sábado, 17 de julho de 2010

A impossibilidade de criticar

Como os leitores saberão, em 2005 realizaram-se pela primeira vez exames nacionais de Matemática no final do 9.º ano de escolaridade, cujos resultados foram devastadores: numa escala de um a cinco, apenas 24 896 (cerca de 29%), dos 84 980 alunos, conseguiram situar-se no nível três ou acima dele.

Estes resultados não destoaram dos obtidos pelos alunos portugueses no Program for International Student Assessment (PISA) de 2003, dedicado à Literacia Matemática, no qual se situaram muito abaixo da média dos 41 países participantes e longe, muito longe, dos que obtiveram melhores resultados (Finlândia, China, Coreia).

Tratando-se de indicadores credíveis, em 2006, a Ministra da Educação da altura tomou a decisão de levar a questão ao Parlamento, onde reconheceu abertamente que os alunos não estavam a adquirir as competências básicas em Matemática, e apelou às escolas para reflectirem sobre o estado do ensino e da aprendizagem e sobre o que poderiam fazer para o transformar.

Dessa reflexão emergiu o Plano de Acção da Matemática que, posteriormente, sofreu alterações quanto à sua abrangência, passando a ser designado por Plano da Matemática. Este inclui seis linhas de acção, cada uma delas consubstanciada num conjunto de medidas, num total de quinze:
1.ª Acção: Programa de Matemática: equipas para o sucesso: Medida 1: Elaboração de Planos de escola de combate ao insucesso na Matemática; Medida 2: Continuidade pedagógica das equipas de docentes nas escolas, que acompanharão os alunos ao longo de todo o ciclo. Só deste modo se pode dar coerência ao projecto de fixação dos docentes por 3 anos; Medida 3: Desenvolvimento, no âmbito do Plano a apresentarao Ministério da Educação, de projectos de trabalho conjunto entre os professores de Matemática e de Português; Medida 4: Equipamento das Escolas com Laboratórios da Matemática, através de financiamento à aquisição de materiais manipuláveis, meios informáticos, software específico e do apoio à organização destas actividades nas escolas. Este equipamento deve estar incluído nos planos de escola; Medida 5: Designação, por parte do Ministério da Educação, de um interlocutor privilegiado para acompanhar e estabelecer toda a ligação com cada escola envolvida no Projecto. Este interlocutor será nomeado de entre o conjunto de supervisores do Gave e, depois de colaborar com as escolas na elaboração do plano e com o Ministério da Educação na aprovação dos mesmos, acompanhará as escolas na implementação e monitorização do projecto.

2.ª Acção: Promover a formação contínua em matemática para professores de todos os ciclos de Ensino do Básico e do Secundário: Medida 6: Continuação do Programa de Formação Contínua em Matemática para Professores de 1.º Ciclo, iniciado no ano lectivo de 2005-06, em articulação com Instituições de Ensino Superior de forma a garantir o acompanhamento dos professores do 1.º Ciclo; Medida 7: Lançamento de um Programa de Formação Contínua em Matemática para Professores de 2.º Ciclo, também em articulação com Instituições de Ensino Superior a nível distrital; Medida 8: Apoio a Programas de Formação Contínua em Matemática para professores do 3.º Ciclo e do Secundário.

3.ª Acção: Novas condições de formação inicial de professores e de acesso à docência: Medida 9: Revisão das condições de formação inicial e acesso à docência, no sentido de garantir um reforço dos saberes da especialidade da docência nos planos de estudo e suprindo insuficiências que estão diagnosticadas no domínio da Matemática. Através destas orientações passará a ser exigido um número mínimo de créditos ECTS e a realização de um exame de acesso à docência.

4.ª Acção: Proceder ao reajustamento e às especificações e ao reajustamento e às especificações programáticas para a Matemática em todo o ensino Básico: Medida 10: Reajustamento dos Programas de Matemática actualmente em vigor para os três ciclos do ensino básico, adoptando o Currículo Nacional do Ensino Básico como documento de referência; Medida 11: Definição, para o 1º Ciclo, de tempos mínimos para a leccionação das várias áreas curriculares, garantido um tempo de leccionação da Matemática compatível com o cumprimento dos programas e com a aquisição das competências definidas pelo Currículo Nacional do Ensino Básico.

5.ª Acção: Criar um banco de recursos educativos para a Matemática. Medida 12: Compilação e divulgação na página do Gave de 1000 itens de exame para o exame de 9.º ano e de sugestões de trabalho, de forma a proporcionar uma maior familiaridade de professores e alunos com o tipo de exercícios proposto; Medida 13: Disponibilização de um portal de recursos educativos para a Matemática; Medida 14: Publicação de brochuras de apoio científico e pedagógico para professores para os vários ciclos do Ensino Básico.

6.ª Acção: Proceder à avaliação nos manuais escolares de Matemática para o ensino Básico: Medida 15: Avaliação por peritos nacionais e internacionais dos manuais escolares de Matemática do 1.º ao 9.º ano do Ensino Básico.
Ora, chegando este Plano ao fim da primeira fase, que estava prevista para um triénio, é natural que nos interroguemos acerca dos resultados da avaliação que tem sido feita a todas estas medidas, e dos dados importantes que tem, certamente, permitido destacar. A procura que pessoalmente tenho feito dos relatórios redundou sempre em fracasso. O mesmo aconteceu ao jornal Expresso, que na sua edição de 3 de Julho (primeiro caderno, página 18), afirma o seguinte:

"Não será no que respeita à avaliação do programa que o Plano da Matemática I poderá ser criticado. Ao longo dos seus três anos de vida, a comissão de acompanhamento produziu seis relatórios de avaliação intercalar (dois em cada ano lectivo), que foram, por sua vez, auditados externamente, e um documento final, entregue ao Ministério da Educação ainda em 2009. O problema é que é quase impossível conhecer as conclusões dessas avaliações. O Expresso pediu diversas vezes ao Ministério da Educação a divulgação do relatório final, mas sem sucesso. Nem tão pouco conseguiu uma explicação para o facto de o Ministério da Educação querer manter sigilo sobre o documento. O Expresso também não conseguiu saber qual o orçamento previsto para o Plano da Matemática II nem quanto foi efectivamente gasto no primeiro Plano."
Como diz, e muito bem a jornalista Isabel Leiria, o desconhecimento do conteúdo dos documentos em causa, impedem um exercício intelectual de fundamental importância para o progresso do conhecimento e para a melhoria das práticas. Esse exercício é a crítica, a partir de informação disponível e de referênciais teóricos tidos por relevantes.

6 comentários:

Anónimo disse...

Primeiro ocultam-se relatórios, depois asfixiam-se sócia e economicamente as vozes divergentes, a seguir prendem-se os dissidentes e, por fim, ocultam-se cadáveres. Ditosa ditadura, aí vens tu em passinhos lentos...

Unknown disse...

Viva a transparência!

José Batista da Ascenção disse...

Como o Ministério, as Escolas bem podiam chamar-se Escolas de Regulamentos, Projectos, Relatórios... e mais qualquer coisa. Fazem-se relatórios de coordenação de departamentos, de coordenação de directores de turma, de directores de turma, de directores de instalações, de apoios educativos, de adopção de manuais, de clubes, da biblioteca, etc; também os projectos são de Escola, de turma, dos grupos, dos clubes, de grupos de professores, sem falar da famigerada, quanto inútil, área de projecto, etc, etc. E depois são precisos regulamentos: da Escola, dos Departamentos, dos Grupos, da Biblioteca, dos Laboratórios, de outros espaços específicos e por aí fora. E como a legislação está sempre a mudar, raramente os regulamentos das escolas estão actualizados. Às vezes, acabam de ser aprovados, depois de meses e meses de trabalho da respectiva comissão e, quando entram em vigor, já estão... desactualizados!
Nem é preciso falar de outros aspectos, como os da(s) avaliação/avaliações, para se ter uma ideia, ainda que pálida, do modo como a escola pública vai "navegando"...
Ensinar, o que se diz ensinar, é que nada.
Será por isso que há relatórios que nada dizem e outros que, por dizerem o que dizem (seja lá o que for), é preciso escondê-los?
A dúvida é legítima, não é?

Anónimo disse...

Um curso superior já não chega para entender esta trapalhada toda. No Ministério da Educação esqueceram o bom senso e o pragmatismo. Confesso a minha incapacidade de perceber tanto disparate junto. É confrangedor assistir a tudo isto sem poder fazer nada (não se pode fazer nada, pois não?)

inês, lisboa, mãe de 3 adolescentes

José Batista da Ascenção disse...

Cara Inês:

Eu, professor e pai de filhos a frequentar o ensino obrigatório, penso que podemos fazer alguma coisa: pelo menos começar(mos)a exigir alto e bom som que, enquanto pais, somos os primeiros responsáveis pela educação dos nossos filhos e, em conformidade, temos direito a exigir escolas que ensinem, num ambiente de serenidade, respeito e segurança. Como devia ser.
Também podemos começar a ser mais assertivos e dispensar tantas comissões de "especialistas" e sábios diversos que têm vindo a pensar por nós. Como se eles é que soubessem (em exclusivo) o que é melhor para os nossos filhos...
E os resultados estão à vista.

Helena Damião disse...

Deixo esta nota para sublinhar as palavras de José Batista da Ascenção. No que respeita à relação entre família e a escola, dois aspectos têm de ser sublinhados: a escola não pode menosprezar o direito de educar da família - expressões como "escola a tempo inteiro", sugerem tal -, por seu lado, a família não pode negligenciar a responsabilidade de educar que lhe cabe, nem de cuidar que as suas crianças e jovens estão a receber um ensino adequado na escola.

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