sexta-feira, 2 de julho de 2010
O MERCADO FICCIONAL
Minha crónica no "Público" de hoje:
No Mundial de Futebol a Espanha ganhou a Portugal porque jogou melhor e porque meteu um golo contra nenhum. Como a FIFA não permite o uso de golden shares nas selecções de futebol, o governo português não pôde, no final do jogo, anulá-lo com o pretexto de que não gostou do resultado. Não pôde, por exemplo, afirmar que era “absolutamente estratégico” para a equipa das quinas não perder.
No jogo económico entre a Telefónica e a Portugal Telecom (PT) que, por coincidência, se realizou no dia seguinte, a primeira meteu um “golo” ao oferecer 7150 milhões de euros pela participação da segunda na Vivo, empresa brasileira de comunicações móveis, um preço bem acima do actual valor daquela participação e que quase chega ao actual valor de toda a PT. Os accionistas da PT, por uma expressiva maioria (74 por cento), não tiveram dúvidas em aceitar a oferta. As leis do mercado funcionaram, tal como funcionam todos os dias, por todo o lado do mundo.
O governo português fez, porém, questão de mostrar ao mundo que essas leis não funcionam aqui. No final do jogo, com uma flash interview, o primeiro-ministro José Sócrates anulou o resultado. A “FIFA da política europeia” não gostou. A vice-presidente da União Europeia, a holandesa Neelie Kroes, avisou Portugal que não podia usar "medidas proteccionistas e nacionalistas num mercado único". A golden share que foi usada para efeitos de veto é, pelo menos desde 2008, disputada no Tribunal das Comunidades Europeias, aguardando-se sentença no dia 8 de Julho. A União Europeia não tem dúvidas: “os direitos especiais que o estado português ostenta na PT desincentivam os investimentos por parte de outros Estados membros, violando as regras do Tratado da União Europeia”. E os juízes europeus irão, em breve, confirmar isso mesmo.
A explicação de Sócrates parece pífia. Começou por dizer que a golden-share (uma palavra de inglês técnico) “é para isso que serve, para ser utilizada quando necessário”. Pode-se, convenhamos, dizer isso de qualquer coisa, pois qualquer coisa servirá se for usada e não servirá se não for usada. Só uma coisa ilegal é que não serve para nada pois não pode ser usada. O primeiro-ministro acrescentou que “é uma questão absolutamente estratégica para o desenvolvimento da PT”. Pode-se, contudo, argumentar que o seu veto não foi a favor da PT, pois ninguém melhor do que os accionistas da PT saberá o que favorece aquela empresa. Eu não sou accionista nem sequer cliente da PT, que durante anos e anos me cobrou taxas telefónicas abusando da sua posição dominante (estou muito grato por o mercado me oferecer alternativas mais baratas e melhores!), mas, se fosse, acharia, no mínimo, paternalista a posição do governo. Significaria que o governo saberia melhor do que eu o que fazer com os meus bens. Em matéria de PT, ele não tem, aliás as “mãos limpas”, pois além da golden share também lá tem, não o esqueçamos, Rui Pedro Soares.
Além do mais, Sócrates deixou em maus lençóis os responsáveis da PT, que andaram primeiro a dizer aos accionistas que a golden share não se aplicava a este caso e depois que a vontade deles devia ser respeitada. Talvez agora não tenham outra saída a não ser demitir-se.
O órgão maior da imprensa económica (continuando a metáfora, o equivalente ao maior jornal desportivo), o Financial Times, chamou “estupidez colonial” ao gesto do governo luso, considerando que não se trata de defender o interesse nacional, mas sim, quando muito, o interesse de uma empresa privada com sede em Lisboa e um ramo num país estrangeiro que há muito deixou de ser colónia. Um governo de direita não faria diferente do que fez Sócrates. E, como os extremos se tocam, foi curioso ver o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda a aplaudi-lo, precisamente numa altura em que ele lançou um ataque fiscal sem precedentes aos contribuintes. O controlo estatal da economia tem defensores nos dois lados do espectro político e, pelos vistos, também no meio. Em Portugal, o mercado, de que tanto se fala, não passa afinal de uma ficção.
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14 comentários:
Meu caro Professor Carlos Fiolhais,
Finalmente uma opinião sua em que eu estou radicalmente em desacordo.
Se é verdade que em 13.000 anos de história ainda não inventámos nada melhor que o mercado para produzir e distribuir os bens necessários há satisfação das nossas necessidades.
Também é verdade que não nos podemos orgulhar na forma como o mercado satisfaz as necessidades de cada um dos mais de 6.000.000 000 de seres humanos que constituem a nossa comunidade global.
Numa disputa entre quem tem direito a definir o futuro se o governo da comunidade ou o governo do mercado, eu estou do lado do direito da comunidade a definir o seu futuro, mesmo quando a comunidade está mal representada e mal dirigida como é o caso.
Podendo estar a escapar-me qualquer coisa de importante, não deixo de colocar a seguinte questão:
Se existe legalmente a figura da golden share e esta foi usada no tempo da sua legalidade, qual a razão para a pôr em causa mesmo que haja uma disputa em curso nos tribunais sobre o facto?
Obviamente que se pode concordar ou discordar da existência desta figura mas isso não implica que se decida da sua legalidade passada em função de decisões futuras.
Cruz Gaspar
Caro José Gabriel,
Se a Telefónica estivesse interessada num negócio da Zon ou da Optimus, o Estado também deveria intervir?
Caro Carlos Fiolhais,
Será que existem grandes diferenças entre o Portugal de José Pinto de Sousa e a Venezuela de Chavez?
Um mau momento que estamos todos a viver, mas não só os PIGS - Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, toda a Europa!!
Se houvesse um verdadeiro Governo Economico Europeu, se a Alemanha estivesse melhor dentro, talvez nada disto acontecesse.......
Fartinho:
Há uma grande diferença: a Venezuela tem sido mais bem sucedida na luta contra a pobreza do que Portugal.
O principal defeito apontado a Rui Pedro Soares é ser demasiado jovem para o cargo. O mesmo que eu penso de C. Fiolhais: é demasiado jovem para a importância que tem. Opiniões.
A propósito das novas tecnologias no futebol, leia-se no Inimigo Público de hoje a notícia de que "um homem divorciado de 45 anos acaba de lançar uma petição pela verdade no amor e defende o uso da tecnologia nas relações conjugais. ...nas grandes discussões devia utilizar-se o vídeo-árbitro..."Etc.
Então mas decidam-se de uma vez por todas e acabem com esta fantochada, ou vivemos num mundo comunista com economia dirigida ou num mundo capitalista, mas esta salganhada é que não pode ser!
O estado não pode interferir assim na economia quando é um empresa privada, a nós cidadãos tanto nos dá se venda ou não, porque quem ganha ou perde são os accionistas, o estado representa-nos a nós, não aos interesses privados!
Quando se acaba com esta salganhada que não é muito diferente do estado novo? em que para abrir um negócio o governo tornava legal a opinião dos donos de negócios semelhantes e claro que estes eram contra um novo negócio que lhe trouxesse concorrência, eu explico, se quisesse abrir comércio ou gasolineira ou cinema ou o que fosse o governo ia pedir e seguir a opinião dos já existentes comerciantes, gasolineiros e empresários de cinema, assim acontece em Portugal, porquê a fantochado do 5 canal? desde quando tem que haver concurso? não estamos num país capitalista? porque o negocio simplesmente não abre, sendo licenciado normalmente e se falir faliu, contingências do mercado, o mesmo para as gasolinas nos hiperes e outros exemplos mais!
O estado só deixa abrir os negócios aos grandes empresários, aos seus amigos!
Por isso é que temos uma corja que vive à custa do estado ou seja dos contribuintes desde o século XIX até aos dias de hoje!
Decidam-se de uma vez por todas que tipo de economia querem!
A economia em Portugal não passa deste marasmo porque está viciada até mais não, não há concorrência, os amigos dos governos fazem dinheiro à farta a venderem-nos bujigangas como se de ouro se tratasse!
Caro anónimo das 19:40.
Olhe que a natureza é salgalhada. Já iu o que é a Química e a Física? E então a biologia? Ainda mais complexa ou, para utilizar o seu vocabulário, ainda mais salgalhada. E se passar à sociologia? Que grande confusão, não é? E a política? Salgalhada total. Simples, só a Matemática onde se sabe com o que se lida. Na sociologia nunca há definições exactas, é mais ou menos.
O Esatado representa-nos a todos, quem nele manda foi eleito. Logo representa-me muito mais do que os tais de acionistas de uma empresa. Se os interesses de uma empresa colidirem com interesses mais gerais, deve prevalecer a empresa? Porque não o Estado? Na minha opinião, esta salgalhada é muito, muitíssimo diferente do Estado Novo. Nem vale a pena eu apresentar razões. Decidam-se de uma vez por todas...Deve é dizer "decidamo-nos" incluindo-se a si e a mim. Pela minha parte já decidi: quero a influência do Estado. Vá, agira decida-se você.
Anónimo das 18:30. Há outro defeito. Li há uns tempos no blogue da Dra Ana Gomes que ele ganha mais num mês que o marido dela em não sei quantos anos, o que, pelos vistos (e na opinião da esposa) é um grande defeito. Dou-lhe razão, eu queixo-me do mesmo problema.
Quando o estado privatizou a PT disse que o faria na condição de ter uma golden-share. Os privados aceitaram. Agora já não estão de acordo? Se a golden-share não era coisa boa, então não deveriam ter comprado! Ou escapasse-me algo?
Tem-se dito que, com o accionamento da 'golden share', Sócrates quis agradar à esquerda. De facto, PCP e BE aplaudiram a medida.
Mas o conceito de 'esquerda' deve andar, ultimamente, muito alargado - pois Sócrates também recebeu aplausos de Cavaco Silva, Santana Lopes, Marcelo Rebelo de Sousa, Paulo Portas...
Pode compreender-se que, em relação a uma empresa estratégica para um país (no ramo das telecomunicações, energia, transportes, etc) existam essas "golden shares", que permitam aos estados defenderem o interesse nacional nos casos em que possa estar em risco.
Por esse mundo fora, deve ser o que todos fazem - e exemplos não faltam.
Assim, eu compreendia o uso desse veto, no caso da PT, se estivesse em causa a venda da EMPRESA.
Mas não era esse o caso.
Tratava-se, tão-só, da venda de um "activo" (a VIVO) - como se fosse um edifício, ou algo de semelhante.
Com o dinheiro obtido, os accionistas poderiam, se assim o entendessem, comprar outras "coisas", não estando em causa a empresa, em si mesma.
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Mas, se calhar, tudo não passa de teatro:
Sócrates "dá uma de esquerda" (com o brinde de ainda agradar a alguma direita, de Cavaco a Paulo Portas!) e, daqui a um tempo, Bruxelas forçá-lo-á a fazer a vontade à Telefónica - e todos ficarão contentes...
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