quarta-feira, 14 de julho de 2010

O VELHO ZIRCÃO (3)


António Piedade continua série de artigos sobre zircão, que tem saído no "Despertar":

Muitos elementos não permanecem eternamente no mesmo estado. O mesmo é dizer que, caso conseguíssemos viver bilhões de anos, ou seja, uma eternidade de tempo humano (mas apenas alguns instantes na escala cósmica), sofreríamos um processo de erosão por irradiação de energia, que mudaria progressivamente a nossa composição elementar.

E isto porque somos feitos de uma argamassa espantosa de diversos elementos atómicos e alguns destes tendem a transformar-se noutra entidade elementar e em energia radiante. A forma como se transformam no tempo fornece-nos uma ferramenta analítica preciosa, uma espécie de cronómetro com um código de barras associado (que até pode ser colorido – espectro visível), extremamente útil para “medir" o tempo passado em transformação.

O que se passa é que os átomos que se agitam no Universo são forjados nos cadinhos ou “úteros” das estrelas, fruto de reacções de fusão e de cisão atómicas, em que partículas subatómicas se agregam e desagregam consoante o balanço entre forças, temperaturas e pressões que mudam com o tempo. O maravilhoso é que esta aparente “confusão” pode ser e é descrita por leis científicas. Uma vez formuladas, estas leis permitem-nos descrever e prever a história natural de um determinado átomo.

Mas lembremos algumas noções sobre a natureza dos átomos antes de prosseguirmos. O modelo atómico que melhor descreve os dados que possuímos sobre a constituição íntima da matéria, “diz-nos” que todos os átomos são formados por diversas partículas subatómicas com propriedades distintas. Em geral, um átomo é constituído por um núcleo composto por protões (partículas com carga positiva) e neutrões (partículas sem carga eléctrica), e que se mantêm agregados devido a forças nucleares fortes. Ao redor deste agregado que compõe o núcleo atómico e é responsável pela massa atómica, encontram-se os electrões nas designadas nuvens electrónicas. Os electrões são partículas elementares com uma carga eléctrica negativa e com massa desprezível relativamente ao das partículas nucleares referidas. O número atómico de cada elemento é definido pelo número de protões que, no átomo neutro, é igual ao número de electrões distribuídos probabilisticamente nas nuvens electrónicas. A massa do átomo depende do número de protões e do número de neutrões de cada átomo. É na combinação destas partículas, associadas não aleatoriamente mas devido às propriedades da matéria e da energia, que surgem os diferentes os elementos químicos.

Os cientistas sabem hoje muito mais sobre o comportamento do hidrogénio (H, número atómico 1 – um protão, zero neutrões), do que sobre o zircónio (Zr, número atómico 40 – 40 protões, 51 neutrões). Mas o que sabem sobre o zircónio e outros elementos mais pesados, tais como o urânio (U), o tório (Th) ou o chumbo (Pb), tem-se revelado suficiente para podermos ler, pelo menos, os contornos da história “geobiológica” da Terra e, mais recentemente, de outros planetas distantes. Mas como?

(continua)

António Piedade

6 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Caríssimo Dr António Piedade
Há largos dias que esperava por este artigo.
De resto, estou sempre à espera dos seus artigos, os quais, para além de úteis, nalguns casos são muito belos.
Por isso fico à espera da continuação... deste último e de outros, enfim, de todos os que escreva.
As linhas anteriores são apenas um intróito para lhe deixar um grande agradecimento.
Agora, também gostaria e desejaria (que isto de desejar nem é proibido nem paga imposto) que o Professor João de Castro Nunes fosse acompanhando com uns poemas. Que também merecem agradecimento.

Anónimo disse...

Em rigor, as biomoléculas, iões, e átomos que nos constituem não são as mesmas partículas toda a vida (com pouquíssimas excepções), porque há uma reciclagem constante. Se formos a verificar os átomos que constituem os resíduos de aminoácidos das proteínas (por exemplo) existentes no nosso organismo (enzimas, proteínas estruturais, etc), já não são os mesmos que eram se calhar há um ano atrás ou talvez mesmo em certos casos há um mês atrás, ou uma semana atrás.
Logo, o processo de auto-irradiação que é sugerido neste artigo nem sequer se colocaria. É também interessante que se pensarmos nisso, do ponto de vista bioquímico, a Vida é feita de instabilidade e processos de adaptação e auto-regulação que permitem lidar com essa instabilidade, e ao mesmo tempo, vivem dela. Logo, não somos simplesmente constituídos por partículas estruturalmente ligadas e organizadas por leis do âmbito da Química-Física, mas mais que isso. A célebre frase de Carl Sagan «...a dada altura da história do universo, a matéria ganhou vida...» deixa de fora ainda muito que pensar.
Bom, em relação ao resto, até breve.

Anónimo disse...

DESLUMBRAMENTO

Caro Doutor António da Piedade:
devoro os seus artigos, linha a linha,
que me edificam pela honestidade
da sua informação tão comezinha!

Ao meu alcance põe, de forma clara
e literariamente encantadora,
altas noções de uma ciência rara
sobre o que vai por esse mundo fora.

Que bela é a natureza assim mostrada,
nos seus segredos íntimos contada
a quem não tem a formação devida!

A mim cabe-me o dom, que Deus me deu,
de pôr em verso musical e meu
o seu saber sem fundo nem medida!

JOÃO DE CASTRO NUNES

António Piedade disse...

Caro Gil Fonseca

Claro que estou de acordo com o que comentou. Aliás, a inter-disciplinaridade, tão cara à Bioquímica, por vezes leva-nos a percorrer fronteiras ténues e a pisar valetas que não queríamos abordar. O que escrevi sobre a auto-irradiação, foi num contexto ficcional: "caso conseguíssemos viver bilhões de anos". Por outro lado, como outros parâmetros, o fluxo e "reciclagem" de átomos em moléculas e iões pelo nosso corpo ocorre a uma velocidade insuspeita e estonteante. Como tudo, alguns permanecem mais tempo do que outros. Este é um tema interessante para uma crónica curiosa.
Acrescento, para sublinhar o que escreveu, que a vida é de facto um processo que só ocorre longe do equilíbrio químico (delta G = 0) e de uma forma dinâmica. Como descreveu e ensinou Ilya Prigogine, a vida é um processo dinâmico de sistemas em desequilíbrio constante (não equilíbrio - delta G diferente de 0). Só nestas condições termodinâmicas é possível produzir trabalho para sintetizar, por exemplo, ATP. Aliás, ironicamente, atingimos o equilíbrio químico quando morremos.
Obrigado

António Piedade

Anónimo disse...

Mais uma vez, a lentice... perdeu! JCN

Anónimo disse...

BIODIVERSIDADE

Deus quis que a Terra fosse povoada
e seus dados lançou:
saíram monstros
e coisas muito belas
como as estrelas!
Ficou pasmado
com o resultado,
ou seja, lado a lado
serpentes, dinossauros e quejandos
em grandes bandos
comendo-se uns aos outros sem maldade.
Ao pé do melro
a saltitar entre as roseiras bravas
mostrava o macairodo
os seus dentes de sabre
horrendos e temíveis desde logo.
Que maravilha!
Em mais uma jogada
em sezxta-feira santa, dia treze,
saiu-lhe o ser humano
o qual igual a si lhe pareceu
numa primeira visão
pois tinha um rosto semelhante ao seu.
Depois... guardando os dados
muito provavelmente viciados
nunca mais os lançou
não fosse ter
desilusão maior!

JOÃO DE CASTRO NUNES

35.º (E ÚLTIMO) POSTAL DE NATAL DE JORGE PAIVA: "AMBIENTE E DESILUSÃO"

Sem mais, reproduzo as fotografias e as palavras que compõem o último postal de Natal do Biólogo Jorge Paiva, Professor e Investigador na Un...