segunda-feira, 19 de julho de 2010

CRÓNICA BREVE DE UMA DOR ANUNCIADA- 2


Nova crónica de António Piedade, que completa a anterior sobre o mesmo tema:

O desenvolvimento embrionário é fascinante. No “planeta” amniótico, o embrião, resultado da divisão, por um número de vezes preciso, de uma única célula (o ovo ou zigoto), tem uma polaridade magnificente na noite uterina. Esta polaridade, é determinada por gradientes de concentração de uma miríade de RNA (sigla inglesa para o Ácido Ribonucleico) mensageiros, RNA inibidores, RNA de transferência, proteínas, lípidos, glícidos, sais, ácidos, iões, oligoelementos, etc. Em algumas zonas do embrião algumas das substâncias estão em maior concentração. Noutras zonas, serão outras as que marcam e sinalizam a diferença, não só no mar interior celular (citoplasma), mas também no espaço intersticial das “costas” celulares (a superfície celular). Há um intenso tráfego de moléculas e elementos ionizados que, ao se difundirem nos “rios que banham” as células, interagem com biomoléculas sensíveis, que se encontram na superfície externa das membranas celulares e que funcionam como antenas receptoras de mensagens extra-celulares.

A mensagem, “agora é preciso que te diferencies numa célula de uma futura vértebra”, chegou com uma maré de mensageiros bioquímicos sincronizada pelos relógios moleculares que hoje sabemos existirem no desenvolvimento embrionário (e pela vida/morte fora). De facto, as investigadoras portuguesas (lideradas pela Isabel Palmeirim - ipalmeirim@gmail.com) de quem temos vindo a falar, identificaram um desses relógios que marcam o passo do desenvolvimento vertebral, respondendo às oscilações nas concentrações da proteína Shh (aqui).

E é assim por todo o lado do embrião. Vagas de marés que valsam notícias biomoleculares, banham células em zonas diferentes do embrião, permitindo que os futuros tecidos e órgãos se desenvolvam de forma cooperativa, sincronizada, respeitando a finalidade do todo que é o organismo (ver vídeo aqui).

Mesmo que o plano seja “só” o de executar um projecto (inscrito no genoma) de organismo que sobreviva, devido a um fenotipo bioquímico ajustado às circunstâncias envolventes, para conseguir transmitir os seus genes ao maior número de descendentes férteis. Mas as dores, se presentes, são descartáveis neste plano. A natureza é também nisto implacável!

Muito longe de nos satisfazermos só com o plano sobreviver/reproduzir, a esperança média de vida à nascença dos seres humanos que vivem no hemisfério norte, tem aumentado muito nos últimos milénios. Sem estar totalmente demonstrado, há aqui e acolá evidências de um desfasamento entre os cronómetros biomoleculares e esta expansão na longevidade. Muitas das maleitas “empurradas” para idades “após reprodução” pela selecção natural, ficaram de repente nuas e expostas pela possibilidade de vivermos mais tempo. Desabrocham em choro de dores, muitas vezes orquestradas minimalistamente por modos de vida que as amplificam do resto em compassos longos e monótonos: má alimentação, muita e pouco variada poluição, pouco ou nenhum exercício, posturas incorrectas, sem necessidade de lutar pela sobrevivência uma vez que tudo ou quase tudo à disposição sem muito esforço (mesmo cognitivo).

A investigação efectuada por Isabel Palmeirim e colaboradores nos últimos 30 anos, também ela repleta de dores próprias da investigação científica (persistência na ausência de quaisquer resultados, na falta de reconhecimento, nas muitas horas em operações repetitivas e de rotina e que originam muitas dores também nas costas, etc.) é agora alumiada numa revista científica de primeiro plano internacional o que alertou os media portugueses.

Contudo, o avanço no conhecimento do desenvolvimento e formação da coluna vertebral não significa resposta imediata ao apelo “tirem-me estas dores nas costas”. É muito importante identificarmos os agentes em causa na formação da coluna vertebral, pois isso permite-nos compreende-los e entender os mecanismos em que estão envolvidos. Mas, nem temos hoje ainda tecnologia de visualização não invasiva que permita detectar, nas primeiras semanas de gravidez, desvios perigosos nas curvas naturais da coluna, nem foi desenvolvido nenhuma terapia ajustável aos desvios de cada um. Eventualmente, o que se avizinha é o rastrear os genes agora identificados num teste genético mais prematuro.

No mínimo, isto poderá permitir a adopção de medidas e comportamentos correctivos e preventivos dos prenúncios moleculares das dores de costas assim anunciadas.

António Piedade

1 comentário:

António Piedade disse...

Em vez de Isabel Almeirim deverá ler-se Isabel Palmeirim. As minhas desculpas à Investigadora.

António Piedade

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