sábado, 17 de março de 2012

A geração médica portuguesa de 1911


Novo post de António Mota de Aguiar (na imagem, estátua de Sousa Martins em Lisboa, ao antigo Campo de Santana, hoje Campo dos Mártires da Pátria):

A primeira metade do século XX deu a Portugal numerosos e competentes cientistas. Já neste blogue descrevemos os currículos de alguns físicos, matemáticos, biólogos, médicos e astrónomos, que se destacaram pelos seus trabalhos nas décadas de 30 e 40 deste século. Mas o limiar do século ficou marcado por uma geração médica que dignificou a História da medicina do nosso país.

Três figuras marcaram o fim do século XIX: Manuel Bento de Sousa (1835-1899), José Tomás de Sousa Martins (1843-1887) e Miguel Bombarda (1815-1910) . Este último, foi professor e director do Hospital Rilhafoles em Lisboa e, graças ao seu empenho, e ao de Sousa Martins, criaram, respectivamente, em 1882 e 1897, o Instituto Bacteriológico e o Laboratório de Histologia, este último no Hospital Rilhafoles, tendo Miguel Bombarda nomeado Marck Athias para o dirigir. Diga-se, contudo, que estes três homens não foram cientistas nem experimentadores, mas essencialmente clínicos, oradores e polemistas. Porém, a sua acção na sociedade portuguesa de então e a criação das duas instituições mencionadas estiveram na base dos posteriores avanços da medicina em Portugal.

A medicina lisboeta do final deste século era essencialmente clínica e baseada no velho Hospital de S. José; a Escola Médico Cirúrgica estava instalada, em condições precárias, numa espécie de barracão, ao lado do Hospital, como escreveu Jaime Celestino da Costa (1915-2010).

Por esta altura, ouviam-se vocês discordantes que alertavam para o nosso atraso e avançavam soluções, como, por exemplo, Ricardo Jorge (1858-1939), que propunha soluções para a reforma do professorado e sua especialização técnica, pondo em evidência que “o grande mal, o maior mal, não é o analfabetismo, é o iletrismo das classes dirigentes”. “A um século de distância, o conceito parece-nos bastante actual”, conclui Jaime Celestino da Costa.

“Éramos parasitas da ciência alheia”, escreve ainda o mesmo professor, “…situação contra a qual os jovens queriam lutar. Mas iam contar com o apoio de grandes inovadores que tinham fugido ao iletrismo nacional”.

Foi graças a estes grandes inovadores que, em 1911, a Assembleia da República promulgava duas leis de importância decisiva. A 22 de Fevereiro a que reformava os estudos médicos, a 24 de Março a que criava novas Universidades e novas Faculdades. As Escolas Médicas de Lisboa e Porto transformaram-se em Faculdades, com estatuto universitário.

O psiquiatra e professor da Universidade de Coimbra Sobral Cid (1877-1941), na sua oração de sapiência, proferida em 1925, diz o seguinte:

“…seria injustiça, (…) não dar o devido relevo ao papel primordial da Régia Escola de Cirurgia de Lisboa, na regeneração do ensino superior. Usando larga e inteligentemente da lei de autonomia promulgada em 1907 pelo governo ditatorial do Conselheiro João Franco, a Escola Médica de Lisboa reformava-se a si mesmo e por si própria, antecipando-se e avantajando-se no campo das relações práticas, a todos os outros estabelecimentos de ensino superior. Foi uma admirável obra colectiva, em que todos os professores da época tiveram um quinhão de glória” .

Os fundadores (herdeiros das duas instituições cridas por Sousa Martins e Miguel Bombarda) desta nova medicina portuguesa foram Câmara Pestana (1863-1899) e Marck Athias (1875-1948). Os dois aperceberam-se da relevância de duas disciplinas nascidas da microscopia: a bateriologia e a histologia. Câmara Pestana, fundou, em 1892, o Instituto Bacteriológico que tem o seu nome, o qual, em virtude da sua morte prematura, aos 36 anos, vítima da epidemia da peste bubónica, levou o seu sucessor, Aníbal Bettencourt (1868-1930) a defender e desenvolver a sua obra.

No Laboratório de Histologia, Marck Athias deu um relevante impulso à investigação biológica, e contam-se como seus discípulos, Augusto Celestino da Costa (1884-1956), Geraldino de Brites e Abel Salazar (1889-1946), entre outros.

Desta geração áurea da medicina portuguesa, além dos nomes já citados, fazem parte:
Francisco Gentil (1878-1964), Azevedo Neves (1877-1955), Sílvio Rebello (1879-1933), Henrique Vilhena (1879-1958), Egas Moniz (1874-1955), Gama Pinto (1853-1945), Reynaldo dos Santos (1880-1970), Pulido Valente (1884-1963), Eduardo Mota (1817-1912), Carlos May Figueira (1829-1913), Sabino Coelho (1853-1938), Oliveira Feijão (1850-1918), José António Serrano (1851-1904), Silva Amado (1846-1925), Curry Cabral (1844-1920), Custódio Cabeça (1866-1936), Alfredo da Costa (1859-1910), José Gentil (1870-1941), Ferraz de Macedo (1838-1907), Bello Moraes (1868-1933), Moreira Júnior (1866-1952), Bettencourt Pita (1826-1907), Bettencourt Raposo (1853-1937), Sílvio Rachello (1879-1938), Salazar de Sousa (1871-1940), Carlos Tavares (1857-1913), Augusto Vasconcelos (1867-1951), Ferreira de Mira (1875-1953), e muitos outros.

“Obra colectiva, de grupo, rara entre nós, era a reforma espontânea de uma escola, coisa também rara e conduzida, coisa ainda mais rara, por um grupo de homens preparados – porque tinham procurado ser competentes” , escreveu Jaime Celestino da Costa.

Num outro texto, diz-nos ainda o mesmo professor:

“O movimento singular da geração de 1911 foi um caso especial – um oásis no contexto nacional – mas não podia sozinho mudar o rumo da história pátria”..

António Mota de Aguiar

2 comentários:

Anónimo disse...

Cama-se CAMPO MARTIRES DA PATRIA !

Flima disse...

Excelente trabalho sobre uma época relevante na História da Medicina Portuguesa! J. Figueiredo Lima

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