“Uma boa linguagem é a própria essência do pensamento” (Charles Peirce, 1839-1914).
Se as coisas fossem simples, a ponto de não haver “uma necessidade premente de mostrar a sua complexidade” (Marcel Proust), não seria obrigado a preocupar-me com simples opiniões que por aqui aparecem sob vestes sagradas em que cada palavra me obriga a procurar o seu significado lexical. Esta situação muito se agrava porque “tão pobres somos que as mesmas palavras servem para exprimir a mentira e a verdade”, na opinião de Florbela Espanca.
Vem agora à baila o conceito de Universidade e seus objectivos. E cá me acho eu novamente a procurar referências num dicionário. Universidade: “Instituição de ensino e pesquisa constituída por um conjunto de faculdades e escolas destinadas a promover a formação profissional e científica de pessoal de nível superior, e a realizar pesquisa teórica e prática nas principais áreas do saber humanístico, tecnológico e artístico e a divulgação dos seus resultados à comunidade científica mais ampla”(Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, tomo XVIII, p. 8.025).
Em comentários ao meu post ,“Ainda a Polémica sobre o Historiador José Hermano Saraiva” (26/07/2010), são feitos o ataque e a defesa do papel da Universidade em Portugal. A sua defesa começa, começa bem, em minha opinião, pela crítica a raciocínios simplistas sem destaque para o balanço positivo do que de bom, ou mesmo de muito bom, tem sido feito pela universidade portuguesa, com reconhecimento em fronteiras exteriores “sobretudo na biotecnologia, genética e engenharia”. Balanço que me parece pecar em não anunciar outras áreas do conhecimento científico.
Mas ataques à instituição universitária nada me espantam depois de, numa carta ao director, um leitor do “Diário de Coimbra” (1996), com uma licenciatura universitária, segundo ele próprio, se ter lamentado em não ter obtido a sua licenciatura numa escola superior de educação por os seus pares “terem deixado, lamentavelmente, morrer muito do bom que a Reforma do Sistema Educativo aportava”. Apesar de eu desconhecer a que "muito de bom", ele se refere, sublinho, apenas, a carga que o advérbio [lamentavelmente] trouxe ao texto, numa atitude de perverso orgulho de quem se passa para o lado de lá, e de que a história é pródiga em exemplos.
Concordo que a Universidade não deve ser uma instituição do tipo napoleónico, anquilosada por ataques de artrite por imobilismo de adaptação ao seu tempo. Tempo, por vezes, convulsivo surgido, de supetão, logo sem a necessária reflexão, como o Processo de Bolonha, a confusão que se tem gerado entre graus académicos e a mediocratização do ensino superior que tem empurrado o ensino universitário para guetos de indignidade por alguns claustros universitários terem deixado de ser os guardiões da cultura humanística, do conhecimento científico e da investigação pura e aplicada. Confusão agravada pelo facto de não haver uma doutrina (e, pior do que isso, uma legislação que “não chumbasse na 4.ª classe”, para utilizar uma expressão do jurista Almeida Santos) sobre as fronteiras entre o ensino universitário e o ensino politécnico.
Seja a que título for, o ensino universitário português não dever ser uma espécie de vaca sagrada dos hindus ao abrigo de críticas , como a de Maria Filomena Mónica, catedrática das Ciências Sociais. Escreveu ela, sem papas na língua, como sói dizer-se: ”Devido à irresponsabilidade dos governos, ao populismo dos parlamentares e à cobardia dos docentes, a universidade degradou-se para além do razoável”.
Idêntica preocupação demonstrou Aníbal Pinto dc Castro, catedrático jubilado de Letras da Universidade de Coimbra, quando exigiu numa cerimónia oficial: “Não destruam. Não cedam. Não tenham medo porque a Universidade não pode ser uma instituição de caridade. Para isso há os asilos e a Mitra. Não pode ser um hospital de alienados".
A estas críticas não deverá ser estranho o fantasma de uma licenciatura, desvalorizada por universidades de vão de escada, que desacredita “o prestígio da Universidade que lhe deu a primeira credencial de título académico nobilitante”, nas palavras de Adriano Moreira. Daí a tremenda injustiça de generalizações que desvirtuam o papel da Universidade portuguesa no campo da investigação onde ela se tem havido, a mor parte das vezes, com um brilhantismo que atravessa as fronteiras geográficas do país.
Mas será isto o bastante para o orgulho de uma nação? Segundo Einstein, “é fundamental que o estudante adquira uma compreensão e uma percepção nítida dos valores”. Nesta perspectiva, a maior parte das vezes por cumprir, será que o simples diploma nos garante que a cultura e o conhecimento científico, quando os há, tragam juros compensatórios para a sociedade e para os seus bons costumes? Não garante! Gustave Le Bon diz-nos que “grande número de políticos ou universitários, carregados de diplomas, possuem uma mentalidade de bárbaros e não podem, portanto, ter por guia na vida senão uma alma de bárbaros”. Este o drama social de tantos diplomas de pechisbeque que se passeiam nos boulevards da nossa vida política, do nosso ensino ou do nosso próprio dia-a-dia.
Mas, numa atitude maniqueísta, o que é altamente reprovável é afirmar, como dogma, que a Universidade tudo vale, quando nos convém, e que nada vale, quando nos convém também. Razão tem a vox populi: “Não há bela sem senão!”
Na imagem: Claustros da Universidade de Évora.
14 comentários:
No n.º 4/1999 da série “Le Portique”, dedicado este ao tema “Éduquer: un métier impossible?”, editado pela Universidade de Strasbourg, e a propósito do tema agora lançado, Paul Ricœur metamorfoseando o nosso Fernando Pessoa (A língua é a minha pátria) titula um trabalho “La parole est mon royaume”, onde opina que:
« L’Université, c’est l’Univers des puissances multiples du langage dans le moment de la communication du « dire ». Dès lors il est une seule chose qu’une Réforme de l’Enseignement ne peut se proposer d’atteindre : la fin du règne de la parole dans l’enseignement ! Toute réforme est réforme à l’intérieur du langage qu’une génération parle à l’autre pour lui transmettre les fruits et le mouvement de sa culture. »
Pelo interesse do artigo que o presente post suscita propõe-se, a quem interessar, a sua leitura, disponível aqui, em pdf.
Ainda a este propósito, e porque também acessível, não seria despiciendo uma leitura do n.º 6/2000, sob a temática “Le discours universitaire” neste sítio.
Universidade de Coimbra?!!!
Meu caro Dr. Rui Baptista: já que pôs o dedo na ferida, gostava de o ver ir mais longe... na abordagem deste tema. JCN
Caro Rui, a imagem mostra os claustros da Universidade de Évora, não de Coimbra.
A universidade deveria ter algo a dizer sobre isto, dantes era poderosa ao ponto de interferir com a privacidade dos alunos, os regulamentos medievais e tal.. Agora já não manda nada, somos de extremos neste país.
Para cada curso deveria haver um exame especifico a fazer, por ordem da universidade, que filtrasse de uma vez por todas as pessoas que entram e filtrasse as que querem sair formadas.
Chegamos a este estado porque estamos a formar cerca de 55 mil pessoas por ano, cerca de 150 mil a cada 3 anos, isto é incomportável para este país, não há saída profissional para tanta gente e o dinheiro público que se gasta a mal formar estas pessoas?
Maria Filomena Mónica tem razão ao criticar também os docentes, são uma classe poderosa, sejam os primários sejam os superiores, mas estes últimos cresceram como cogumelos nos últimos anos ao saber da massificação dos alunos, por isso nada dizem, sabe-lhes bem haver mais e mais alunos, para assim terem mais turmas e tornarem-se indispensáveis, eu também conheço docentes do superior que coitadinhos..
Caro Anónimo (30 Julho, 00:13): Obrigado pela correcção. Vou emendar imediatamente.
Cumprimentos cordiais,
Meu caro anónimo das 00:20:
O mal da universidade, entre nós, não está em formar muita gente, aos milhares, mas em diplomar... fraca gente, sendo caso para aplicar às circunstâncias a asserção camoniana de que "um fraco rei faz fraca a forte gente". Razão tem Filomena Mónica ao constatar a quantidade de nulidades de que enferma o ensino dito superuor, nulidades que, ao meu jeito, prefiro taxar de cavalgaduras. JCN
Com efeito, que outro nome, senão cavalgaduras, merecem os membros do júri que, na segunda metade dos anos quarenta, avaliou as provas de licenciatura em Filologia Românica do talentoso estudante Jos´Vitorino de Pina Martins, atribuindo-lhe a classificação de 13 (treze) valores, classificação essa que, na repetição das provas no ano imediato, lhe foi reduzida para 11 (onze)? Desapontado, o Dr. Pina Martis abandonou o país de, de universidade em universidade, por essa Europa fora, encheuse de prestígio, acabando por se doutorar brilantemente na Sorbonne, em Paris, onde dirigiu o Centro Cultural da Gulbenkian. Regressado ao país, exerceu o lugar de Presidente da Academia das Ciências e, por unanimidade, recebeu o grau de Doutor "honoris causa" pela Universidade de Lisboa. Morreu há meses e suas cinzas, com três poemas meus, foram depositadas no monumento que a sua tera natal lhe levantou, em Penalva do Alva, no conc. de Oliveira do Hospital. Morreu com ele o último Humanista em Portugal. Ficaram os humanóides... uns de saias, outros de calças, mas todos indistintamente de capelo e borla. Burlesco! JCN
Meu Caro Professor:
Quem avalia deve ter uma craveira intelectual e bases cultural e científica bem superiores ao do avaliado. Se este caso (que relata) é paradigmático casos há em que ele se verifica, igualmente, bem longe de claustros universitários.
O que dizer de escolas do ensino secundário (ensino secundário, repito) que tiveram na presidência dos respectivos conselhos directivos indivíduos de trabalhos manuais sem qualquer habilitação de ensino superior a avaliar professores licenciados, muitos deles, de elevado e reconhecido gabarito?
É este o mundo de uma educação que herdámos, de poucos anos atrás, e que teimosamente se quer mantida com as mesmas vestes andrajosas, ainda que mesmo sob o manto vistoso de uma mudança que pouco muda ou quando muda é para pior. Razão tinham os romanos: "Abyssus abyssum invocat".
Cordiais cumprimentos.
Caríssimo Dr. Rui Baptista:
Retomando a máxima romana e fazendo-a passar pelo filtro do pensamento anteriano, eu diria que "um abismo se tapa com outro abismo". Venha ele! JCN
Meu caro Dr. Rui Baptista:
Permita-me que lhe diga que, como pai de oito filhos, o maior calvário que tive de enfrentar na vida foi ter de lidar com os seus professores, que não posso deixar de classificar, na sua maioria, como energúmenos. Por iso tudo o que se faça para os humanizar tem a minha aprovação. Iremos nesse caminho? JCN
Meu caro Professor JCN:
Eu, como pai de seis filhos, não acredito no milagre da humanização em série dos professores. A única realidade em que acredito é ainda existirem no pântano em que se tornou o sistema de ensino superior português uns tantos nenúfares de honrosas, nobres e dedicadas excepções que fazem do magistério um sacerdócio que nada tem a haver com reivindicações sindicais que os torna clones de um mesmo e enorme desastre nacional.
Oxalá, meu caro Dr. Rui Baptista, que um dia, não distante, as excepções sejam a regra! JCN
Meu caro Professor:
Para que isso sucedesse (repare que a minha desesperança me leva a não escrever suceda), meu Caro Professor, seria necessário que, como escreveu o Professor João Lobo Antunes, que a mediocridade não fosse a lei e a inveja o decreto que a regulamenta.
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