quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Outra vez o acordo ortográfico

João Pinto e Castro teve a amabilidade de responder criticamente ao meu artigo publicado no jornal Público na passada terça-feira sobre o acordo ortográfico. O seu artigo critica a minha posição e usa vários argumentos.

Em primeiro lugar, afirma que ignoro a diferença entre língua e ortografia. Este argumento parece pressupor que SE fosse verdade que legislar sobre a ortografia é legislar sobre a língua, então seria errado legislar sobre a ortografia. Mas como a língua não é a ortografia, não faz mal legislar sobre a ortografia.

Este argumento parece-me fraco, porque é tão errado legislar sobre a ortografia como legislar sobre a língua no seu todo. O que está em causa é a mania de mandar nos outros arbitrariamente.

Em segundo lugar, o João parece começar a refutar o facto empírico de que nos países de língua inglesa não se legisla sobre a ortografia. Mas logo recua dizendo que afinal não há mesmo tal coisa e que eles, os americanos e ingleses, se vêem às aranhas por causa disso. A ideia é: se não fossem tão palermas, há muito que teriam feito um acordo ortográfico.

Este argumento parece-me muito fraco porque o que está precisamente em causa é que a circulação de livros entre os EUA e o Reino Unido é enorme, apesar de não haver tal acordo ortográfico. E por isso não será por falta de acordo que não há a mesma circulação saudável de livros entre Portugal, o Brasil e outros mercados da língua portuguesa.

Há outro aspecto do argumento, mas esse discuto depois: é o facto de os bifes se verem por vezes em palpos de aranha com as mudanças ortográficas de país para país.

O João diz depois que há uma diferença fundamental entre o mercado livreiro anglo-americano e o luso-brasileiro: a enorme preponderância, no último caso, de um dos mercados, o que não ocorre no outro. Mas como não explica o que tem isto a ver com o acordo ortográfico, não entendi. Presumo que a ideia do acordo ortográfico seja fazer circular facilmente os livros portugueses no Brasil ou vice-versa, não sei. Ora, a ironia disto é que tal coisa só não acontece porque os editores não o fazem, e não por causa da ortografia. Qualquer biblioteca brasileira de filosofia está cheia de livros portugueses de filosofia, cujas diferenças ortográficas são irrelevantes para estudantes e professores.

Claro que os editores brasileiros se estão nas tintas para o mercado português porque é minúsculo comparado com o mercado só de São Paulo e Rio de Janeiro. Mas a razão pela qual os editores portugueses não se interessam pelo mercado brasileiro é puro desconhecimento das coisas e falta de iniciativa; nada tem a ver com a ortografia. Se a Europa-América desatasse a editar simultaneamente os seus livros no Brasil, fazendo jus ao nome, os brasileiros comprariam com a maior tranquilidade os livros com a ortografia portuguesa. Não tenho qualquer estudo empírico que confirme isto — mas tenho a experiência de falar com os meus estudantes e colegas brasileiros, que continuamente me perguntam sobre meios para comprar livros portugueses no Brasil, que infelizmente são aqui muito caros (vivo no Brasil, para quem não souber). Os leitores brasileiros deste blog poderão confirmar ou refutar a minha impressão.

O melhor argumento é o seguinte e é aqui que está tudo em causa. O João argumenta que, como sou um mero “técnico de ideias gerais”, desconheço que o estado é mandatado pelas Academias de Ciências e de Letras para sancionar leis sobre a ortografia. Estranho argumento este, pois o facto de o estado sancionar é precisamente o que está em causa. Se tivéssemos juízo, não quereríamos que o estado sancionasse tal coisa, pois o estado tem coisas mais importantes a fazer do que sancionar o modo como as pessoas escrevem “húmido”. Os académicos das Academias que academicamente publiquem boas gramáticas, bons livros, bons dicionários — óptimo! Que cumpram com esse trabalho a sua obrigação pública de nos ajudar a escrever melhor, de orientar a evolução natural da ortografia, da gramática, do léxico. Entre as suas responsabilidades profissionais incluem-se precisamente estas. E eu preciso deles, como todos os utentes da língua. Mas não preciso que se munam do estado salazarista para fazer leis sobre as palavras. Isto devia ser óbvio, mas não é óbvio em Mil Novecentos e Oitenta e Quatro — apesar de estarmos em 2008.

O João pergunta: “Como pode ele então estar tão certo de que a ausência do acordo não afectará negativamente as nossas vidas?” E é aqui que está a questão. Um salazarista pensa assim: se não podemos ter a certeza de que sem mais esta lei a vida não será melhor, então é melhor fazê-la já e a liberdade que se dane. E eu penso o contrário. Não tenho qualquer certeza de que a ausência de acordo não afectará negativamente as nossas vidas. Mas tenho a certeza de que numa sociedade genuinamente livre não se legisla por causa de não termos a certeza de que sem a legislação as coisas não serão terríveis. Afinal, quando começarem a ser assim tão terríveis, toda a gente vai ver, e nessa altura teremos tempo de fazer tal legislação.

Talvez o João desconfie, no fundo, que tais consequências terríveis nunca se deram. Aliás, caso se tivessem dado, ele nem argumentaria como argumenta; limitar-se-ia a apresentar todos os aspectos horríveis em que vivemos agora, sem qualquer acordo. Dado que tais aspectos não existem, concluo que não há qualquer razão para qualquer acordo ortográfico.

Acrescento só mais um argumento, este fora do que realmente me interessa. Aceitemos que há realmente razões económicas ou estratégicas ou seja lá o que for para unir as ortografias. Imaginemos que queremos fazer isso para os editores portugueses conseguirem vender livros no Brasil, ou para outra coisa qualquer. Este argumento a favor do acordo ortográfico é puro delírio. Pois as diferenças mais profundas entre o português brasileiro e lusitano não são ortográficas, mas sim gramaticais e lexicais. Seja o que se fizer ortograficamente para unir seja o que for, não poderá unir se não unir o léxico e a gramática. Donde se conclui que todas as justificações do acordo ortográfico em termos das consequências são improcedentes.

18 comentários:

António Viriato disse...

Começo a ter as minhas dúvidas sobre a coesão do idioma.

Os brasileiros enveredaram há largo tempo pela anarquia gramatical, falam já como se as regras gramaticais fossem meramente facultativas, vivem demasiado no presente oral, perderam contacto com os clássicos da LP, os nossos e os deles, que, como Euclides da Cunha ou mesmo Machado de Assis, já lhes soam hoje a escritores lusófilos ou lusitanizantes, na sua forma de escrever.

Em Portugal, o panorama não é muito melhor. Fala-se, pronuncia-se e escreve-se mal o Português, na maior parte da Comunicação Social e dos programas escolares varreram-se os clássicos, para dar espaço ao linguajar jornalístico, supostamente moderno.

Neste quadro, o Acordo é um assunto menor, que, creio, não preservará a unidade linguística, objectivo louvável em si mesmo.

Tampouco me parece apropriado comparar a divergência ortográfica luso-brasileira, não despicienda, com a existente entre americanos e ingleses, que é mínima.

Além disso, foi o Brasil que faltou ao cumprimento do Acordo de 1945, facto que se tornou responsável maior pela actual divergência ortográfica, embora o mais importante para a coesão da Língua seja a observação da sua norma-padrão, em particular a sua sintaxe.

Frases do tipo «Você já falou com o teu pai ? Olha, então vai lhe chamar, vê se não esquece, depois eu te ligo», hoje comuns no Brasil, descaracterizam o Português. Tais modos de falar são incorrectos em qualquer língua latina. Experimentem verter «aquilo» para francês, ou castelhano ou italiano, etc. Fica uma mistela que ninguém aceita em ambientes alfabetizados.

Enfim, o tema é rico de polémicas e não se esgota nunca.

Tenho chamado a atenção para alguns destes problemas da LP, como seu falante interessado, apreciador e respeitador da sua beleza, da sua índole.

Não prezo a postura de auto-flagelação que vejo seguir a muitos portugueses e reconheço que o Brasil teve e tem bons especialistas do idioma, embora sejam um escol de reduzida expressão numérica, mais ainda, o dos lusófilos; no Brasil actual, predomina certo azedume anti-lusitano e um enorme desinteresse pelo que aqui se passa.

Nem no aspecto desportivo Portugal lhe suscita atenção, excepto quando a selecção obtém vitórias, em grande parte atribuídas à influência de Scolari.

Gosto do Brasil, como a maioria dos Portugueses, mas julgo tratar-se de um caso de amor não correspondido.

Peço desculpa pela extensão do comentário.

Jorge Oliveira disse...

Excelente comentário, o do António Viriato.
Aquela expressão "exemplar" que ele aqui nos deixa, que se pode ouvir com alguma frequência nas telenovelas do Brasil e que constitui um autêntico assassínio da nossa língua, em que é que pode ser melhorada pelo famigerado acordo ortográfico...?

Graça disse...

O texto que abaixo transcrevo (de 27 de Junho de 2000) revela algumas das motivações subjacentes a esse acordo e, até, à introdução do português falado no Brasil noutros continentes...


Academia Brasileira de Letras 27 Junho 2000 http://www.academia.org.br/abl/outros/rachel/pales7.htm

CICLO DE CONFERÊNCIAS "A LINGUA PORTUGUESA EM DEBATE"

"Bilingüismo e crioulização nos países lusófonos"
Antônio Martins de Araújo, Doutor em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira) pela UFRJ e professor aposentado de Língua Portuguesa da mesma instituição.

(...) Para onde vão os crioulos afro-portugueses? Acabamos de ver que o anobonês e o senegalês, antigos crioulos de base portuguesa, sobrevivem sob novas bandeiras, e que o principense, se ainda não está extinto, estará em breve em vias de extinção. Vimos empenho na alfabetização em Angola e Moçambique. Vimos também que nas diglossias cabo-verdiana, tomeense e principense, o português continua como língua secundária no uso cotidiano, conquanto seja também falado pela maioria da população; enquanto na diglossia guineense os dados se alteram; embora o português seja também aí a língua oficial, o crioulo, apesar de falado por menos de metade da população, ainda é a língua de união nacional.
Por muitos anos ainda, o português será a língua oficial dessas cinco nações. O nº 108, da segunda semana deste mês, da revista Época mostrou o empenho das cinco jovens nações africanas de colonização portuguesa recente, até bem pouco tempo interessadas em importar nossa tecnologia educacional no ensino da língua comum. Xanana Gusmão, comandante da vitoriosa luta de Timor Leste em favor de sua autodeterminação, fazendo coro àquele empenho, também anunciou desenvolver esforços no sentido de tornar o português falado no Brasil língua oficial daquele país em fase de organização.
Na área do intercâmbio cultural, aqui não mais se oferecem bolsas de estudos aos universitários advindos dos PALOP. Aos que conquistam espaço nas nossas universidades, têm-lhe sido concedidas apenas as vagas a que têm direito por conquista. De volta à pátria quando formados, poderão ajudar seus irmãos a recuperar a cidadania ameaçada, levando-lhes informação e técnicas. Tudo isso é bom, mas é pouco. Precisamos aumentar o número de nossas universidades que aglutinam o ensino das literaturas africanas às de expressão portuguesa, até para que se efetive nosso conhecimento em torno da realidade africana e se incrementem, com mais intensidade e solidez, nossas relações diplomáticas, econômico-financeiras e culturais, no mais amplo sentido, com esses países.
Quanto a nós, que cimentamos nossa nacionalidade também à custa do suor escravo, resta indagar qual o papel que nos caberá no resgate da cidadania plena dos nossos irmãos africanos. Não temos apenas coincidências de paralelas no mundo, não temos apenas traços socioculturais comuns a essas nações. Como povo mestiço que somos, amalgamado com o sangue indígena e o europeu, temos o próprio sangue africano correndo em nossas veias.
Se, com nosso peso e nossa respeitabilidade, lideramos a criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, e, dentro em pouco, vamos secretariá-la, temos a obrigação de impedir que a CPLP seja mais um projeto adiado, ou até, quem sabe, no que tange à nossa participação, um projeto lamentavelmente nati-morto, como tantos outros.
Precisamos sair do platonismo, e darmos um solidário abraço a esses povos cujos ancestrais, por tanto tempo, nos ajudaram a construir nossa nacionalidade e a caldear nossa própria cidadania. Precisamos dizer a eles nossas mantenhas, e irmos à luta. Mãos à obra.

Rui Baptista disse...

O exemplo apresentado por António Viriato sobre a maneira de falar nas telenovelas brasileiras("Você já falou com o teu pai"), é idêntica à forma de falar dos negros de Moçambique. Assim, por exemplo, era vulgar ouvir dizer: "Senhor(a) já fizeste aquilo".
Claro que se tratam de formas de mau trato gramatical do português que pode ser enriquecido com saborosaas expressões brasileiras -nunca desta forma - que já entraram no nosso léxico comum não pela via erudita mas pela via popular, através das telenovelas. O que é totalmente diferente!
O próprio Antônio Martins de Araújo,doutor em Letras Vernáculas, e amplamente citado emcomentário anterior dá-nos um exemplo da dificuldade em arranjar uma plataforma de entendimento sobre a forma de expressão escrita dos portugueses e dos brasileiros (isto já para não falar nos países africanos de origem portuguesa). Comça logo pelo seu nome de baptismo "Antônio" que em português tem um acento agudo sobre o primeiro "o". Depois,e a título de mero exemplo,na parte final da conferência por si proferida no Ciclo de Conferências "A Língua Portuguesa em debate", escreve:"Precisamos dizer a eles". Em português a forma de escrever tida como correcta é: "Precisamos de lhes dizer". Na hipótese da procura de um entendimento que uniformizasse a forma de escrever o português, quem cederia a quem?

Sérgio O. Marques disse...

Ena! Seria curioso ce ezistice uma lei que penalisace os erros ortograficos. Por esta altura, eu ja estaria prezo.
O problema é que a quase totalidade da juventude também.

purpurina disse...

ouvi falar novamente dum acordo ortográfico há poucos meses, e confesso que fiquei francamente apreensiva. com o tempo tenho vindo a moderar a minha opinião, no entanto a ideia de daqui em diante poder ter de enfrentar livros com ortografia estranha e instintivamente errada continua a assustar-me. contrariamente à opinião de desidério murcho, que afirma não haver entrave à distribuição de livros com diferentes ortografias entre portugal e brasil (aponta a introdução de livros com ortografia portuguesa no brasil e suponho que não encontre entrave no sentido inverso), incomoda-me ler textos com ortografia brasileira - excepção feita a autores brasileiros, bem-entendido.

ainda não consegui chegar a uma conclusão relativamente a este assunto, e desde já agradeço ao de rerum natura e ao 5dias a troca de ideias.

gostaria de comentar duas coisas:

. ao lermos o excelente comentário de antónio viriato convém ter bem presente que o exemplo de brasileirada que ele dá é, e continuará a ser mesmo após um acordo ortográfico (e espero que durante muitos anos ainda), gramaticalmente errado e um assassínio da língua portuguesa - como já alguém apontou - tanto em portugal quanto no brasil. há quem fale mal no brasil como há quem fale mal em portugal, e isso não significa que dum instante para outro passe a ser correcto trocar sujeitos verbais, singular/plural, o que seja.

. por último, em resposta a sérgio o. marques, eu ficaria felicíssima se existisse uma lei que penalizasse erros ortográficos! daí que talvez tenha de passar a apoiar um acordo ortográfico.
sempre que vejo num noticiário, num jornal, num mupi ou num letreiro barbaridades ortográficas escritas com o maior à vontade sinto ganas de passar multas a toda a gente.

sinto-me no direito de exigir que os meios de informação tenham um maior cuidado do que o cidadão comum dada a enorme responsabilidade que têm. por outro lado, não consigo entender como é que companhias que se especializam em fazer letreiros não têm correctores ortográficos ou sequer um dicionário onde possam verificar que, por exemplo, se escreve "proibido" e não "proíbido".

pensei também em apontar o exagero da expressão "quase totalidade da juventude", mas infelizmente não sei se será tão exagerada assim.

cumprimentos a todos.

JV disse...

A questão é que se não se fizer um acordo ortográfico, muito provavelmente daqui a 100 anos o "brasileiro" pouco terá a ver com o português. E, convenhamos, seria muito melhor que estes países mantivessem uma língua única.

Filipe Moura disse...

Primeiro, no artigo do Público, o Desidério invoca a já estafada defesa da "liberdade", na melhor tradição anglo-saxónica. Pessoalmente eu prefiro a democracia (coisa diferente), e hoje em dia a maior ameaça à democracia vem dos defensores da "liberdade" (como qualquer leitura de O Insurgente comprova).
A questão é que esta é uma questão política, e por isso é abordada pelo Desidério (que é o único dos membros deste blogue com um claro projecto político, como a referência constante aos "políticos pimba" comprova).

Bem, mas se esta é uma questão política, eu subscrevo inteiramente o que foi dito pelo meu prezado JV, imediatamente acima:

"A questão é que se não se fizer um acordo ortográfico, muito provavelmente daqui a 100 anos o "brasileiro" pouco terá a ver com o português. E, convenhamos, seria muito melhor que estes países mantivessem uma língua única."

Nem mais. Política pura que, ao contrário do que defende o Desidério, não deve ser deixada só aos académicos. Tal seria muito pouco democrático.

Rolando Almeida disse...

Caros,
Li aqui alguns comentários que referem um mau uso da língua quer no Brasil, quer nalguns países da lusofonia. E isso significa que o uso que fazemos da nosso língua não está cheio de ambiguidades? Está sim, e muitas.
Abraço
Rolando Almeida

A. Monteiro Inácio disse...

Se o português de ambos os lados do Atlântico estiver a seguir caminhos divergentes, não é este ou qualquer outro acordo forçado aos seus falantes que vai alterar o que quer que seja.

Por muito que se legisle, se obrigue e se proíba, as línguas continuarão a ter vida própria e independente.

A língua não pertence ao Estado. É património de todos os seus falantes. Este acordo é uma usurpação vergonhosa do Estado a algo que nos pertence a todos.

Eu cá continuarei a escrever «português clássico» e terei especial gosto em fazê-lo na papelada que a nossa burocracia de vez em quando nos obriga a preencher.

Alda M. Maia disse...

A última parte do seu texto sintetiza, perfeitamente, o cerne da questão. Os demais argumentos apenas servem para reforçar a sua tese e com a qual estou inteiramente de acordo.

Filipe Moura disse...

O último parágrafo? O único parágrafo deste texto fala em unificar o léxico e a gramática. NINGUÉM quer uma unificação lexical da língua portuguesa; isso, sim, seria absurdo, um desastre, inimaginável. Portugueses e brasileiros terão sempre léxicos diferentes (como americanos e ingleses, e ainda bem!). Léxico não tem nada a ver com ortografia nem com o que está em discussão.
Quanto à gramática, é evidente que deve ser só uma. Mas que diferenças gramaticais (que não sejam ortográficas) existem entre o português do Brasil e o de Portugal? Se existirem (estou-me a lembrar do "por que" e do "porque, e eu aqui, como o Desidério, até defendo a norma brasileira) contam-se pelos dedos de um pé!

JC(que não é o Cristo e embirra com cristalizados) disse...

"Os académicos das Academias que academicamente publiquem boas gramáticas, bons livros, bons dicionários — óptimo! Que cumpram com esse trabalho a sua obrigação pública de nos ajudar a escrever melhor, de orientar a evolução natural da ortografia, da gramática, do léxico. Entre as suas responsabilidades profissionais incluem-se precisamente estas. E eu preciso deles, como todos os utentes da língua. Mas não preciso que se munam do estado salazarista para fazer leis sobre as palavras. Isto devia ser óbvio, mas não é óbvio em Mil Novecentos e Oitenta e Quatro — apesar de estarmos em 2008".

Este coitado do Murcho, cada vez que esgrima usa a espada virada ao contrário. Dá bordoada no Estado, por legislar acerca da língua, clamando para que a deixemos ao cuidado dos linguistas académicos e dicionaristas. Tosco e cego, não enxergou que quem redigiu os termos do acordo e solicitou a sua ratificação política foram precisamente os académicos, extravasando da sua função de estudiosos dedicados ao aperfeiçoamento da língua.

É a esta gente, que em vez de cumprir a sua função científica se entretém a propôr atoardas etimológicas (entre outras) em nome do desenvolvimento dos negócios, que é necessário pedir explicações e zurzir a lombeira.

E quanto a falar-se e a escrever-se mal em português, estará a situação pior no Brasil? Só se for em relação ao número absoluto de mal falantes, porque em termos relativos não sei, não. Vale-nos que não temos tantas telenovelas que nos ponham à mostra as nossas misérias. Mas, tal como o algodão, o linguarejar popular que a televisão quotidianamente nos mostra não engana.

JC (o tal que não é o Cristo, nem tem crista e embirra com cristalizados, mas que por restrição do número de caracteres teve de assinar abreviado).

Sei lá, Sei não disse...

Saudações, amigos lusitanos....

António Viriato não sabe absolutamente nada sobre a relação entre portugueses e brasileiros, destacando, que assim posso, como brasileiro que sou, a enorme admiração que temos pelos irmãos de Além-Mar. Digo, é claro, como acadêmico e, algum etnocentrismo acrescentaria, “letrado”. Muitos dos livros portugueses, romances ou acadêmicos, são lidos aqui.

As modificações propostas ferem pouco o português falado (ou escrito) aqui. Apesar disso, grande parte dos brasileiros com quem tive contato são contrários. Isso, principalmente, porque ferem o português de vocês. Acrescento: vocês têm o direito cultural de continuarem a escrever facto. O facto de vocês não é o fato nosso.
E tenho bastante respeito pelo fato de que as palavras são patrimônio cultural. Como tal, não podem ser presas.

Sobre a bobagem, se me permitem a liberdade da palavra, a respeito da novela: deveriam os meios de comunicação simularem uma linguagem oral? Não, ela é diferente da escrita. Assim como é diferente a estrutura do português lusitano.
Mesmo assim, José Saramago é um dos autores mais lidos aqui. E, aqui, “Euclides da Cunha ou mesmo Machado de Assis” não são vistos como autores “lusófilos”.

No mais, não há lei etnocêntrica na terra que possa frear o modo como diferentes povos constroem sua língua. A estrutura diferenciada do português, seja no Velho Mundo ou no Novo, não faz com que a língua seja diferente. Mas as estruturas correspondem a um modo de viver a língua. Correspondem a um modo de adotar a língua como patrimônio cultural. E qualquer reivindicação sobre a unidade não passa de um autoritarismo sobre o modo como os povos são diferentes no cotidiano. Qualquer unidade defende uma homogeneidade medíocre, pouco plural, pouco tolerante e, digo mais uma vez, etnocêntrica.

Para deixar claro: apesar de pouca ortografia mudar no Brasil, caso a mudança seja aplicada, a maioria, deste lado de cá do atlântico, dos brasileiros é contraria. Pelo menos na academia, onde pessoas continuam a defender a pluralidade como facto.

Pedro Machado disse...

Sobre os exemplos de uso agramatical dos pronomes no Brasil, queria acrescentar que o mesmo acontece em Portugal vindo da boca e da mão de gente culta em frases como: "Vocês viram a vossa mãe". Segundo a gramática, só há duas opções -- ou "Vocês viram a sua mãe" ou "Vós vistes a vossa mãe". Prefiro a segunda. Porque sou nortenho e é assim que falo e porque a primeira é ambígua -- por causa da palavra "sua".

Ah. Concordo a 100% com tudo o que o Desidério Murcho escreveu sobre o assunto. Fê-lo muito bem. Parabéns.

http://del.icio.us/lpedromachado

Cumps
Pedro

Sérgio O. Marques disse...

Linda purpurina, também me sinto deveras incomodado com os abusos da língua que se afiguram por aí em meios públicos. No entanto, penso que o problema terá de ser resolvido ao nível educional, especialmente no ensino primário e não com a criação de mais leis - elas já não são assim tão poucas. As pessoas deveriam ser, desde cedo, habituadas a escrever com correcção e aproveito para dizer também: "fazer contas sem máquina".

Também gostaria de felicitar o Pedro pelo seu comentário sobre o "você", derivado do "vossemecê" que, por sua vez, é derivado de "vossa mercê" do tempo dos nobres - que já não existem. Por vezes desrespeita-se a gramática para mostrar o respeito onde este às vezes nem existe - como no falar para os mais velhos.

paulu disse...

"Os académicos das Academias que academicamente publiquem boas gramáticas, bons livros, bons dicionários — óptimo! "

Não podia estar mais de acordo.

Com efeito, mais importante que qualquer acordo ortográfico seria dispormos de boas ferramentas para escrever (e falar) português. Não obstante as variações europeias, americanas e australianas do inglês, existem excelentes ferramentas de apoio à escrita neste idioma. Já para o português, escasseiam, e, quando as há, são quase sempre de difícil utilização. Não conheço um único livro que ensine, só por si, a gramática básica do português de uma forma eficaz. Já para a língua inglesa, até em supermercados vi à venda excelentes manuais.

E nem para estas obras virem à luz vejo que seja necessária qualquer uniformização do idioma. Sou português, nunca vivi no Brasil, mas o meu primeiro dicionário é sempre o Houaiss. O que é bom, bom é, nasça onde nasça. E se consideramos que hoje os brasileiros respeitam pouco a gramática, então os lusos entendidos da língua que se dediquem a produzir bons instrumentos de ensino em lugar de regulamentos. É que, independentemente da sua erudição, não há um manual ou afim que ajude, de facto, a escrever bem português. Na melhor das hipóteses, dão umas dicas úteis. Mas regra geral, parecem mais preocupados em vender nomenclaturas que em ensinar a bem escrever.

A caricatura tornou-se realidade: jovens portugueses há, na casa dos vinte, que já redigem melhor em inglês que no seu idioma materno. Alguns, quiçá nunca terão pisado sequer um território de língua inglesa. Ora procurar responder a este estado de coisas com legislação sobre a ortografia não é apenas irrelevante: é meter a cabeça debaixo da areia.

Klatuu o embuçado disse...

Inteiramente de acordo com o teor fundamental do texto.

Sem dúvida esta é a única matéria crucial em que estou absolutamente em desacordo com os meus confrades da *Nova Águia*.

Cumprimentos.

35.º (E ÚLTIMO) POSTAL DE NATAL DE JORGE PAIVA: "AMBIENTE E DESILUSÃO"

Sem mais, reproduzo as fotografias e as palavras que compõem o último postal de Natal do Biólogo Jorge Paiva, Professor e Investigador na Un...