sábado, 24 de março de 2012

Atirei o pau ao gato

Uma das palavras de ordem da educação escolar, sobretudo quando a matéria em causa toca o campo da axiologia é a “neutralidade”: não se podem impor valores aos alunos, pois cada um tem de descobrir ou construir os seus próprios valores, em função do contexto em que está integrado.

Isto está errado e certo.

Está errado porque certos valores, os universais, têm de ser ensinados e/ou consolidados, pois não há outra maneira de as novas gerações os conhecerem e acolherem, sendo que a escola não pode demitir-se dessa tarefa.

Fernando Savater ilustra a ideia com a impossibilidade desta instituição ser neutral em relação à democracia:
“Seria suicida que a escola renunciasse a formar cidadãos democratas, inconformistas mas em conformidade com o que o modelo democrático estabelece, inquietos pelo seu destino pessoal mas não desconhecendo as exigências harmonizadoras do público. Na desejável complexidade ideológica e étnica da sociedade moderna (…) fica a escola como o único âmbito geral que pode fomentar o apreço racional por aqueles valores que permitem a convivência conjunta aos que são satisfatoriamente diversos. E essa oportunidade de inculcar o respeito pelo nosso mínimo denominador comum não deve, de modo algum, ser desperdiçada."
Mas está errado porque, adverte este filósofo, a indispensabilidade de educar em valores “pode converter-se, muito facilmente, em doutrinamento” quando se orientam os sujeitos para opções que são do foro individual, e resultantes da escolha esclarecida, ponderada e livre de cada pessoa.
“Daqui que alguma «neutralidade» escolar seja justificadamente desejável, face às opções eleitorais concretas, oferecidas pelos partidos políticos, face às diversas confissões religiosas, face a propostas estéticas ou existenciais que surjam na sociedade. E aqui o autor a que recomenda grande precaução por parte do professor “porque não pode recusar a consideração crítica dos temas do momento (que os próprios alunos, frequente-mente, irão solicitar e que o mestre competente terá de fazer … fomenta a exposição razoável…)”
Ora, foi esta subtileza que uma escola portuguesa não teve em consideração, orientando as opções... futebolísticas das crianças.

Um pai não gostou de ver a sua a criança a cantar uma cantiga tradicional adaptada para, em determinado passo, se davam vivas a um clube adversário do seu e não esteve com meias medidas: apresentou directamente queixa ao Ministério da Educação.

É claro que teve todo o apoio do clube que ocupa lugar no seu coração, o qual em comunicado "condena este proselitismo feito em escolas públicas, que em vez de ensinarem os valores da liberdade de escolha ou de opinião preferem ser uma espécie de ayatollahs das suas próprias preferências."

Com excepção do exagero a análise filosófica coincide com a de Fernando Savater.

7 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Sou dos que pensam que a escola não pode nem

deve ser fundamentalmente neutra.

E penso também que esse facto não contradiz o

segundo texto de Savater, em que se usa o

conceito de neutralidade entre parêntesis.

E muito menos legitima o que terá ocorrido em

alguma escola relativamente a opções

futebolísticas de crianças que, se fora noutro

local e "favorecendo" outra(s) equipa(s),

poderia eventualmente tornar "queixosos"

outros pais.

O que uma escola não deve, e devia não poder,

é comportar-se de modo estúpido.

Uma vez que não podemos ser neutros face ao

objetivo de promover, respeitar e defender a

sensibilidade, o gosto e as opções legítimas

de quem quer que seja. Porque "mataríamos" a

humanidade quando a uniformizássemos. A

diversidade é um requisito imprescindível em

todas as comunidades de seres vivos, e por

isso também na espécie "Homo sapiens", logo

nas sociedades humanas.

É intrínseca, portanto.

E a escola devia ser a primeira entidade a

reconhecê-lo e a praticá-lo.

Anónimo disse...

Se não se pode dizer "viva o Benfica" não se pode dizer praticamente nada. O incidente faz rir...melhor, faria rir se a mania do politicamente correcto não fosse trágica. Viva o Olhanense! (Desculpem aproveitar o anonimato e, pior, o vosso blogue, para fazer propaganda de um clube)

Carlos Ricardo Soares disse...

A escola não é, não deve e não consegue ser axiologicamente neutra. Aliás, a neutralidade, tanto quanto sei, não é apanágio nem atributo do axiológico. Este é um dos problemas mais difíceis com que a escola e os alunos têm de lidar. Os valores são a essência da convivência social. Mas a escola e os professores e os alunos estão lá para isso.

Anónimo disse...

A dualidade de dogmas tem constituído a forma clássica de ruptura e evolução dos sistemas. com a educação temos o mesmo emprego, visto que somos formados pelas relevantes formas de entender dinâmica social e não pelo simples fatos delas existirem.

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Eu penso que a escola não deve ser neutra em assuntos suscetíveis de uma abordagem cientifica.

Por exemplo:

Devia-se ensinar as crianças que não faz nenhum sentido tentar ganhar o Euromilhões; devia-se ensinar as crianças que as pessoas adultas que jogam, podiam e deviam gastar o seu dinheiro de forma mais conveniente. E isto devia ser explicado de forma cientifica.

E há tantos outros exemplos que podiam ser tratados de forma cientifica, e que não são propostas estéticas ou existenciais da sociedade.

maria disse...

o que é fantástico é ver o lugar que ocupa o futebol no coração dos homens. eu tinha vergonha de ser tão fútil.

Anónimo disse...

Não exagere, o futebol tem piada.

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...