles, feita em computadores pessoais primitivos, está registada em livro (“The Odyssey File”, Arthur Clarke e Peter Hyams, Panther Books, 1985). Em “2010” continua a acção de “2001”: tratava-se agora de colonizar Júpiter. Mas o tempo é de guerra fria. Os russos lançaram a nave “Leonov”, atrás da “Discovery” (há, na realidade, um marechal Alexei Leonov, cosmonauta e herói da ex-União Soviética). A “Leonov” chega à “Discovery” (o que faz lembrar os encontros entre a “Soyuz” e a “Apollo”, em que o astronauta Leonov participou). As duas expedições acabam, depois de várias peripécias, por cooperar. No final, Júpiter, por acção dos estranhos monólitos, acaba por se transformar numa estrela, um segundo sol (de facto, se Júpiter fosse bastante maior do que realmente é o sistema solar teria duas estrelas, o que não seria nada favorável para a estabilidade da órbita da Terra e, portanto, para o desenvolvimento de vida no nosso planeta). Uma enigmática mensagem chega entretanto aos russos e americanos: “Todos estes mundos serão vossos excepto Europa: usai-os em conjunto, usai-os em paz”. Os russos tinham recebido sinais da lua Europa que pareciam indicar a presença de vida e fica-se na dúvida sobre a existência ou não de vida nessa lua.
Vida numa lua de Júpiter? Nada mais actual, numa altura em que é anunciada, a partir de registos recolhidos e enviados pela sonda Galileo, a possibilidade de haver água líquida, e hipoteticamente vida, em Ganímedes, uma lua de Júpiter. A realidade é, por vezes, mais estranha do que a ficção. Claro que falta ainda um contacto com seres extraterrestres, construtores de monólitos ou não. Mas isso poderá acontecer em qualquer altura. Lembremos as palavras avisadas do padre, cientista e filósofo, Teilhard de Chardin: “À escala do cósmico, só o fantástico tem probabilidade de ser verdadeiro”.
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20 comentários:
Um pormenor apenas, "Also sprach Zarathustra" é de Richard... mas com o apelido "Strauss", não se foi lapso do livro ou do post. De resto gostei muito do post, pois o livro não li.
Obrigado, já emendei o lapso.
Carlos Fiolhais
Gostei do post, há um lapso logo na primeira linha, o filme é de 1968 e não 1978 :)
Há outro lapso de datas, a da orbita da lua pela Apolo 8, novamente não é 1978 mas 1968, deve ter sido um problema de find/replace :)
Existe algum estudo sobre as influências recíprocas da ficção científica e da ciência? Qual a verdadeira importância da ficção científica? A ficção científica pode ser "responsável" por encaminhar jovens para o campo da ciência? Ou este é um fenómeno típicamente anglo-saxónico?
Cumprimentos
Continuando na senda das críticas construtivas:
- 2001 estreou-se em 1968 e não 1978;
- A Apollo 8 orbitou a lua em Dezembro de 1968 e não 1978;
(por esta razão, a Voyager 2 não foi lançada nas vesperas no filme estrear);
- Em 1981, a Voyager 2 chega a Saturno e não Jupiter;
- O Skylab operou nos anos 70 e não 80 (em 1979 ouve um pânico planetário um pouco foclórico acerca do local onde a nave pederia vir a despenhar-se, após a reentrada descontrolada na atmosfera...por outro lado, houve quem pintasse alvos nas suas casas, ironizando com o facto de o governo dos U.S. nunca acertar nos seus alvos!...)
Dervich
Já agora outro promenor:
"HAL (repare-se que as iniciais são as que seguem alfabeticamente às de IBM)". Não são as que seguem mas as que antecedem.
Da qualidade do texto seria redundante falar.
Abraço
Excelente texto!
Uma pequena correção, o filme 2001-Uma Odisseia no Espaço é de 1968, e não de 1978.
Esta data foi um dos fatores que levaram (e levam) os incrédulos da ida do homem à Lua (ocorrida, primeiramente, em 1969) a afirmarem que tudo não passou de uma filmagem em estúdio realizada sob a supervisão do próprio Kubrick.
Saudações
Um novo Camões há-de surgir um dia para, imaginando Adamastores, cantar os vários lances das temerárias navegações espaciais, com Gagarine à testa dos arrojados argonanutas dos tempos actuais. JCN
Entrando em minudências... cuidado com a confusão, nos comentários, entre "ouve" e "houve"! JCN
Muito obrigado pelas correcções, os leitores do DRN têm uma atenção excepcional, que o autor devia ter tido antes!
Espero que agora esteja tudo bem, se não estiver, emendarei até ficar bem. Os erros não emendados têm, nalguns casos, consequências imprevisíveis.
Carlos Fiolhais
Para quem viu o filme, ainda poderá recordá-lo neste trailer onde o computador HAL, dominando a situação, encontra um remake no filme Eagle Eye, entre nós com o título "Olhos de Lince", que trata da violação da privacidade através da video-vigilância instalada compulsivamente, a que podemos chamar panoptismo integral, ligada ao computador central que também se torna independente, dominando e coordenando todas as acções.
Para juntar o útil ao agradável oportuno visionar a partida e percurso dos Voyager 1 e 2 aqui, e aqui.
Muito interessante esta analogia ciência /Ficção científica.
Boa noite!
1. Em relação ao nome do computador - HAL -, apesar de de facto ser escrito com as letras antecedentes às de IBM, quer Kubrick quer Clarke afirmaram que foi pura coincidência e que o acrónimo se referia a Heuristic (um método de programação) e ALgorithmic.
2. Também será oportuno (re)visitar a o obra do compositor György Ligety.
No filme há excertos de Adventures, Athmospheres, Requiem e Lux Aeterna.
Cruz Gaspar
Ana
Repare que Camilo Castelo Branco já esclarecia que:
"A realidade é de si tão fértil que não pede nada emprestado à fantasia,"
Obrigada João Boaventura,
Por me ter recordado Camilo Castelo Branco que hoje em dia anda esquecido. Que citação!, derruba qualquer um. :)
Lembra-se do filme Império do Sol, do Spielberg?
Há uma cena quase no final onde estão guardados os tesouros abandonados no meio de um deserto, aí a fantasia vem da realidade... Divagações, desculpe. :)
Cruz Gaspar
Aceitei o seu conselho e visionei duas obras do compositor húngaro György Sandor Ligeti que me entusiasmaram:
A primeira Estudo n.º 1, Desordem, pelo pianista Giuseppe Andaloro, porque se compagina com o mundo em que vivemos;
A segunda Atmosferas, porque o som é acompanhado de imagens que se encaixam no tema tratado no presente post, sugerindo sombras, representações e rastos dos instrumentos que a inventiva humana espalha pelo espaço sideral, pelas atmosferas, em suma.
Grato pela sugestão.
Caro João Boaventura
Agradeço também ter partilhado o que gostou; não conhecia o Estudo nº1 - Desordem; interessante e frenético como o mundo em que vivemos.
Num registo ainda mais intenso, a obra Continuum http://www.youtube.com/watch?v=iPgwF3G5i4k do mesmo Ligeti.
Cruz Gaspar
"2001 odisseia no espaço" é uma obra prima da 7ª Arte , imperdível e repetitível. Um filme que marca as gerações seguintes. Filosófico, ontológico, teológico, profético, antropológico, cibernético,cosmo-físico e muito, muito psicanalítico.
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