quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Coroas de glória para o tubarão

O amaranto, uma planta considerada sagrada pelos antigos maias, astecas e incas, foi um dos vegetais mais importantes da América pré-colombiana. O consumo da planta cujo nome significava «alegria» foi proibido durante o domínio espanhol por estar associado a práticas religiosas «pagãs».

A planta era conhecida pelos gregos que a designavam «amarantus», que significa «nunca murcha», e na Índia o reconhecimento das suas virtudes é evidenciado pelo seu nome em sânscrito: «amarnath» ou «rei da imortalidade». A realeza sueca recompensava os seus súbditos que se destacavam em exibições de força oferecendo-lhes coroas feitas desta planta. Os gregos, por sua vez, usavam a oliveira para as coroas de glória, nomeadamente, nos primórdios dos Jogos Olímpicos, os atletas vencedores eram homenageados com coroas de oliveira, tradição suplantada pelo louro com o domínio romano mas retomada nos jogos de 2004 na Grécia.

Na cultura mediterrânica, a oliveira, símbolo da paz, era considerada uma fonte de força e de saúde. Esta associação do amaranto e da oliveira a coroas de glória para feitos atléticos é curiosa uma vez que ambas as plantas se encontram entre as principais fontes vegetais de um anti-oxidante de efeitos reconhecidos, o esqualeno, um isopreno como as vitaminas E e A, compostos cuja estrutura foi descrita por Paul Karrer, laureado com o Nobel da Química em 1937.


Outra semelhança entre estas plantas é o facto de uma dieta rica em ambas (ou seus derivados) contribuir para a redução dos níveis plasmáticos de colesterol, embora no caso do amaranto sejam necessários mais estudos para confirmar os resultados preliminares e elucidar o mecanismo da sua acção.

Os efeitos benéficos do azeite na saúde humana são desde há muito reconhecidos, nomeadamente está bem assente que a sua inclusão na dieta apresenta, entre outros benefícios, uma considerável redução do risco de cancro de mama. Theresa J. Smith (artigo em formato pdf) e Harold L. Newmark, sugeriram que o efeito protector se deve à elevada quantidade de esqualeno contido no azeite (especialmente no extra virgem). De facto, existem numerosos estudos sobre o efeito do esqualeno, em aplicação tópica ou em administração sistémica, sobre vários tipos de cancro, da pele, do intestino e do pulmão, induzidos quimicamente em ratinhos. Os resultados obtidos sugerem que o esqualeno possui efeitos anti-carcinogénicos notórios e alargados.

Mas as fontes vegetais deste triterpeno só começaram recentemente a ser consideradas uma vez que, como o nome indica, o esqualeno foi identificado pela primeira vez no óleo de fígado de peixes da família Squalidae, ou seja, óleo de fígado de tubarão, uma das fontes mais ricas de esqualeno.

Usado em larga escala como suplemento alimentar desde a antiguidade, nomeadamente na China - Lee Ji Chin, que compilou a «enciclopédia» chinesa dos produtos medicinais, a Honzokomoku, identifica o óleo de fígado de tubarão como uma importante fonte de saúde e longevidade - e no Japão - o «samedawa» ou «cura tudo» era um extracto do fígado dos tubarões bebido pelos pescadores de Soruga Bay - e em anos mais recentes na indústria cosmética, o interesse económico do óleo de fígado de tubarão e a pesca intensiva associada colocaram algumas espécies na lista das espécies ameaçadas de extinção da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais, a lista vermelha da IUCN.

O esqualeno é um precursor da biossintese de esteróides que está presente naturalmente no corpo humano, estando concentrado na pele onde fornece protecção contra germes e contra os danos oxidativos causados por radicais livres. O esqualeno apresenta assim propriedades que o tornaram muito importante em cosmética (e medicina), já que para além da acção anti-oxidativa actua a nível celular melhorando a oxigenação e regeneração dos tecidos e é absorvido rápida e profundamente. Nos últimos anos, devido a preocupações ecológicas, muitas empresas de cosméticos deixaram de utilizar o óleo de fígado de tubarão nas suas formulações, substituindo-o por análogos vegetais, nomeadamente por óleos vegetais ricos em esqualeno.

A Oceana, uma organização de defesa dos oceanos, anunciou na terça-feira que a Unilever se junta este ano a outras empresas e irá substituir o óleo de fígado de tubarão, que utilizava em produtos como o Dove ou o Pond's, por esqualeno de origem vegetal. Esperemos que este bom exemplo seja seguido pelos fabricantes de suplementos alimentares naturais e que o tubarão deixe de ser pescado exclusivamente devido aos seus bons fígados.

E esperemos que cada vez mais pessoas se apercebam que o prefixo bio no nome de um composto químico não lhe altera as propriedades (embora lhe possa alterar as virtudes ecológicas): o esqualeno, como outra molécula qualquer, apresenta exactamente os mesmos efeitos quer seja obtido por síntese, da azeitona, do amaranto ou do fígado de espécies ameaçadas de extinção!

1 comentário:

Humilde Canalizador disse...

Uma excelente notícia, que deve ser divulgada, para se obstar ao massacre desses animais.

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