Georg Heym
Uma aventura quase metafísica
1.
Se é verdade
que a imagem precede o pensamento
podemos imaginar
que as ideias de Heym
nasceram enquanto patinava
-facilidade de movimento
Sobre o gelo
entregava-se a esse vai e vem
rodava à volta de centro instável
não era um planeta
nem um sino
nem um camponês atrelado à
charrua
- a relatividade do movimento
refletia sistemas que
desapareciam
a margem esquerda mais próxima
(os tetos vermelhos de Gatow)
fugia para trás
como uma toalha violentamente
arrancada
a margem direita pelo contrário
permanecia aparentemente no mesmo
lugar
-inversão do determinismo
maravilhosa coexistência de
possibilidades
- a minha grandeza –
dizia Heym para si próprio
(recuava agora
a perna esquerda levantada)
repousa na minha descoberta
que no mundo contemporâneo
os resultados
a tirania das consequências
a ditadura das relações de causa
e efeito não existem
todos os pensamentos
ações
fenómenos
estão lado a lado
como os traços dos patins
sobre a superfície branca
uma afirmação de peso
para a física teórica
uma afirmação perigosa
para a teoria da poesia
2.
os que permaneciam na margem
direita
não viram Heym desaparecer
o estudante que acabava de a
cruzar
via tudo em ordem inversa
o pullover branco
as calças apertadas nos joelhos
por dois botões
as pernas com meias cor de
laranja
a causa da infelicidade dos
patins
dois polícias
afastavam a multidão de
transeuntes
que rodeava o buraco no gelo
(o buraco parecia a entrada de
uma masmorra
a boca fria de uma máscara)
humedecendo o lápis
tentavam registar o que se tenha
passado
e pô-lo em ordem
conforme a ultrapassada
lógica de Aristóteles
exibindo como todo o poder
uma indiferença obtusa
para com o descobridor
e os seus pensamentos
que agora
vagueavam confusamente
sob o gelo
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